A trágica escalada dos opioides nos Estados Unidos
Em um ano, mais de 100 000 pessoas morreram de overdose, um aumento de 28,6% em relação ao período anterior
O círculo vicioso em que se revolvem a pandemia e o aumento da violência nos Estados Unidos contém um terceiro e letal elemento: o vício em opioides, na forma de potentíssimos analgésicos que são consumidos não para amenizar dores, mas pela sensação de relaxamento e prazer que provocam. Essa outra epidemia foi responsável por um trágico recorde recém-divulgado: em um ano, mais de 100 000 pessoas morreram de overdose, um aumento de 28,6% em relação ao período anterior, superando o total de óbitos provocados por armas, acidentes de carro e gripe. A alta alarmante foi registrada em 48 dos cinquenta estados e, segundo especialistas, tem relação direta com o novo coronavírus. “O isolamento e o futuro incerto impulsionam o uso de drogas”, diz Shannon Monnat, diretora do Centro Lerner para Promoção da Saúde Pública da Universidade de Syracuse. “Também ficou mais difícil para os usuários acessar os serviços de saúde e as clínicas de recuperação.”
Estabelecido na sociedade por meio do uso indiscriminado de comprimidos tarja preta, sendo o OxyContin o maior vilão, o vício em opioides escalou com a proliferação do fentanil, a substância que matou o cantor Prince em 2016. Cem vezes mais potente do que a morfina e adotado como anestésico intravenoso em cirurgias, o fentanil apareceu neste último ano em metade das mortes por overdose, combinado com cocaína e metanfetamina — uma letal evolução que levou Nova York a abrir dois locais para pessoas se injetarem sob supervisão de assistentes sociais. “Seu custo de fabricação é baixo e ele pode ser contrabandeado em pequenas quantidades”, diz Joshua Sharfstein, da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg.
A disseminação dos opioides tem provocado uma enxurrada de processos contra a indústria farmacêutica e a comunidade médica. Por divulgar o OxyContin como um analgésico com baixo risco de vício, a Purdue Pharma faliu e a família Sackler, dona da empresa, teve de pagar 4,5 bilhões de dólares. Em julho, foi a vez de a Johnson & Johnson e outras três fabricantes de medicamentos selarem um acordo de 26 bilhões de dólares para aplacar litígios. As mortes, enquanto isso, continuam crescendo.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2021, edição nº 2767