Contra preconceito estrutural, novo livro propõe ‘letramento anti-antissemita’
Em 'Antissemitismo Estrutural', Gustavo Binenbojm, professor titular da Uerj e mestre por Yale, investiga a resiliência histórica do ódio aos judeus
Em Antissemitismo Estrutural (Selo História Real/ Intrínseca), Gustavo Binenbojm, professor titular da Uerj e mestre por Yale, oferece uma análise que equilibra rigor acadêmico e urgência social. A obra investiga a resiliência histórica do ódio aos judeus, demonstrando como esse preconceito se adaptou aos tempos: do viés religioso e racial até se manifestar, contemporaneamente, em certas vertentes do discurso antissionista.
Lançado em meio à polarização global intensificada pelo conflito em Gaza, o livro enfrenta o difícil desafio de demarcar o limite entre a crítica legítima às ações do Estado de Israel e a reprodução de estigmas ancestrais. Binenbojm não propõe respostas simplistas para uma realidade complexa, mas defende um “letramento” capaz de identificar quando o debate político cruza a linha da intolerância.
Qual a principal distinção entre antissemitismo estrutural e racismo estrutural, considerando a questão da invisibilidade da identidade judaica? O racismo contra os negros é estrutural no sentido de que ele não é decorrente de comportamentos individuais isolados, nem fruto apenas de normas institucionais, estatais ou privadas. Ele é um componente de relações socioeconômicas que refletem uma dinâmica hierárquica de subordinação e exclusão. Pessoas são racistas porque a sociedade é racista.
E o antissemitismo? Já o antissemitismo é insidioso, velado, sutil. O fato de os judeus não constituírem uma etnia – ou serem constituídos por diversas etnias – lhes permite esconder a própria identidade, tornando-se invisíveis. É como se essa hostilidade arraigada na sociedade pudesse ser contornada. A assimilação não é uma escolha, nem um processo natural. É uma forma de morte em vida. Cruelmente, o preconceito religioso, racial ou político (hoje travestido num antissionismo odioso) continua lá. A qualquer momento ele pode aflorar, como uma epidemia de ódio. É o que se vê, nos dias de hoje, com o ressurgimento do antissemitismo disfarçado de antissionismo. Enquanto os racistas imputam aos negros um defeito de cor, os antissemitas imputam aos judeus um defeito de alma. Racismo e antissemitismo são patologias sociais estruturais, incomparáveis em termos de gravidade, mas que revelam um inconsciente coletivo comum que rejeita a diferença e exclui o diferente.
Como o letramento anti-antissemita pode alcançar o inconsciente coletivo da sociedade, onde, segundo o livro, o ódio está instalado? Embora o antissemitismo seja estrutural, não creio em determinismo histórico. A liberdade consiste, justamente, em resistir aos condicionamentos sociais e estímulos da natureza. O homem é livre quando capaz de dizer não. A educação anti-antissemita procura desvelar as complexidades do fenômeno para que as pessoas possam compreendê-lo, resisitir a ele e, se possível, desconstruí-lo. Como diria Carl Jung, enquanto você desconhecer o inconsciente, você continuará a chamá-lo de destino.
De que forma o “duplo standard” (critério duplo) é o sintoma mais claro do antissemitismo estrutural na esfera da geopolítica? O duplo critério aparece como um epifenômeno. Ele pode ser culposo ou doloso. Por culpa, o sujeito acha alguma coisa sem ter procurado antes. Aí, por uma imperícia na apuração, malversa os fatos e acaba repetindo palavras de ordem como se fossem verdades. Por dolo eventual, assume o risco de afirmações não confirmadas, apenas para ter o deleite emocional de acusar os judeus de algo moralmente condenável, faturando um pertencimento ideológico. Finalmente, quando há dolo direto, o antissemita conhece bem tanto as falácias de falsas equivalências e teorias conspiratórias, mas se engaja numa campanha difamatória apenas para ofender e disseminar ódio.
Quais são os três tipos de críticas ao Estado de Israel que o autor considera inadmissíveis, pois revelam um viés antissemita?
Primeiro: julgar Israel com uma métrica de exigência que não é aplicada a qualquer outro Estado. Trata-se de uma versão do bode expiatório personificado num Estado nacional. Não se exige o mesmo nível de acurácia balística, de estratégia militar e de atuação proporcional, com os mesmos critérios de outros países. Países como Sudão, Síria, Rússia, Mianmar, entre outros, produziram resultados muito mais severos sobre a população civil e não recebem a mesma atenção e julgamento tão severo quanto Israel. As narrativas são seletivas, as métricas são diferenciadas e os julgamentos acabam distorcidos.
O que seria o segundo tipo de crítica? Segundo: qualquer ação de Israel provoca uma responsabilização do povo israelense e dos judeus em Diáspora. Nem o povo israelense equivale aos seus governantes, nem muito menos a comunidade judaica em Diáspora pode sofrer consequências por isso. Não há características intrínsecas aos judeus às quais possam ser atribuídos erros ou defeitos de Israel. Israel pode errar e ser criticado. Não é melhor nem pior que qualquer outro Estado.
E, por fim, o terceiro, qual seria? Terceiro: só Israel tem a sua legitimidade questionada em cada guerra na região. Nenhum país ao reagir a um ataque terrorista sofre esse tipo de questionamento. A guerra reabriu a Caixa de Pandora da legitimidade de criação do próprio Estado de Israel. Isso não ocorre com os países, criados no mesmo período da descolonização do Norte da África e Oriente Médio. O Paquistão, por exemplo, foi criado para atender ao direito de autodeterminação dos muçulmanos que viviam na antiga colônia inglesa da Índia. Todos os países da Liga árabe foram favoráveis. Mas para a criação de Israel, que ocupa ¼ de 1% do Oriente Médio, e atende ao direito de autodeterminação do povo judeu, isso não mereceu o mesmo reconhecimento.
Para além das instituições de ensino, quais ambientes são cruciais para a difusão efetiva do letramento anti-antissemita? Imprensa, código de compliance das empresas e código de conduta do setor público. Importância fundamental deve ser dada ao dialogo interreligioso. Por fim, para os antissemitas dolosos, é fundamental haver a aplicação da lei penal. No Brasil, o antissemitismo é crime de racismo, e as ofensas antissemitas são uma modalidade de injúria racial.
Por que, no combate a essa intolerância, “não basta não ser antissemita”, sendo necessário que todos se tornem “anti-antissemitas”? Porque a injustiça contra alguém configura uma injustiça contra todas as pessoas. O mal que começa com os judeus nunca fica só neles. A compreensão das pessoas de que os judeus representam uma ameaça global ganhou a narrativa, mesmo sendo apenas 0,19% da população mundial. Só o engajamento daqueles que de alguma forma estejam abertos e sensíveis ao problema abrirá caminho para uma nova dinâmica social. Não sou otimista tolo, nem pessimista chato. Como diria Ariano Suassuna, sou um realista esperançoso. Educar é a nossa esperança.
MPF denuncia caminhoneiros que bloquearam principal rodovia do país para pedir golpe
Regina Duarte derruba audiência da Globo com reprise de ‘Rainha da Sucata’
O que diz a primeira pesquisa presidencial após a prisão de Bolsonaro
Reação do governo Trump à prisão de Bolsonaro acende alerta no mercado
A reação de Damares à ordem para Bolsonaro cumprir a pena na sede da PF







