100 dias de Trump: tarifaço gangorra, queda de apoio e um futuro imprevisível
Em meio a controvérsias, ele tem o pior índice de popularidade para o período em pelo menos oitenta anos – 44%, contra 56% que reprovam sua gestão

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, completou 100 dias de governo nesta terça-feira, 29, com um país imerso em toda sorte de polêmicas, de diretos de pessoas trans à imposição de tarifas em série a nações mundo afora – incluindo uma ilha onde só vivem pinguins –, apenas para serem adiadas, gerando profunda incerteza no mercado. Em meio às controvérsias, o republicano chega à marca com o pior índice de popularidade para o período em pelo menos oitenta anos – 44%, contra 56% que reprovam sua gestão.
Trump é superado apenas por ele mesmo, já que arrematou apenas 41% de aprovação em 2017. O político de 78 anos conseguiu dois feitos inéditos: foi o primeiro criminoso condenado a ser eleito presidente e apenas o segundo a conquistar dois mandatos não consecutivos. Agora, na segunda vez na Casa Branca, sua taxa de apoio nos primeiros 100 dias está mais baixa que a do antecessor e rival, Joe Biden.
Veja abaixo como foram os primeiros meses de Trump na Presidência dos Estados Unidos.
Tarifaço
Ao retornar à Casa Branca em 20 de janeiro, Trump prometeu os “primeiros 100 dias mais extraordinários de qualquer presidência na história americana”. Há quem diga que “extraordinário” não seria o melhor adjetivo, mas não há dúvidas de que tenha sido marcante. O republicano deu o pontapé inicial para uma guerra comercial com a China, sem previsão de fim e com potenciais desastrosos para a economia global. Além do gigante asiático, anunciou tarifas para a União Europeia (UE) e uma ampla gama de países, incluindo seus principais parceiros, Canadá e México, e também para o Brasil.
Produtos chineses, os mais afetados, viram as taxas de importação americanas escalarem 145% desde o início do governo. O resto dos países do mundo são alvo de uma alíquota base de 10%, depois de Trump voltar atrás em impostos mais altos, num efeito gangorra que vem afetando negativamente o dólar e o mercado de ações, além de transformar os Estados Unidos em um parceiro comercial menos confiável.
A justificativa, segundo Trump, seria retaliar e impor taxas “recíprocas” a Estados que supostamente se beneficiavam da economia americana sem proporcionar nada em troca. Ainda que tenham dado preferências às negociações com Washington, os países e o bloco europeu não descartaram responder à altura, aumentando o tom com o governo americano, que não mostra sinais de que planeja repensar a estratégia. Afinal, ao contrário do primeiro mandato, o presidente é incentivado por aliados pouco ortodoxos e, sobretudo, absolutamente fiéis.
Imigração
Ele também ampliou o cerco contra a imigração, um dos seus principais motes de campanha. Na corrida eleitoral, Trump deu voz a uma tosca fake news, mas que encontrou eco entre os seus seguidores: a de que imigrantes estavam comendo animais de estimação em Ohio, embora nunca tenha apresentado provas e tenha sido confrontado por repórteres.
Além de deportar milhares de imigrantes ilegais, Trump foi além e enviou, por engano, o salvadorenho Kilmar Abrego García ao Centro de Confinamento Antiterrorismo (CECOT), prisão de segurança máxima em El Salvador, em 15 de março. O homem de 29 anos morava nos Estados Unidos sob status legal desde 2019. A administração Trump reconheceu que se tratava de um erro, mas se esquivou da responsabilidade. Mais do que isso, desafiou uma ordem expressa pela Suprema Corte para que facilitasse o retorno de García. O episódio deixou o país à beira de uma crise constitucional, e as instituições democráticas em situação periclitante – passar por cima da Justiça, alertam especialistas, é o primeiro passo do modus operandi de autocratas modernos.
Tribunais e influência de Musk
Desrespeitar tribunais virou rotina em Washington, uma vez que Trump alega ter sido perseguido, sem apresentar provas, pela Justiça dos Estados Unidos. Antes do caso García, aviões com imigrantes rumo a El Salvador já haviam sido questionados, com o juiz James Boasberg tendo instado os advogados do governo a retornarem as aeronaves por preocupações de que as deportações não haviam sido legais. O pedido de Boasberg não foi acatado. O desdém, os insultos e o descumprimento de ordens têm deixado os EUA à beira de uma crise constitucional.
As batalhas no tribunais também englobaram os esforços do magnata Elon Musk, um dos principais conselheiros de Trump, para desinchar a máquina pública e impor cortes de gastos austeros. À frente do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês), ele deu cabo à demissão de milhares e milhares de funcionários de agências federais. Segundo Musk, os servidores desligados apresentavam baixo desempenho e poderiam ser absorvidos pela iniciativa privada. A liderança na força-tarefa atraiu problemas para o empresário, que viu o lucro dos seus negócios despencar em meio à retaliação ao redor do mundo, principalmente entre cidadãos europeus.
Novo imperialismo
Musk também virou rosto de um dos mais ambiciosos planos do governo: colonizar Marte. Mas outros países também viraram alvo do novo imperialismo americano. Groenlândia, Canal do Panamá, Golfo do México (ou da América, como o renomeou Trump), Canadá e Faixa de Gaza: nenhum deles conseguiu escapar de promessas, ou ameaças, do republicano sobre anexar os territórios aos Estados Unidos.
