Pelé x Messi nos Estados Unidos: o que mudou no futebol do país?
Quase 50 anos após a ida do Rei ao New York Cosmos, liga norte-americana ganhou estrutura maior, mas ainda busca reconhecimento
Era 1975, quando Pelé resolveu deixar de lado sua aposentadoria do futebol para participar de um novo projeto nos Estados Unidos. À época já tricampeão da Copa do Mundo, o Rei chegou ao New York Cosmos para jogar futebol com a tradicional bola redonda, com o desafio de popularizar o esporte na terra da bola oval. E em condições de amadorismo: sua estreia foi contra o Dallas Tornado, em um estádio caindo aos pedaços, sob os viadutos de uma estrada e com o campo pintado de verde, sem grama, para disfarçar os buracos. A realidade contrasta com o que encontrou Lionel Messi, debutante neste ano na Major League Soccer e camisa 10 cheio de pompa no estrelado Inter Miami, administrado por David Beckham.
Recém-campeão mundial com protagonismo pela Argentina, e depois de ganhar tudo especialmente pelo Barcelona na Europa, Messi foi na contramão do que fizeram a maior parte de seus colegas que deixaram o futebol do Velho Continente. Em vez de seguir o caminho do ouro, na Arábia Saudita, decidiu ser a estrela de um plano audacioso, que pretende enfim popularizar o esporte no país. E apesar de ter a mesma missão que Pelé teve há quase 50 anos, o argentino larga com muito mais investimento, tecnologia, estrutura e apelo popular.
Na vez de Pelé, foi preciso começar do zero, quase que literalmente. O futebol nos Estados Unidos era repleto de times semiprofissionais, formados por trabalhadores latino-americanos, estudantes universitários e europeus que atuavam na construção civil. Sem o potencial amplificador da internet, a chegada do Rei ao país também não teve o mesmo impacto do que acontece hoje, em um mundo globalizado.
Ainda assim, o movimento fez a diferença: cresceu o interesse do público pelo futebol, e novas estrelas foram atraídas para a liga, como Franz Beckenbauer, Carlos Alberto Torres, Johan Cruyff, Gordon Banks e Bobby Moore. Foram dois anos de avanços, embora após o fim da trajetória de Pelé no esporte, em 1977, o ritmo tenha se perdido. A liga voltou a perder força e o Cosmos, assim como outros clubes que disputavam na época, já não estão mais ativos.
Agora, a realidade é um pouco diferente. Nos últimos anos, a Major League Soccer tem recebido mais investimentos, os clubes têm crescido e sua estrutura, também. Já não causa mais tanta estranheza ver grandes craques trocarem ligas europeias pelo futebol norte-americano, no fim da carreira: foi assim com Thierry Henry, Ibrahimovic, Pirlo, Kaká, Beckham e, agora, com Messi. A aposta no que pode contribuir o argentino, no entanto, é maior, e no seu time jogam ativos mais potentes: o anúncio oficial de sua chegada ao Inter Miami virou o assunto mais comentado nas redes sociais e fez o clube pular de um milhão para mais de 15 milhões de seguidores no Instagram. Esse número faz do Inter Miami a quarta franquia norte-americana com mais seguidores, atrás apenas de times da NBA — Golden State, Lakers e Cavaliers. Fora o reforço da Apple TV, dona dos direitos de transmissão da liga, que ganhou cerca de 300 mil novos assinantes e ajudou a massificar ainda mais a imagem da estrela, transmitindo para todo o mundo sua apresentação.
— Os Estados Unidos entrarão em uma década dourada para o futebol, e a estrutura está sendo muito bem montada para isso. O país receberá a Copa América-2024, a Copa do Mundo de Clubes-2025 e a Copa do Mundo-2026. Além disso, está na disputa para sediar a Copa do Mundo Feminina-2027. Todo o trabalho que já vem sendo desenvolvido para esse ciclo vai trazer a visibilidade e a estabilidade necessárias para que o futebol se consolide como um dos principais esportes nos Estados Unidos — analisa Luiz Mello, especialista em gestão esportiva e consultor estratégico da 777 Partners.
Mello lembra também que, com o aumento do espectadores, crescem também os patrocinadores. No caso do Inter Miami, são agora aproximadamente 40 parceiros, que permitem o licenciamento de uma série de produtos com o selo ‘Messi 10’. Segundo estimativas do clube, devem ser vendidas 500 mil peças em todos os continentes somente nesta temporada, com um faturamento que chegará aos 100 milhões de dólares (o equivalente a R$ 485 milhões). Mas apesar do potencial, ainda será preciso batalhar para fidelizar um público assíduo nos estádios, mesmo após a aposentadoria do argentino. Em sua apresentação, no DRV PNK Stadium, na Flórida, eram 18 mil torcedores presentes, número próximo da média da liga nos últimos anos, que é de cerca de 22 mil pessoas por partida — embora, em jogos mais importantes, a torcida compareça em maior número.
— Evidentemente que os investidores se baseiam em pesquisas de comportamento para injetar seu dinheiro. O crescimento do soccer nos Estados Unidos é consistente frente a outras ligas. A MLS perde somente para o basquete e o futebol americano no número de praticantes, mas já está chegando perto do beisebol. Outro dado muito importante é que os jovens têm sido atraídos pelo soccer. Cerca de 11% da população com idades entre 18 e 29 anos apontam o soccer como esporte favorito, atrás apenas do basquete e do futebol americano. A tendência é que a MLS faça esse número crescer ainda mais — conclui Mello.