Após perder terreno na disputa eleitoral, Trump muda tom sobre pandemia
Presidente admitiu que situação é preocupante em algumas partes do país, mas se recusou a voltar atrás em afirmações sobre bom trabalho da Casa Branca
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a participar de uma coletiva de imprensa televisionada sobre a pandemia da Covid-19 nesta terça-feira 21, e adotou um tom menos otimista diante da crise, em uma tentativa de melhorar sua imagem em um momento em que perde força nas pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais de novembro. Ao mesmo tempo, porém, o republicano se recusou a voltar atrás em algumas de suas afirmações sobre o sucesso da Casa Branca no combate à doença, ainda que dados mostrem o contrário.
Em um primeiro momento, Trump se mostrou preocupado com a situação da pandemia. “Algumas regiões de nosso país estão muito bem”, declarou na primeira coletiva de imprensa sobre a Covid-19 em quase três meses. “Outras não estão indo tão bem”, completou. “Provavelmente e infelizmente vai piorar antes que haja uma melhora”.
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Clique e AssineO retorno de coletivas de imprensa presidenciais, interrompidas abruptamente no final de abril, após o presidente comentar sobre o uso de desinfetante como possível tratamento para os infectados com o novo coronavírus, é parte de um esforço para melhorar a imagem de Trump.
Após uma resposta inicial errática do governo à pandemia, cerca de 140.000 mortes e fortes aumentos no número de contaminações no sul e sudoeste do país, as pesquisas apontam para uma derrota de Trump nas eleições presidenciais de novembro contra seu rival democrata, Joe Biden. Estima-se que mais de dois terços dos americanos desconfiam da capacidade do atual presidente de lidar com a pandemia.
Sem o doutor Fauci
Após minimizar a gravidade da Covid-19 durante meses e promover soluções para a pandemia sem qualquer base científica, Trump espera que seu tom mais grave e realista possa melhorar as chances de ser reeleito.
Depois de se negar por meses a ser fotografado usando uma máscara, o presidente pediu nesta terça-feira aos americanos que sigam as recomendações dos médicos e usem a proteção para ajudar a frear a propagação do vírus. “Usem a máscara”, disse Trump. “Vocês podem gostar ou não, mas elas têm um impacto”.
Ao fim da coletiva, o presidente americano prometeu que uma vacina contra a Covid-19 será lançada em breve. “As vacinas estão a caminho e vão chegar muito antes do que se pensava ser possível”, afirmou o republicano, que surpreendeu ao aparecer sozinho atrás do púlpito, sem a presença de autoridades sanitárias do país.
Anthony Fauci, principal referência americana em matéria de doenças infecciosas, sequer foi convidado à coletiva de imprensa, após ser duramente criticado pela equipe de Trump por suas previsões pouco otimistas em relação à pandemia.
Contradições
Ao mesmo tempo em que adotou um tom mais responsável, porém, Trump voltou a repetir algumas afirmações que contrariam as ideias divulgadas pela comunidade médica, segundo um levantamento de checagem de fatos feito pela emissora americana CNN.
O presidente afirmou durante a coletiva que a taxa de mortalidade nos Estados Unidos está caindo e que os índices no país são mais baixos do que na União Europeia (UE) e “quase qualquer lugar no mundo”. Porém, segundo o levantamento em tempo real da Universidade John Hopkins, o país tem a terceira maior cifra de óbitos per capita do planeta. A taxa americana de letalidade do coronavírus é de 3,7%, a décima maior entre as 20 nações mais atingidas pela doença.
O republicano disse ainda que os governadores de todo o país estão recebendo “quantidades gigantescas” de suprimentos médicos da Casa Branca para combater a crise e que têm “tudo que precisam” para vencer o coronavírus. Muitos governadores, porém, acusam o presidente de falhar em ajudá-los durante a pandemia.
Nos últimos meses, o fornecimento de luvas, máscaras e equipamentos hospitalares pelo governo federal aumentou em relação ao início da crise, mas ainda há relatos de falta de condições adequadas em hospitais. Alguns profissionais da saúde ainda afirmam ter que racionar os equipamentos de proteção pessoal, segundo a emissora CNN.
O presidente insistiu novamente de que os Estados Unidos realizam mais testes para coronavírus do que qualquer outro país no mundo. De fato, seu governo realiza atualmente uma média de 2,35 testes a cada 100 habitantes, taxa maior do que a do restante do mundo. Porém, Trump não mencionou o fato de que muitas nações bem-sucedidas na luta contra a Covid-19 chegaram a realizar mais exames durante o período de pico de contaminações, e só diminuíram sua cota diária depois que os casos começaram a desaparecer.
Saúde ou campanha eleitoral?
Trump, acostumado à televisão após estrelar durante anos um reality show, parece mais à vontade diante das câmaras do que em ambientes mais formais da vida presidencial. Apesar das inúmeras críticas à imprensa, provavelmente deu mais coletivas do que qualquer um de seus antecessores no cargo.
O presidente garantiu que irá seguir dando coletivas de imprensa, mas ainda não se sabe se será capaz de resistir à tentação de usar a transmissão ao vivo para discutir a campanha eleitoral, algo que poderia não ser bem visto diante de um público preocupado com a saúde.
Trump tem aparecido atrás de Biden em todas as pesquisas divulgadas, e vem reformulando sua retórica de campanha para um tom mais sombrio, no qual tenta argumentar que os democratas são uma força política apoiada por socialistas ao estilo do governo da Venezuela, além de apresentá-los como anarquistas.
Os tuítes de Trump nesta terça-feira refletem estes dois polos de atenção. Por um lado, publicou: “Avanços incríveis estão sendo feitos em vacinas e terapias!!!”. Já em outra mensagem, escreveu, em tom alarmista e sem apresentar provas, que as próximas eleições presidenciais podem estar sendo manipuladas.
“O voto por correio, se não for modificado pelas cortes, conduzirá à mais CORRUPTA ELEIÇÃO da história de nossa nação! #ELEIÇÃOFRAUDADA”, afirmou.
(Com AFP)