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As vítimas de Hitler que o mundo esqueceu

Além de milhões de judeus, diversos outros grupos foram oprimidos e devastados pelo governo nazista alemão

Por Sabrina Brito Atualizado em 28 jan 2022, 13h59 - Publicado em 27 jan 2022, 11h00

Neste dia 27, comemora-se (embora “comemorar” esteja longe de ser a palavra adequada) o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Em 2022, será celebrado o aniversário de 77 anos desde o final da Segunda Guerra Mundial, durante a qual o Estado alemão nazista aniquilou milhões de pessoas, entre religiosos, minorias e homossexuais, em nome de um futuro eugênico e ariano para a Alemanha. Aos olhos nazistas, esses grupos eram responsáveis por diversos fracassos ocorridos na história alemã, e, sem sua presença, a nação poderia de fato prosperar. 

Embora o termo “Holocausto” se refira exclusivamente ao genocídio judeu provocado pelos nazistas em meados do século passado, acabando com seis milhões de vidas, muitas outras comunidades foram para sempre afetadas pelas atitudes sanguinárias do governo de Adolf Hitler. O genocídio, a prisão e a tortura sistemática de membros de outros povos perpetrados pelos nazistas pintou para sempre as páginas da história de vermelho. 

“É preciso lembrar que comparar diferentes sofrimentos humanos é impossível”, diz a VEJA Stephen Smith, teólogo e fundador do Centro do Holocausto do Reino Unido. “Mas é essencial comparar as causas e consequências desse sofrimento para que possamos identificar, entender e prevenir esse tipo de crime no futuro.” Toda história é de extrema importância e deve ser ouvida; afinal, o ódio raramente distingue entre povos, raças e etnias.

Um exemplo pouco conhecido de grupo que sofreu tremendamente sob Hitler é o das testemunhas de Jeová. A fé de seus membros os proibia de fazer saudações a oficiais nazistas, de participar de atos violentos, de pegar em armas e, portanto, de se alistar no exército alemão. Suas crenças não eram compatíveis com os preceitos pregados pelo governo da época, o que fez com que eles se tornassem rapidamente inimigos do Estado. De acordo com o historiador alemão e especialista em história europeia Robert Gerwarth, as testemunhas de Jeová são o único grupo perseguido pelo Terceiro Reich em razão apenas de sua fé.

O símbolo que identificava essas pessoas frente ao regime nazista era o triângulo roxo, frequentemente costurado nos uniformes dos adeptos dessa religião que eram enviados a campos de concentração. Calcula-se que aproximadamente 4,2 mil testemunhas de Jeová tenham sido mandadas a esses lugares.

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Se o triângulo roxo marcava esses religiosos, o triângulo rosa era usado para diferenciar homossexuais em campos de concentração e trabalho compulsório. Calcula-se que até 15 mil homens homossexuais tenham sido forçosamente levados até esses locais, onde sofriam com preconceito e violência diariamente. A maioria morreu.

Outros 50 mil homossexuais receberam condenações criminais e tiveram de viver sob condições desumanas. Eles poderiam ser objeto de experimentos, tortura, castração ou trabalho forçado. Na prisão, eles podiam ainda ser executados às centenas.

Pessoas doentes ou com deficiências também foram vitimadas pelo Estado nazista. Sob o programa T4 (abreviação de Tiergartenstrasse 4, endereço onde o programa era executado), o regime da época pôs em prática um projeto de suposta eutanásia, em que centenas de indivíduos eram executados sob o pretexto de serem um fardo para a sociedade alemã.

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Em apenas sete anos de governo Hitler, 360 mil pessoas com traços como esquizofrenia e alcoolismo foram compulsivamente esterilizadas. A partir de 1939, todas as crianças com menos de três anos e com alguma síndrome, como a de Down, tornavam-se parte do programa T4, responsável por suas mortes. Cerca de 250 mil  jovens, adultos e idosos com doenças ou deficiências foram assassinadas enquanto durou o Estado nazista alemão.

