Após aceno bilionário de Trump, Milei enfrenta eleição legislativa com gosto de plebiscito
A aposta: vencer o pleito e assim cacifar seu projeto radical
Em seu quarto encontro com o ídolo Donald Trump neste ano, o presidente argentino Javier Milei almoçou e posou para fotos na Casa Branca, dessa vez com um motivo ulterior: ganhar pontos na eleição legislativa de domingo 26, que vai renovar 127 cadeiras da Câmara (a metade) e 24 do Senado (um terço) na Argentina. Saiu da mesa com resultados ambíguos. Trump confirmou um pacote de ajuda bilionária crucial para as precárias finanças do país, o que agrada a investidores e renova a esperança de algum alívio na economia, mas condicionou a permanência de seu apoio à vitória eleitoral do parceiro, o que estremeceu expectativas e mexeu com os brios dos eleitores. “Se Milei não ganhar, não seremos generosos com a Argentina”, disse Trump, ao lado do próprio. O pacote acabou se materializando na terça-feira 21, mas, no balanço geral, a ida a Washington pouco atenuou a preocupação do governo argentino com a eleição que se avizinha, transformada em uma espécie de plebiscito, na metade do mandato, de sua “ultralibertária” agenda.
O Liberdade Avança, partido de Milei, conta hoje com apenas 37 dos 257 deputados e oito dos 72 senadores. Mesmo a aliança com o PRO, do ex-presidente Mauricio Macri, está longe de lhe garantir vida fácil na aprovação das duríssimas medidas que propõe. Na avaliação dos analistas, a conquista de 35% dos votos no domingo será vista como um sinal positivo de crescente apoio, usando como termômetro os 30% que ele obteve no primeiro turno das eleições presidenciais de 2023. “Com um pouco mais, 40%, ele terá uma eleição muito boa”, afirma Marcelo Garcia, diretor da consultoria Horizon Engage para as Américas. “Mas se as urnas indicarem que Milei é uma figura em declínio, os investidores começarão a se preparar para uma opção mais de centro ou centro-esquerda para 2027”, antecipa. Nos últimos dois meses, o Congresso derrubou os vetos do presidente — alvos de seguidas e crescentes manifestações de protesto — a projetos de lei que aumentavam recursos para universidades e saúde.
Ao longo do primeiro semestre, com a inflação em queda e a economia dando sinais de recuperação, a vitória da agenda ultraliberal em 26 de outubro, uma receita amarga que promete tirar a Argentina do abismo cavado sobretudo por governos peronistas, era considerada provável. A maré começou a mudar em agosto, com o vazamento de gravações que implicam Karina Milei, a todo-poderosa irmã do presidente, em um esquema de corrupção. No mês seguinte, o descontentamento da classe média com a perda de qualidade de vida superou a onda de otimismo e, em eleição especial na província de Buenos Aires, o maior colégio eleitoral do país, o Liberdade Avança ficou treze pontos atrás dos peronistas.
As principais pesquisas de intenção de votos indicam resultado apertado. Uma medição realizada pela Opina Argentina dá ao peronismo vantagem de 2 pontos percentuais — 37% a 35% —, enquanto uma pesquisa da CB Consultora Opinión Pública aponta vantagem da ala governista, de 40,8% a 35,4%. Os últimos levantamentos refletem a queda na popularidade de Milei, de 60% para 42% em três meses. “Não há mais apoio ao ajuste fiscal a qualquer custo, e apenas 20% consideram que sua situação pessoal melhorou”, afirma o analista Hugo Haime, baseado na pesquisa recente que mostra declínio na confiança no futuro e aumento na demanda por mudanças.
O consumo tem mostrado sinais de recuperação nos últimos meses, mas apenas no segmento de alta renda. “Isso aprofundou uma realidade dupla, em que a classe média e os setores mais pobres lutam para sobreviver”, explica o cientista político Sebastián Mauro, da Universidade de Buenos Aires. A inflação em setembro teve sua maior alta mensal desde abril, avançando 2,1%. Para piorar, a Argentina acumula dois trimestres consecutivos de queda do PIB, e o FMI prevê para 2025 um crescimento de 4,5%, revisando para baixo a estimativa anterior de 5,5%. Neste contexto, há dúvidas sobre o impacto, pelo menos imediato, da entrada em vigor do pacote trumpista de 20 bilhões de dólares destinados principalmente a sustentar o peso argentino — que caiu a 1 476 por dólar na segunda-feira 20, após a ida de Milei à Casa Branca.
Às vésperas da eleição, o governo enfrenta ainda um novo escândalo, que derrubou seu principal candidato na atual disputa, José Luis Espert, por receber recursos de um acusado de envolvimento com tráfico de drogas nos Estados Unidos — mas que mesmo assim vai figurar na cédula, atrapalhando os governistas. E, na quarta-feira 22, o ministro das Relações Exteriores, Gerardo Werthein, anunciou sua renúncia, sem maiores explicações. Tantas variáveis afetam a aposta de Milei de vencer a eleição — seja por una cabeza, como no tango de Carlos Gardel, seja por margem confortável — e assim cacifar seu projeto radical. Agora é pagar para ver.
Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2025, edição nº 2967
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