Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

A mania histórica dos franceses de ir às ruas protestar

Entra ano, sai ano, milhares de pessoas se manifestam em todo o país

Por Cecília Araújo
27 out 2010, 08h54

Os franceses estão sempre reclamando. Entra ano, sai ano, milhares de grevistas e manifestantes tomam conta das ruas de diversas cidades do país. Desta vez, reclamam da reforma da previdência, proposta pelo presidente Nicolas Sarkozy e considerada urgente por especialistas. Apesar dos protestos, o projeto de lei passou nesta quarta-feira pela última fase de aprovação formal, na Assembleia Nacional (câmara baixa), antes de a nova legislação ser promulgada por Sarkozy em meados de novembro.

No auge das paralisações contra essa reforma da aposentadoria, na semana passada, milhões de pessoas foram às ruas e 12 refinarias pararam de funcionar, provocando um caos no país. O governo precisou ordenar que a polícia rompesse as barreiras dos manifestantes em depósitos de combustível, além de buscar decisões legais para forçar parte do pessoal em greve a voltar ao trabalho.

Mesmo com um declínio dos protestos e uma volta gradual à normalidade, os líderes sindicais ainda não entregaram os pontos e negam derrota na luta. Alguns sindicatos, como a Confederação Francesa de Trabalhadores (CFDT), optaram por retomar o diálogo com o governo a fim de negociar outros aspectos da política social e trabalhista.

Já para a Confederação Geral do Trabalho (CGT), maior central sindical, os protestos continuam. Foram convocadas uma nova jornada de greve para quinta-feira e outras manifestações para o dia 6 de novembro.

Histórico – Na França, o povo nas ruas já transformou os rumos da história. A Revolução Francesa – movimento que marcou o fim do Antigo Regime na França no século XVIII – e a revolta estudantil em maio de 1968 – conjunto de manifestações que, além de revolucionar os costumes, enfraqueceu o governo do general Charles de Gaulle, levando-o à queda um ano depois – são exemplos-chave.

Continua após a publicidade

Em anos recentes, contudo, em vez de reivindicar transformações, os franceses querem manter privilégios adquiridos no passado. Enfrentam o mesmo estado que lhes provê acesso à saúde, educação e benefícios sociais. Movimentos sindicais, estudantis e de oposição ao governo geralmente estão por trás dos protestos.

Motivos – A maior parte das manifestações tem como estopim a insatisfação diante de projetos de reformas e revisões de leis. As mudanças são consideradas por muitos franceses uma “violação” de direitos conquistados a duras penas. Exemplos disso são as manifestações contra o Contrato de Primeiro Emprego (CPE), proposto em 2006 pelo então primeiro-ministro Dominique de Villepin; contra a reforma das aposentadorias, apresentada em 2003 pelo então primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin; ou contra a reforma da Segurança Social, proposta em 1995 pelo então primeiro-ministro Alain Juppé.

Nos últimos dez anos, as mobilizações com mais de 1 milhão de pessoas ocorreram praticamente em todos os anos. O número médio de participantes em cada uma delas tem sido de 3 milhões, de acordo com os sindicatos (embora seja três vezes menor, segundo o governo).

De tão comuns, as revoltas se banalizaram na imprensa internacional, e são vistas como um entrave na rotina de franceses e turistas. “Protestar é uma mania nacional que faz parte da cultura política do país”, diz o professor Estevão Resende Martins, diretor do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília (UnB).

Continua após a publicidade
Milhares de pessoas protestam contra os projetos de privatização do governo, em Marselha, em 2005
Milhares de pessoas protestam contra os projetos de privatização do governo, em Marselha, em 2005 (VEJA)

Participação – Cada um dos grupos organizados que vão às ruas tem interesses particulares. Partidos de oposição usam as manifestações para fazer campanha fora das eleições. Estudantes se unem às passeatas porque têm medo do futuro e do destino da França. E os sindicatos, que têm grande força no país, mobilizam principalmente funcionários públicos, que dificilmente perdem seus empregos.

Nem sempre as forças sindicais entram em acordo. “Muitas vezes, as cinco grandes centrais sindicais do país estão divididas. Neste momento estão juntas contra a reforma previdenciária, o que dá muito mais fôlego à militância”, diz Giorgio Schutte, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Europa – Segundo Schutte, o nível de sindicalização também é muito alto na Alemanha, na Itália e na Bélgica, mas a capacidade de mobilização na França é muito maior. “Existe todo um simbolismo por trás das manifestações, devido ao impacto que elas já tiveram na história do país, desde a Revolução Francesa. Ir às ruas se tornou a principal forma de se expressar”, diz.

Continua após a publicidade

Ele explica que na Alemanha, por exemplo, os movimentos sindicais se expressam de forma mais institucional, em greves com menor visibilidade e alcance. Já na França, há uma tradição de confronto, de bloquear serviços e assim provocar impacto no cotidiano das pessoas.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.