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O feito histórico da bandeirinha catarinense Neuza Back na Copa do Mundo

A Fifa selecionou três juízas e três assistentes para trabalhar nas partidas do torneio. Ela é uma delas

Por Fábio Altman, de Doha
Atualizado em 4 jun 2024, 11h12 - Publicado em 25 nov 2022, 06h00
INEDITISMO - A catarinense de 38 anos: uma das seis árbitras e assistentes no Mundial -
INEDITISMO – A catarinense de 38 anos: uma das seis árbitras e assistentes no Mundial – (Antonio Milena/.)

Aos 33 minutos da partida entre Botafogo e Vasco, em São Januário, pelas oitavas de final da Copa do Brasil de 2020, no auge da pandemia, Jairzinho, o Furacão da Copa de 70, virou um ventinho de nada, um sopro sem graça, incapaz de apagar uma vela. Ele comentava a partida pelo canal do clube alvinegro no YouTube. Depois da marcação de um impedimento pela bandeirinha Neuza Inês Back, ele não se conteve: “Está dando mesmo (dor de cabeça), está dando mesmo, está dando mesmo. Vai lavar roupa, pô. Pelo amor de Deus. Pô, bota para lavar roupa, pô”, esbravejou, nervoso e repetitivo. O ex-craque de 77 anos pediria desculpas, disse ter sido levado pelo suposto calor do momento e assegurou respeitar as mulheres.

A catarinense Neuza, de 38 anos, que naquela noite ganharia notoriedade com o comentário machista e inaceitável, vive no Catar o apogeu da carreira em um momento histórico. A Fifa selecionou três juízas e três assistentes para trabalhar nas partidas do torneio. Ela é uma delas. A inclusão feminina em um esporte tão masculino virou urgência devido ao questionamento quanto ao modo pelo qual a entidade administra o esporte, o evidente crescimento global de interesse pelo futebol feminino — e a postura oficialmente misógina do país-sede do Mundial, que pedia algum tipo de vacina, mesmo inócua. “É uma honra ter sido escolhida como assistente”, disse ela a VEJA. “Mas é também uma imensa responsabilidade, com os olhos do mundo nos vigiando.”

Quem conhece de perto o trabalho e o perfeccionismo de Neuza não tem dúvida alguma da certeza do sucesso. “Ela é a melhor bandeirinha do mundo, com um índice de acerto inacreditável”, diz a árbitra Edina Alves Batista, que aponta um outro lote de conhecimentos da amiga para exemplificar sua dedicação. “E ainda por cima ela fala e estuda inglês e alemão.”

E ainda por cima Neuza se exercita sete dias por semana, com musculação e pelo menos 6 quilômetros diários de corrida, em Jundiaí, no interior de São Paulo, onde mora — maneira pela qual se prepara para aguentar os 8 quilômetros que uma assistente corre durante uma partida, e com uma agravante muscular, por ter de se mexer de lado, em movimento que não é natural. Quando não está na pista ou na academia, cercada de uma equipe multidisciplinar que inclui a irmã, nutricionista, ela se debruça sobre programas de computador e vídeos de jogos. Para quê? Para entender a circulação dos jogadores de ataque e defesa. “Os craques dão trabalho diferente, ao realizar lances inesperados, ao pôr a bola em ritmo e soluções fora do habitual, o que pode nos pegar desprevenidos”, diz. Ela gosta também de rever as partidas, por não ter compromisso com o erro. “Não quero perder o sono ao descobrir que por 10 centímetros posso tirar o título de uma equipe para dar a outra”, afirma.

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Na infância e adolescência, no município de Saudades, ela jogou futebol. Interessou-se pela arbitragem incentivada pelo irmão mais velho, que era juiz. Não é o caso de imaginar que pai e mãe, sobretudo a mãe, tenham se desesperado, vislumbrando os previsíveis xingamentos de torcedores — mesmo agora, com o advento do bom apoio do VAR e da assistência eletrônica, com chip dentro da bola, para o controle mais preciso dos impedimentos, como se tem visto no Catar. Diz a mãe, Carmelita: “Nos sentimos honrados e felizes por nossa filha ter chegado aonde chegou”.

Não foi, por óbvio, travessia fácil, embebida de preconceito, muitas vezes ruidosamente silenciosa. Notem-se as chuteiras pretas de Neuza, que uma primeira observação nada entrega, mas esconde segredos. É ela quem conta: “Tive de pintá-las de preto, porque para meu tamanho de pé, 37, só havia de outras cores. Pretas só a partir de 39”. E assim ela desembarcou em Doha. Nos alambrados, em mais de uma oportunidade — ou quase sempre — há bocós que disparam gracinhas. Quando ela tira do bolso um cartão no qual faz breves anotações, alguém grita lá do alambrado: “Anota aí meu celular, 9-99…”. Ela ri. Não riu quando, no começo da carreira, em uma disputa de Série B, um torcedor mais mercurial e agressivo invadiu o gramado e a agarrou pelo pescoço. Foi salva pelos policiais no estádio.

De jogadores, nunca escutou bobagens, o que dá boa medida dos avanços, embora a revolução tenha apenas começado e será televisionada. Pelo menos 5 bilhões de pessoas, em todo o mundo, devem acompanhar as 64 partidas da Copa (652 milhões de terráqueos viram Neil Armstrong pousar na Lua, em 1969). Com tanta visibilidade, e porque imagem é tudo, diante de maciça audiência, Neuza sabe precisar de cuidados. Ela fará caprichadas tranças, que já sabe montar sozinha, e tratará de pintar as unhas com cores vibrantes. Não é fácil a vida de uma bandeirinha do primeiríssimo time.

Publicado em VEJA de 30 de novembro de 2022, edição nº 2817

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