A volta para casa: Harry e Meghan ganham destaque no adeus a Elizabeth
Nos funerais, o príncipe rebelde e sua mulher saíram do fundão. Resta ver se a paz familiar vai durar
Ser membro da realeza é um ofício hereditário, mas tem lá seus pré-requisitos, e quem os descumpre pode virar alvo de tão sutis quanto afiados atos de vingança. Harry, o caçula do rei Charles, sentiu isso na carne ao tentar se demitir das funções de senior royal sem perder mordomias (como segurança gratuita e reforçada) e honras militares. Nada feito: acabou destituído de tudo, menos do título de duque, e ainda passou pelo constrangimento de ser posto de escanteio em duas ocasiões de alta visibilidade, o enterro do avô, príncipe Philip, e o Jubileu de Platina da avó, a rainha Elizabeth. Quando se supunha que ia passar o resto da vida confinado ao quadradinho dos primos menos importantes, veio a reviravolta. Nos onze dias de pompas e rituais que se seguiram à morte da soberana, Harry não só reocupou seu espaço, como deu um passinho adiante. Afinal, ele agora é filho do rei.
Por mais que os tabloides, os inimigos número 1 dos duques de Sussex, tenham batido na tecla de que ele só foi avisado da morte da avó cinco minutos antes do anúncio oficial, o fato é que Harry (que por coincidência estava no Reino Unido) alugou um jatinho e, da mesma forma que todo o círculo íntimo, bateu ponto no Castelo de Balmoral, na Escócia, onde a rainha deu o último suspiro. Dois dias depois, para surpresa geral da nação, William e Harry, que segundo as más línguas não se falam há meses, apareceram juntos, acompanhados de Kate e Meghan (cunhadas que não se bicam), para cumprimentar os súditos nos portões do Castelo de Windsor. Verdade que mal se olharam, mas foram. Dali em diante, duque e duquesa se incorporaram a todos os desfiles e solenidades, perfilados no degrau mais nobre da hierarquia.
Harry marchou ao lado de William (sem nenhum primo de para-raios no meio, como aconteceu no enterro de Philip) no cortejo solene que levou o caixão até Westminster, onde foi velado por cinco dias. De uniforme militar — a única situação em que isso lhe foi permitido, quem sabe em nome da simetria do conjunto —, participou dos quinze minutos de vigília dos netos de Elizabeth em volta do esquife. Os irmãos sentaram-se em lugar de honra em duas missas solenes, uma na Abadia de Westminster e a outra na St. George’s Chapel, em Windsor, onde Elizabeth foi enterrada. Na primeira, Harry e Meghan foram acomodados na segunda fileira, atrás de Charles. Desfeita, bradaram os desafetos. O Palácio de Buckingham esclareceu que, ali, os assentos foram designados por idade. Na capela, o casal se acomodou na primeira fila, ao lado de William e Kate.
É sabido que tudo o que aconteceu nos funerais de Elizabeth II — o maior espetáculo da Terra, segundo os primeiros balanços — foi milimetricamente planejado e aprovado pela soberana em pessoa. Ao que tudo indica, fez parte do plano enterrar ao menos alguns ressentimentos e assegurar uma convivência civilizada. Charles III estendeu ele próprio a mão (rosada e gorducha, como atestam incontáveis memes) em seu primeiro discurso: “Quero expressar meu amor por Harry e Meghan, que continuam construindo suas vidas no exterior”.
O rei tem lá seus motivos: sem a estável figura de Elizabeth para manter a monarquia de pé, quanto menos escândalos e controvérsias, melhor — e tratar bem o caçula rebelde talvez suavize o tom de uma ameaçadora autobiografia que o príncipe escreve e pretende publicar até o fim do ano. “Se os duques se sentirem bem-vindos, a família real talvez consiga alinhavar algum tipo de acordo que evite mais fofocas e projete uma imagem de unidade”, diz Eleanor Proctor, especialista em monarquia britânica da Université de Haute-Alsace, na França. Abraçar Harry e Meghan — figurativamente, é claro — tem o efeito colateral de encher a bola da monarquia entre os jovens, a fatia da população que mais a rejeita: enquanto a instituição é aprovada por 62% dos britânicos em geral, só 14% das pessoas com menos de 35 anos a consideram “muito importante”.
Para os duques de Sussex, o vínculo influi consideravelmente nos projetos de conquistar a “independência financeira” e levar uma vida tranquila na Califórnia. “Qualquer conexão com o soft power da família real resulta em mais dinheiro e mais contratos comerciais”, analisa a historiadora real e escritora Sue Woolmans. Se Harry e Meghan vão mesmo se reaproximar do palácio, é questão em aberto. “Reintegrá-los seria uma decisão pessoal de Charles III”, observa Mandy Link, professora de história da Europa na Universidade do Texas. Ainda que a paz volte a reinar, nos bastidores alguma picuinha sempre há de pintar — como a que dá conta de que o casal faz questão de que seus filhos, Archie e Lilibeth, agora príncipe e princesa, como todos os netos do rei, também tenham direito aos tratamentos de His e Her Royal Highness, ou Sua Alteza Real, essa uma concessão de Charles ainda não concretizada. O diz que diz que palaciano não morre nunca.
Publicado em VEJA de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808