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Ainda um tabu

Solaila Abduali, autora de best-seller sobre estupro, fala a VEJA

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h09 - Publicado em 17 Maio 2019, 07h00

A socióloga e economista indiana Sohaila Abdulali foi vítima de um estupro coletivo aos 17 anos. Quatro homens a renderam em Mumbai — e se lançaram à barbárie. Era 1980. A polícia, impregnada de um machismo, digamos assim, culturalmente atávico, a considerou culpada pela situação. Três anos mais tarde, Sohaila escreveu um artigo sobre o assunto para uma revista da Índia. O texto foi retomado em 2012, durante manifestações feministas que se espalharam pelo país — depois que uma estudante foi violentada por vários homens dentro de um ônibus —, e ela ganhou fama internacional, o que a levou a escrever o livro Do que Estamos Falando Quando Falamos de Estupro, best-seller lançado em 2018 e que chega às livrarias brasileiras neste mês. Sohaila, que mora nos EUA e já foi coordenadora do centro de crise de estupro de Boston, falou a VEJA.

O título de seu livro sugere que estamos em um momento no qual se está falando publicamente sobre estupro. É esse o cenário? É importante não nos enganarmos. Parece que estamos debatendo o suficiente. Não estamos. Quando se contatam vítimas, nota-se que a maioria não tem com quem conversar e continua a expressar medo, silenciando-se. O assunto ainda é tabu. Quando estive na Austrália para lançar meu livro, leitoras pediam que eu o autografasse, só que em seguida escondiam o título para que ninguém soubesse o tema da obra que tinham comprado.

Por que precisamos falar mais sobre esse assunto? Se não tratarmos dele abertamente, não reconheceremos o problema. Deixaremos de entender, por exemplo, que ainda criamos meninos que acham que podem desrespeitar as mulheres.

Como uma vítima, homem ou mulher, deve reagir? Quando uma pessoa passa por uma violência sexual, alguém tira dela o controle sobre sua própria vida. Só a vítima pode decidir como processar o crime. A culpa, no entanto, jamais deve cair sobre ela. É a sociedade patriarcal que torna aceitável relativizar o estupro. Não é possível superar totalmente o ataque, mas sim atravessar o trauma e seguir em frente. No âmbito coletivo, é preciso falar a respeito do assunto para incentivar grupos feministas que mostram como as vítimas não estão sozinhas.

Qual a ligação entre o patriarcado e a cultura do estupro? No caso do Brasil, uma das maiores instituições patriarcais é a Igreja Católica. Trata-se de uma instituição que não considera humanos como iguais. Só homens podem ser padres, por exemplo. Em geral, valoriza-se a virgindade das mulheres, porém não a dos homens. Eles podem curtir o sexo, enquanto elas devem apenas tolerá-lo. É tudo isso que impulsiona um homem a forçar uma mulher, pois ele se vê como mais importante do que ela. Não pode ser assim.

Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635

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