Em um vídeo bizarro, publicado pelo líder americano nas redes sociais, o enclave palestino foi transformado na “Riviera do Oriente Médio”. Nos planos dos Estados Unidos, a população de 2 milhões de habitantes de Gaza não teria direito de retornar às suas casas após o fim da guerra entre Israel e Hamas.
Guerra na Ucrânia
O conflito no Leste Europeu também entrou no centro das prioridades de Trump, que prometeu, em campanha, encerrar em “24 horas” (o que, obviamente não aconteceu). Sem colocar ponto final nas hostilidades, em meio às negociações, a administração isolou os países europeus e com isso minou a parceria transatlântica EUA-Europa, um dos sustentáculos da ordem mundial pós-guerra baseada em valores.
Na contramão de Biden, o republicano também reforçou os laços com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e destinou pesadas críticas ao seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, por “dificultar” um acordo. As tensões atingiram o pico em fevereiro, quando uma reunião entre Trump e Zelensky no Salão Oval terminou em bate-boca e humilhação para o presidente da Ucrânia. Na ocasião, o americano o acusou de flertar com a Terceira Guerra Mundial, de ser ingrato e desrespeitoso. Por outro lado, a Casa Branca impulsionou as negociações de paz com Moscou – não raro excluindo a participação da delegação ucraniana.
Diversidade
Pessoas trans serão proibidas de ingressar no Exército dos Estados Unidos, e as que já integram as forças serão removidas a menos que recebam alguma forma de isenção. Em janeiro, Trump assinou um decreto que especificamente mirava militares transgênero, afirmando que um homem que se identifica como mulher “não era consistente com a humildade e a abnegação exigidas de um membro do serviço”. Ele também eliminou programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) do Exército americano e outras entidades federais.
O Pentágono já havia declarado, no início deste mês, que deixará de realizar e facilitar procedimentos de afirmação de gênero. Para justificar a decisão, o documento disse que é “política do governo Estados Unidos estabelecer altos padrões de prontidão, letalidade, coesão, honestidade, humildade, uniformidade e integridade dos militares”.
Ao mesmo tempo, o secretário da Saúde dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy Jr., anunciou que o governo adotará “um conjunto de medidas baseadas em sexo” para oferecer termos precisos, como “masculino”, “feminino”, “mulher” e “homem” ao público e a agências federais. A declaração determina que homem é “uma pessoa do sexo caracterizado por um sistema reprodutivo com a função biológica de produzir esperma” e mulher é “uma pessoa do sexo caracterizado por um sistema reprodutivo com a função biológica de produzir óvulos”.
No primeiro dia do mandato, Trump assinou um decreto afirmando que só existem dois sexos: masculino e feminino. E, com base nessa diretriz, milhares de pessoas têm relatado erro de identificação em documentos oficiais, como a atriz trans Hunter Schafer.
Universidades
Trump também bateu de frente com universidades, exigindo que aderissem a uma série de condições para que não perdessem investimentos. A Casa Branca exigiu a redução do poder de alunos e professores sobre assuntos internos; a denúncia de alunos estrangeiros que violassem códigos de conduta; a contratação de funcionários externos para uma “diversidade de pontos de vista”. Columbia concordou, mas Harvard decidiu levar o governo aos tribunais, afirmando que as mudanças instadas levariam a demandas “sem precedentes”.
“Nenhum governo — independentemente do partido no poder — deve ditar o que as universidades privadas podem ensinar, quem elas podem admitir e contratar, e quais áreas de estudo e pesquisa elas podem seguir”, disse o presidente de Harvard, Alan Garber.
No mês passado, o governo Trump informou que estava analisando cerca de US$ 256 milhões (por volta de R$ 1,4 bilhões) em contratos federais e outros US$ 8,7 bilhões (mais de R$ 50 bilhões) em “compromissos de doações plurianuais” com a Universidade de Harvard, alegando que não fez o suficiente para combater casos de antissemitismo. A administração já congelou US$ 2,2 bilhões destinados a bolsas acadêmicas.
Escândalo com jornalista
Entre os principais escândalos, está o compartilhamento de informações ultrassecretas com um repórter. O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, divulgou planos militares secretos em um grupo de bate-papo que incluía um jornalista, numa grave falha de segurança. Em março, o editor-chefe da revista The Atlantic, Jeffrey Goldberg, foi adicionado por engano pelo conselheiro de Segurança Nacional, Michael Waltz, à conversa no aplicativo de mensagens Signal.
O jornal americano The New York Times definiu o episódio como “uma violação extraordinária da inteligência de segurança nacional americana”, uma vez que, além da inclusão do jornalista, o bate-papo aconteceu fora dos canais seguros do governo. O grupo também incluía o vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, e o secretário de Estado, Marco Rubio. Em 14 de março, Hegseth compartilhou “detalhes operacionais dos próximos ataques ao Iêmen, incluindo informações sobre alvos, armas que os EUA estariam implantando e sequência de ataques”, de acordo com Goldberg.
O jornalista advertiu que “as informações, se tivessem sido lidas por um adversário dos Estados Unidos, poderiam ter sido usadas para prejudicar militares e funcionários de inteligência americanos, particularmente no Oriente Médio”.
Não é possível, claro, bater o martelo sobre como serão os próximos 100 dias de Trump na cadeira mais influente do mundo. Mas é certo que o horizonte será agitado, imprevisível e, sobretudo, recheado de polêmicas.