A última chance para salvar o turismo na Europa
A fim de evitar a perda de bilhões de dólares em mais uma temporada de férias, países lançam um conjunto de medidas, incluindo um certificado digital
O turismo europeu é uma potência, não importa para qual estatística se olhe. Todos os anos, mais da metade dos viajantes internacionais visita ao menos um país do velho continente, que é essencialmente um paraíso, pois tem infraestrutura e atrações para todos os gostos: praias, museus, castelos, parques, vida noturna e gastronomia — além de um charme incomparável. Os próprios europeus fomentam o bloco, fazendo milhões de deslocamentos da Escandinávia ao Mediterrâneo. No entanto, a pandemia atingiu o coração desse pujante negócio, que recuou 71% em 2020, com perdas multibilionárias. Agora, as autoridades correm para salvar a temporada 2021 e impedir que a catástrofe financeira se repita. O desafio, no entanto, é construir um conjunto de regras que satisfaça as necessidades econômicas dos 27 países-membros da União Europeia, garantindo, ao mesmo tempo, a segurança sanitária de forasteiros e residentes.
Turismo na Europa
Ainda que as viagens fiquem aquecidas na primavera, de março a junho, e no início do outono, em setembro, o pico da alta temporada ocorre em julho e agosto. Alguns países dependem tanto dessa janela que entrariam em depressão econômica se ela não existisse. A Croácia é a nação que mais necessita dos dólares e euros deixados pelos visitantes, já que 25% de seu PIB advém do turismo. Grécia, Portugal e Espanha não ficam atrás. Em situação normal, em apenas dois meses, 200 milhões de turistas se esparramam pela Europa, trazendo também divisas para economias mais industrializadas, como Itália, Alemanha e França. Esses países, líderes do bloco, apostam na adesão ao chamado digital green certificate (certificado digital sinal verde) para salvar o verão.
O certificado informaria se o viajante foi vacinado ou testado — ou ainda se é um recuperado da Covid-19. Com sua implementação, todas as 27 nações teriam de aderir às regras, abrindo as fronteiras para os portadores do documento. Parece cientificamente lógico, mas a ciência ainda é incapaz de dar o sinal verde para o funcionamento do passaporte, pois não há consenso quanto à transmissão do vírus por vacinados e recuperados, já que, mesmo estando imunizados, eles ainda poderiam ser vetores de contágio. Portanto, superar essa dúvida é fundamental para o sucesso do plano de contingência.
Para os turistas de fora do bloco, não haveria documento, uma vez que a União Europeia não pode legislar sobre estrangeiros e, mesmo que pudesse, a burocracia se tornaria um inibidor fatal na hora de optar por um destino. De brasileiros, por exemplo, não se exige visto de entrada, mas é preciso ter passaporte e enfrentar as inspeções alfandegárias, além de quarentenas. Segundo as agências de viagem consultadas por VEJA, é provável que cada país estabeleça as próprias regras para não europeus. Nádia Botsaris, proprietária da Kauai Turismo, diz que não venderá pacotes enquanto não houver definição: “O cliente pode até reservar diretamente com o destino, mas ninguém poderá garantir se ele conseguirá entrar no país”. Nathalia Moura, gerente da CVC, acredita também que o mais provável é que cada país defina sua estratégia. Destinos como Portugal, Espanha e França permanecem fechados para brasileiros, mas a Grécia sinaliza que abrirá as fronteiras. De qualquer forma, quanto mais um país fechar o cerco, menos turistas receberá.
Setor Turístico
Esse tipo de obstáculo já está causando problemas entre os europeus. O setor turístico da Espanha, que viu sua receita despencar 80%, está celebrando o retorno dos alemães na semana de Páscoa. Quase todos os hotéis da ilha de Maiorca estão com reservas esgotadas. Entretanto, enquanto os comerciantes soltam fogos, o turista espanhol está se perguntando por que os alemães podem vir se eles não estão autorizados a viajar para a Alemanha e nenhum outro país. As autoridades esclarecem que precisaram trancar a população para conter o contágio que explodiu depois das festas de fim de ano, quando as viagens foram flexibilizadas. Mas, por mais que a explicação faça sentido, o cidadão comum está se sentindo desrespeitado e discriminado — sentimentos com os quais o brasileiro está bem acostumado, infelizmente.
Publicado em VEJA de 31 de março de 2021, edição nº 2731