O que está por trás da aposta da NFL no Brasil
Iniciativa impulsiona e ilumina o crescimento do número de eventos esportivos de outros países que desembarcam por aqui com sucesso

Talvez soe um tanto exagerado, mas vá lá: o Brasil não é mais só o “país do futebol”, e não apenas porque a seleção canarinho não ganha uma Copa do Mundo desde 2002. É também do vôlei, do basquete, do tênis, do surfe, da ginástica artística e de uma variedade de esportes — olímpicos ou não. Na esteira desse diversificado interesse, há agora uma prática inesperada, também celebrada: o futebol americano. Não por acaso, a National Football League (NFL), a liga americana, escolheu São Paulo como primeira capital da América do Sul a receber um jogo da federação, em 2024, quando 47 000 pessoas viram, na Neo Química Arena, em Itaquera, a partida entre Philadelphia Eagles — campeão da temporada passada — e Green Bay Packers. Devido ao sucesso, a capital paulista se prepara para receber, na sexta-feira 5, uma outra disputa do campeonato, desta vez entre o Kansas City Chiefs, time do famoso tight end Travis Kelce, noivo de Taylor Swift (há rumores de que ela possa vir, mas são meros rumores), e o Los Angeles Chargers. Mais que um simples confronto da temporada regular, o evento simboliza a consolidação estratégica do país como destino preferencial para as federações esportivas mais poderosas do mundo.
Não foi uma aposta aleatória da NFL. A dimensão do mercado brasileiro fez toda a diferença: são 36 milhões de torcedores por aqui, em contagem medida pelas redes sociais, atrás apenas do México em âmbito internacional. Isso explica em parte o sucesso da partida inaugural da temporada passada em solo sul-americano, que gerou um impacto econômico direto de 62 milhões de dólares e 13 000 empregos. “Agora estamos em uma posição muito melhor, quase triplicando as iniciativas e atividades para a semana do evento”, disse a VEJA Luis Martínez, diretor-geral da liga no Brasil.

Além de expandir a experiência dos torcedores com a NFL Experience Rio — um evento gratuito para fãs —, a entidade americana anunciou acordos de transmissão históricos. O contrato com o Grupo Globo contempla cobertura em todas as plataformas, incluindo pré-temporada, temporada regular, playoffs e o Super Bowl. Além disso, pela primeira vez, um jogo de futebol americano será transmitido gratuitamente pelo YouTube, por meio da CazéTV. “O grande trunfo da nossa plataforma é que ela une fãs em todo o mundo”, diz Angela Courtin, vice-presidente de marketing do YouTube.
O movimento, convém destacar, transcende o esporte da bola oval. São Paulo e outras cidades brasileiras vêm se firmando também como palco de provas de automóveis e motocicletas. A capital paulista é a única cidade do mundo a sediar as três principais categorias da FIA: Fórmula 1, Fórmula E e o WEC — Endurance Championship. No que diz respeito à motovelocidade, o Brasil terá o retorno da MotoGP ao seu calendário a partir de 2026, após 22 anos de ausência. A etapa será realizada no Autódromo Internacional Ayrton Senna, em Goiânia, e está marcada para o período de 20 a 22 de março de 2026, como a segunda corrida da temporada mundial.

O horizonte de ambições é ainda mais vasto. O São Paulo Open de tênis feminino (WTA), agendado para setembro, também esgotou seus ingressos, comprovando o apelo e a diversidade da demanda do público local. “Temos todo o interesse em um dia receber a NBA”, diz Gustavo Pires, da SPTuris, empresa municipal de turismo. Jogos de pré-temporada e a temporada já são uma realidade em países como China, Japão, Reino Unido e México. O UFC, que já realizou eventos no Brasil em 2023, mantém “constante contato” para novas edições. Até mesmo o Barcelona está em tratativas para jogos de pré-temporada entre 2026 e 2028. “As marcas e eventos também têm interesse em estar em São Paulo, isso facilita muito nosso trabalho”, completa Pires.
O investimento maciço em eventos internacionais gera muito mais do que ganhos econômicos imediatos: é caminho para uma transformação cultural mais profunda, de interesse pelo que é diferente — e atraente, é claro. “O crescimento global é uma prioridade para nós, e o Brasil está no centro do jogo”, afirma Peter O’Reilly, vice-presidente executivo da NFL. Há quem feche a cara para o que consideram invasão estrangeira, em imensa tolice preconceituosa. Se atrai dólares, se pode divertir e é muito bacana, que as portas se abram de vez.
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2025, edição nº 2960