Após renúncia, premiê francês luta contra o tempo para evitar eleição que lesaria Macron
Sébastien Lecornu tem até a noite desta quarta-feira, 8, para formar um governo provisório que a polarizada Assembleia Nacional aceite

O primeiro-ministro cessante da França, Sébastien Lecornu, que renunciou ao cargo na segunda 6, atendeu aos pedidos do presidente Emmanuel Macron para tentar selar um acordo com os diferentes blocos da Assembleia Nacional a fim de “estabilizar o país” e conversou com vários partidos nos últimos dois dias. Ele tem até a noite desta quarta-feira, 8, para chegar a um consenso e afirmou que as siglas políticas demonstraram “disposição” para negociar.
Caso não seja bem-sucedido em formar um governo provisório que seja capaz de lidar com uma miríade de problemas no país — dos quais o mais grave é o déficit descontrolado de 168,6 bilhões de euros, que corresponde a preocupantes 5,4% do PIB, o dobro do permitido pelas regras da União Europeia —, Macron pode ser pressionado a convocar novas eleições legislativas para renovar a Assembleia Nacional, na esperança de que a reconfiguração interrompa os impasses.
Ambos os cenários são complicados. A dificuldade em conseguir um acordo no parlamento atual, dividido entre três blocos que não se suportam, foi o que levou à queda de quatro primeiros-ministros franceses no último ano. Enquanto isso, novas eleições devem prejudicar o governo Macron: projeta-se que seu partido perca assentos e o Reagrupamento Nacional, da ultradireitista Marine Le Pen, ganhe mais espaço. Mas não o suficiente para que os radicais obtenham maioria absoluta, o que significa um resultado semelhante à atual fragmentação.
Instabilidade e “disposição”
Choques sucessivos tornaram-se a regra na política francesa desde as eleições legislativas convocadas na marra por Emmanuel Macron há dezesseis meses, em gesto atabalhoado e arriscado para tentar ampliar sua bancada. O resultado foi um parlamento dividido em três blocos. Espremido entre radicais à esquerda e à direita, o grupo centrista do presidente ficou paralítico e ele, que perdeu quatro premiês desde o ano passado em meio à batalha sobre o saneamento das contas públicas, pena para governar e sofre pressão para renunciar.
Lecornu tornou-se na segunda-feira o premiê com mandato mais curto da Quinta República, estabelecida em 1958, ao abandonar o posto 27 dias depois de substituir seu antecessor, François Bayrou. Assim como ele e os que caíram antes, Lecornu não conseguiu apoio para aprovar o orçamento de 2026, cujo objetivo é reduzir o déficit do governo e combater a dívida pública com cortes nos gastos. Ele decidiu renunciar antes que a oposição, que além do Reagrupamento Nacional conta com o bloco de extrema esquerda batizado de Nova Frente Popular, pudesse convocar um voto de não confiança contra ele, diante da insatisfação com o corpo de ministros anunciado no domingo 6. Até aliados, como a sigla Os Republicanos, se indignaram, em especial com o nome apontado para o Ministério das Finanças.
Apesar da discórdia ter se tornado regra na política francesa, antes do início do segundo dia de negociações, nesta quarta, Lecornu disse ter detectado uma “disposição para ter um orçamento para a França antes de 31 de dezembro”.
“E essa disposição cria movimento e convergência, obviamente, o que torna a perspectiva de dissolução (do parlamento) mais remota”, disse ele em declaração no pátio de sua residência em Paris, no Hôtel Matignon.
Negociações incertas
O primeiro-ministro cessante iniciou conversas com líderes do Partido Socialista, de centro-esquerda. Ele deve fazer novo pronunciamento à TV francesa às 20h locais (15h em Brasília), para dar detalhes sobre avanços (ou a falta deles). Sua maior esperança parece ser algum tipo de pacto político para impedir que qualquer novo governo seja derrubado, mais uma vez, por um voto de confiança.
O líder socialista Olivier Faure, por ora, pareceu descartar qualquer chance de seu partido integrar o próximo governo.
“O plano orçamentário, da forma como foi apresentado hoje, é um plano orçamentário do qual não podemos fazer parte… e um governo conjunto com os (aliados) de Macron é inimaginável”, disse ele a repórteres.
Isso não significa, porém, que o Partido Socialista vai tentar derrubar um novo governo. Quem prometeu fazer isso foi a extrema direita e a extrema esquerda, que tem em seu líder Jean-Luc Melénchon, do França Insubmissa. Marine Le Pen, cujo partido lidera as pesquisas de opinião, pediu que Macron “considere seriamente” a dissolução do parlamento e a realização de novas eleições parlamentares.
Durante a noite, surgiram indícios de que Lecornu poderia garantir o apoio da centro-esquerda se o governo suspendesse a polêmica reforma previdenciária que aumentou a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos em 2023. No entanto, o ministro das Finanças em fim de mandato, Roland Lescure, alertou que isso custaria à França centenas de milhões de euros só neste ano, e bilhões a mais em 2026, justamente enquanto o país tenta reduzir seu déficit.
Sem o envolvimento do Partido Socialista no próximo governo, a maior esperança de Lecornu é montar um gabinete centrista revitalizado com os republicanos – conhecido como socle commun, ou plataforma comum. A sigla de centro-direita deixou claro até agora que não se juntará a um governo liderado pela esquerda, mas seu retorno ao governo com os macronistas também não é definitivo.