Adut Akech: Do campo de refugiados para a Chanel
Nascida no Sudão quando o país passava por uma cruenta guerra civil, a modelo de 18 anos hoje posa e desfila para as maiores grifes do mundo

Que caminho percorreu antes de estrear como modelo na passarela da Saint Laurent, em Paris, há um ano? Nasci no sul do Sudão quando o país estava em guerra civil, no fim de 1999. Dois dias depois, minha família pegou um ônibus para Kakuma, no Quênia, onde havia mais de 180 000 sudaneses em um campo de refugiados. Quando eu tinha 6 anos, nosso pedido de visto de refugiados foi aceito pela Austrália.
Qual foi o primeiro impacto da mudança? Passei a frequentar a escola, de graça. Eu não falava uma palavra de inglês, mas aprendi rápido. No campo de refugiados, as escolas eram distantes do meu dormitório. Tinha de percorrer o caminho a pé, e era muito quente.
Quando se tornou modelo? Aos 13 anos, comecei a fazer pequenos trabalhos na Austrália. Até que uma agência local mandou fotos minhas para um desfile da Saint Laurent, em Paris, no ano passado. Fui aprovada, e desde então minha vida mudou drasticamente. Recentemente, Karl Lagerfeld me convidou para apresentar o vestido de noiva na coleção de alta-costura da Chanel. Durante a prova de roupa, caí no choro. Ainda não acredito no que está acontecendo comigo. Já fiz campanhas para Valentino e Moschino e tenho viajado o mundo — estou indo ao Brasil para desfilar para a Le Lis Blanc. Antes não tinha roupa, casa nem escola. Sou grata à vida e quero retribuir de alguma forma.
Como espera retribuir? Moro hoje em Williamsburg, em Nova York, e nunca voltei ao Sudão desde que deixei o país. Quero, em cinco anos, construir um hospital lá.
O Brasil tem recebido uma onda de imigrantes venezuelanos. Como vê a reação contrária de políticos e da população a refugiados em geral? Com tristeza. Minha família fugiu porque o Sudão vive em guerras constantes. Não há como criar uma criança em paz nesse contexto. Ninguém deixa um país e seus parentes sem ter uma razão. As pessoas saem pela vontade de ter um futuro melhor. Sugiro que todos se ponham no lugar do outro para entender o que significa ser um refugiado.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2018, edição nº 2606