Após bloqueio israelense, Gaza enfrenta onda de saques por palestinos em busca de alimentos
Catástrofe humanitária foi agravada após o bloqueio total de Israel a Gaza, imposto há dois meses

Uma onda de saques, roubos e trocas de tiros toma conta da Faixa de Gaza à medida que a fome se alastra entre a população de 2 milhões do enclave palestino, informou o jornal britânico The Guardian. A catástrofe humanitária foi agravada após o bloqueio total de Israel a Gaza, imposto há dois meses, impedindo a entrada de suprimentos, água, medicamentos e combustível. Homens armados atacam armazéns humanitários, estoques, cozinhas e lojas à procura de alimentos.
“Quando a fome for declarada, será tarde demais. A onda de crimes se deve ao fato de haver 2 milhões ou mais de pessoas desesperadas e traumatizadas, amontoadas e praticamente sem policiamento”, disse um funcionário humanitário em Gaza ao The Guardian.
A Cidade de Gaza enfrenta o pior panorama de crimes. Por lá, três padarias foram atacadas na semana passada por um grupo de homens, que depois invadiu um refeitório comunitário. Uma cozinha também foi assaltada em outro incidente, com os estoques, as panelas e frigideiras tendo sido completamente roubados.
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Relatos de saques
Funcionários de uma ONG foram mantidos sob ameaça de faca durante um saque, ao passo que trabalhadores da UNRWA, agência da ONU para refugiados palestinos, tiveram de escapar às pressas do escritório em Gaza, após ser invadido por pessoas em busca de medicamentos. Após o episódio, Louise Wateridge, oficial sênior de emergência da UNRWA, disse que o incidente foi “resultado direto de uma privação insuportável e prolongada”.
“Não há segurança. Não dormimos à noite. Dormimos em turnos, deixando uma pessoa acordada para nos proteger dos roubos e saques desenfreados”, disse Mari Al Radea, de 46 anos, ao jornal britânico. “A maioria das barracas na nossa área foi roubada. Nem tentamos descobrir quem era o ladrão, porque não há polícia nem seguranças presentes.”
Anas Raafat, um advogado de 25 anos, disse ao The Guardian foi acordado após pessoas saquearem um armazém de uma ONG, acrescentando que ele e sua família permaneceram “deitados no chão por mais de duas horas durante o tiroteio”. Uma situação similar foi testemunhada por Ghadir Rajab, de 27 anos.
“Quando ouvimos o som dos tiros, olhei pela janela e vi pessoas correndo de todas as direções para invadir o local, em busca de comida e água. Outros fugiam com medo de se machucarem, contou ele. “Uma mulher procurava o filho, mas descobriu que ele havia levado um tiro no ombro. Ela corria pela rua, gritando: ‘Meu filho, meu filho!’. Implorava por ajuda, mas ninguém prestava atenção, as pessoas estavam concentradas em roubar. A fome as havia cegado.”
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Sistema de saúde em colapso
O bloqueio israelense impede que o sistema de saúde palestino, que já estava antes em colapso, atenda os milhares de doentes e feridos. No sábado, 3, a bebê Jenan Alskafi por desnutrição e problemas digestivos. A menina de quatro meses precisava de fórmula láctea hipoalergênica, em falta, para ajudá-la com diarreia crônica, disse seu médico Ragheb Warsh Agha do hospital Rantissi, no norte de Gaza.
“A situação está piorando a cada dia. Temos entre 9.000 e 10.000 crianças em tratamento para desnutrição”, disse Jonathan Crickx, chefe de comunicações da UNICEF, agência da ONU para a infância.
A fome é considerada um crime de guerra pelas Convenções de Genebra, pelo Estatuto de Roma e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em Gaza, 95% das famílias reduziram a quantidade e a frequência das refeições – parte das crianças pequenas, inclusive, está parando de receber alimentos. A desnutrição suprime o sistema imunológico e, como consequência, aumenta a suscetibilidade a doenças, além de prejudicar o desenvolvimento cognitivo e físico das crianças.