O último tango em Paris
Rafael Nadal e Novak Djokovic fizeram em Roland Garros partida histórica – pena o espanhol ter dado adeus às simples na Olimpíada, e talvez ao saibro francês
Alguém de muito bom gosto, um “sobrenatural de almeida” ao avesso do agourento personagem de Nelson Rodrigues, deu um jeito de fazer calhar na segunda rodada do tênis na Olimpíada de Paris uma partida entre dois dos maiores jogadores da história: o espanhol Rafael Nadal e o sérvio Novak Djokovic. É chavão tratar uma partida dessa dimensão como uma final antecipada – mas que se dane o chavão. O ambiente na mítica quadra central, a Philippe-Chatrier, onde Guga desenhou um coração de terra, remetia ao Coliseu romano em tempos bárbaros. Havia uma mistura de expectativa pela grandeza do espetáculo com a torcida por um ou outro – em evidente preferência para o espanhol.
Djokovic, de 37 anos, venceu com alguma facilidade, por 2 a 0, em 6/1 e 6/4, com segundo set pegado. Nadal, de 38 anos, era o rei de Roland Garros a muito provavelmente se despedir dos súditos, em calorão de 30 graus. O jogo – eliminatório, mas longe ainda da briga por uma medalha – ficará para sempre marcado na história olímpica. O último tango em Paris, a despedida de uma das mais extraordinárias rivalidades de nosso século. O silêncio cerimonioso antes dos saques, comum em quadras de tênis, parecia ainda mais quieto diante de monstros sagrados. Os gemidos de Nadal a cada movimento soavam como esforço de um atleta perto do fim de carreira, empurrando os limites. Um touro cansado. Djokovic tem mais gás, ainda.
Mesmo para quem não acompanha o esporte, a junção dos dois nomes – Nadal e Djokovic, Djokovic e Nadal – ecoa esplendor. A estatística ajuda a amarrar o fio da bela aventura. Foi o jogo de número 60 entre eles, e não há desafio mais frequente no topo do ranking. Djokovic tem 31 vitórias, Nadal 29. Antes da partida de hoje, eles tinham se enfrentado dez vezes no saibro de Roland Garros. Nadal vencera oito vezes, contra duas de Djokovic, que agora chegou à terceira. A dominância espanhola também se reflete nos títulos do Slam francês – 14 troféus, contra três do sérvio. Nadal venceu os seis primeiros duelos entre eles em Roland Garros, entre 2006 e 2014. A primeira vitória de Djokovic veio em 2015, nas quartas, e a segunda em 2021, na semifinal.
Mas às favas os números – o que ocorreu em Roland Garros marcará os Jogos de 2024, e por muito tempo será lembrado como a cerimônia de adeus, ou quase, de personagens autorizados a olhar o mundo de uma torre de marfim. Pena um deles ter saído do torneio. Nadal foi ouro na Olimpíada de Pequim, em 2008. Djokovic busca o primeiro lugar no pódio. Nas palavras de Paul, o melancólico personagem de Marlon Brando em O Último Tango em Paris: “A gente segura, segura. Chega uma hora que não dá mais”. Ou, de acordo com a frase do aviador Roland Garros que dá nome ao centro esportivo estampada em francês e inglês nas laterais do terrão: “A vitória pertence ao mais tenaz”. Mas ao vencedor, as batatas, porque os aplausos de minutos para Nadal ecoarão para sempre como homenagem. Homenagem, aliás, já esculpida em estátua dentro das instalações de Roland Garros. Não há nenhum atleta em Paris, e possivelmente nunca houve, em olimpíada alguma, a disputar um torneio com uma estátua a celebrá-lo no recinto do torneio. Em tempo: ele segue na briga em duplas, com Carlos Alcaraz, seu herdeiro natural.