Mais um caso de uma comunidade profundamente prejudicada pelo Estado nazista foi o dos povos Roma e Sinti, frequentemente chamados de ciganos. Vistos como inferiores pelos apoiadores do governo da época, esses indivíduos foram diretamente atacados durante as décadas de 1930 e 1940, e, além dos judeus, foram os únicos mandados a campos de extermínio, cujas câmaras de gás tinham como objetivo final deletá-los da face da Terra.

Ressalta-se que, mesmo antes de Hitler, essas comunidades enfrentavam muito preconceito e violência em diversos países da região. “O nazismo foi a pior experiência pela qual os ciganos passaram, mas ele não está desconectado de toda a perseguição que esse povo já vinha sofrendo pela Europa desde antes da Segunda Guerra”, elucida Marcos Toyansk, geógrafo e coordenador do Grupo de Estudos Ciganos da USP. “E esse preconceito não sumiu: até hoje, os ciganos são o povo mais indesejado do continente europeu.

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“Famílias inteiras e até mesmo crianças eram executadas. “Quando crianças são vítimas de uma aniquilação, pode-se ter certeza de que o objetivo último é o genocídio”, opina Smith.

Projeções apontam que os assassinatos dos povos Roma e Sinti entre 1933 e 1945 girem entre 200 e 500 mil. Aqueles que não eram mortos pelo aparato nazista eram muitas vezes enviados a guetos precários, deportados ou enviados a campos de concentração e trabalho. Foi só no ano de 1981 que o governo da Alemanha Ocidental reconheceu as atrocidades cometidas pelo país contra esses povos.

“O caso dos judeus e dos ciganos foi diferente dos demais”, explica a VEJA Marcio Plitliuk, curador do Memorial do Holocausto de São Paulo e diretor no Brasil do Yad Vashem, um dos maiores centros de pesquisas e ensino sobre o Holocausto do mundo. “Homossexuais, doentes e testemunhas de Jeová frequentemente morriam de fome, maus tratos ou cansaço em campos de concentração ou trabalho forçado, assim como ladrões e prostitutas; mas judeus e ciganos morriam em nome de tentativas de genocídio pelo Estado nazista”, afirma.

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Muito provavelmente, os nazistas acreditavam que suas ações eugenistas e genocidas seriam glorificadas ou ao menos esquecidas no futuro próximo. Não foi o que aconteceu, em grande parte graças aos esforços da comunidade judaica em relembrar o Holocausto e as matanças nazistas para evitar que o mesmo erro seja cometido em algum ponto da história.

É importante manter em mente ainda que não foi um punhado de oficiais nazistas que causou as inúmeras mortes durante a Segunda Guerra Mundial, mas sim o povo e a indústria alemães, convencidos por informações falsas de que judeus pretendiam destruir a Alemanha e dominar o mundo, de que homossexuais e doentes não deveriam ser parte de uma sociedade forte e perfeita, etc. Sem sua ajuda e apoio, Hitler jamais teria conseguido colocar seu plano em ação. Teria sido impossível, por exemplo, construir Auschwitz sem engenheiros, arquitetos e donos de fábricas que concordassem com os ideais nazistas.

Listar todas as comunidades e grupos prejudicados pelo regime de Adolf Hitler seria impossível — afinal, as estimativas sobre as mortes provocadas fora da Segunda Guerra pelo Estado alemão chegam aos 11 milhões. Contudo, relembrar os genocídios de autoria dos nazistas e celebrar as vidas perdidas durante os obscuros anos do meio do século XX é talvez a melhor forma de impedir que algo do tipo ocorra de novo, além de honrar todos que perderam a vida em nome da putrefata causa nazista.

“É como diz aquela famosa frase”, conclui Pitliuk. “Esquecer as vítimas é matá-las duas vezes.”

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