Sem um título de Copa do Mundo no currículo, Neymar diminuirá de tamanho
Em seu terceiro mundial, o camisa 10 do PSG voltou a fracassar – por ora sobra apenas o 'caos perfeito'
LUSAIL – As Copas são cruéis – constroem e destroem a história de grandes jogadores. A seleção de 1982 – a magistral equipe montada por Telê Santana –, com Sócrates, Zico, Falcão e cia., ainda hoje é lembrada com emoção, mas também com melancolia, por não ter levantado o caneco. O fenomenal Zico, aliás, um dos grandes de todos os tempos, ficou injustamente marcado pelo pênalti perdido contra a França, nas quartas de final de 1986, ainda no tempo regulamentar. Sócrates também perderia uma das penalidades na cobrança de tiros livres. Na Itália, o genial Roberto Baggio é mais lembrado pela bola que pôs nos céus de Los Angeles, em 1994, na final, do que por suas qualidades. É cruel. Mas em plena Copa do Mundo não há como deixar de usar o resultado como régua – até porque a medida do Mundial é sempre usado nas glórias.
Há jogadores medíocres que foram campeões do mundo. Outros, espetaculares – como a turma de 1982, é bom insistir –, saíram de mãos abanando. E Neymar, o melhor jogador da seleção brasileira da atual geração , sobre o qual estavam todas as luzes, que ele mesmo faz questão de acender, de que tamanho sai do inverno de 2022 no deserto?
Bem, Neymar tinha um desafio no Catar. Era tudo ou nada: vencer a Copa ou entrar nas enciclopédias do esporte muito mais pelo que alimentou fora de campo do que pelas taças que ergueu com a canarinho.
Foi o terceiro mundial de craque que nasceu para ser Pelé e não chegou lá. Em 2014, covardemente atropelado pelo colombiano Zuñiga, deixou o torneio – e escapou da vergonha do 7 a 1. Em 2018, ficou marcado muito mais por rolar no gramado do que pelo futebol jogado. Foi ridicularizado. Agora em 2022, tinha a chance de subir ao panteão onde estão Romário, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho – com os quais, evidentemente, poderia ser comparado. No fim do primeiro tempo da prorrogação contra a Croácia, craque que é – e sem fugir do jogo – marcou o gol que salvaria o Brasil. O empate, contudo, adiou as ilusões que os pênaltis matariam. Neymar nem mesmo pôde bater o seu, que seria o último.
O camisa 10 saiu chorando de campo. Perdeu a chance de fazer história – e, aos 30 anos, talvez não dispute outra Copa do Mundo. É futebol, não é a vida inteira, mas ele mesmo sempre fez questão de pôr todas as fichas na Copa. Era o rei-sol. Chegou até a prometer comemorar um gol em homenagem a Jair Bolsonaro, candidato derrotado à reeleição. Fracassou, embora na noite catari de sexta-feira estivesse a um fio da exaltação.
Cabe, enfim, a indagação inevitável: em que andar da história do futebol brasileiro ele poderá ser colocado? Obviamente, não no dos campeões inigualáveis, como Pelé, Garrincha, Didi etc., e também não ao lado de Romário, Ronaldo ou Ronaldinho Gaúcho. Estaria então de mãos dadas com a geração de Sócrates, Falcão, Zico e cia.? Não, de modo algum. Eles eram geniais também fora do gramado. Neymar construiu sua carreira pendurada no cotidiano sem as chuteiras, atrelado à fama e ao marketing, apesar de momentos brilhantes pelo Santos, pelo Barcelona e pelo PSG – mas muito pouco pela seleção. Seu gol mais importante foi (ou seria) o dessa noite triste. Sim, ele igualou Pelé em número de gols pela amarelinha (77), mas é estatística que pouco serve, agora.
Competitivo, o que é bom, ele muito provavelmente fará tudo para estar na Copa de 2026, e enfim ter a derradeira chance, impossível não é. Mas falta muito chão. Por enquanto, sobrou apenas o “caos perfeito”, para tomar emprestado o título da série chapa-branca que pode ser vista no Netflix. O legado de Neymar, por ora, é pequeno.