“O Brasil é um lugar empolgante para começar a temporada”, diz CEO da Fórmula E
Em entrevista a VEJA, Jeff Dodds, que chefia a categoria de monopostos elétricos, fala sobre o futuro da série, cujo campeonato mundial chega à 11ª edição
A Fórmula E, campeonato mundial de monopostos elétricos da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), inicia uma nova fase na temporada 2024/2025. A mais recente geração de carros de corrida da categoria, o Gen3 Evo, fará seu primeiro teste no Grande Prêmio de São Paulo, que acontece nos dias 6 e 7 de dezembro, no circuito híbrido do Anhembi/Sambódromo. O bólido acelera mais rápido que um Fórmula 1 e tem uma combinação de bateria e trem de força (conjunto formado por embreagem, caixa de marchas, eixos de transmissão, diferencial e rodas motrizes) que proporciona mais autonomia. Neste certame, o Brasil será representado apenas por Lucas di Grassi, piloto da equipe Lola Yamaha ABT, já que Sergio Sette Câmara não ficou na ERT. Na pré-temporada em Madri, no histórico circuito de Jarama, o CEO da categoria, Jeff Dodds, recebeu a Veja para falar do seu projeto para a competição de carros eletrificados. As perguntas e respostas foram editadas para melhor compreensão.
A Fórmula E está entrando em sua 11ª temporada. Na sua visão, o que a categoria conquistou até agora? A FE passou por três fases. A primeira foi a fase do sonho, da visão de Alejandro Agag e Jean Todt de criar uma categoria de corrida elétrica quando ainda não existiam carros elétricos de verdade. Naquela época, vendiam-se apenas 350 mil carros elétricos por ano, enquanto hoje esse número chega a 17 ou 18 milhões. Essa fase inicial foi como a de qualquer startup, vendendo um sonho e lutando para sobreviver. Tínhamos poucos fãs, um sonho de corridas elétricas e a necessidade de sobreviver como um negócio iniciante.
O que mudou? Com a chegada dos carros Gen2 e Gen3, a FE se estabeleceu, ganhou base de fãs e se tornou global, apesar dos desafios impostos pela pandemia de Covid-19. Agora, entramos em uma nova fase. Temos os carros de Fórmula monoposto com a aceleração mais rápida do mundo, somos uma categoria global com quase 400 milhões de fãs e nos consolidamos como uma competição confiável. O foco agora é acelerar o crescimento e expandir a categoria.
De que forma? Em dez anos, a FE evoluiu de carros com velocidade máxima de 225 quilômetros por hora para mais de 320 quilômetros por hora, a aceleração de 0 a 100 caiu de 3 segundos para 1,8 segundos e a capacidade da bateria, que só durava metade da prova, dobrou. As corridas atuais são completamente diferentes das de dez anos atrás, com maior qualidade e interação com os fãs. A categoria conquistou muito em uma década, e os próximos dez anos serão dedicados ao crescimento.
Qual é o papel do Brasil nesse plano de expansão? O Brasil é um mercado muito grande e apaixonado por automobilismo. No ano passado, tivemos Felipe Massa, Emerson Fittipaldi e até Bernie Ecclestone presentes na corrida em São Paulo. O circuito de rua híbrido de São Paulo é empolgante, os fãs brasileiros são apaixonados e o país tem uma rica história no automobilismo, o que legitima a presença da FE no Brasil. O país é um local constante em nossos planos estratégicos e continuará sendo uma parte fundamental da categoria, seja em São Paulo ou em outra cidade.
Por que São Paulo foi escolhida para sediar a abertura da temporada? Há algumas razões para essa escolha. É interessante começar a temporada com uma corrida emocionante na América do Sul ou Central, como fizemos no México, onde tivemos 40 a 50 mil fãs apaixonados por automobilismo. O Brasil também é um local empolgante para iniciar a temporada, com muita energia e entusiasmo. Começar a temporada antes do Natal e do Ano Novo nos dá tempo para trabalhar com patrocinadores, a cidade e organizar um grande evento sem conflitos com o Carnaval.
Como funciona a transferência de tecnologia da FE para os carros de rua? A transferência de tecnologia é ainda mais relevante na FE do que na F1. Houve um período em que a F1 transferia rapidamente tecnologias de segurança e outras inovações para os carros de produção, mas hoje a categoria se concentra principalmente na aerodinâmica. Os motores a combustão interna têm 130 anos e poucas novidades nesse campo são aplicadas aos carros de rua.
E na FE, como funciona, então? A FE, por outro lado, está na vanguarda da tecnologia de veículos elétricos a bateria. As equipes, como Jaguar, Nissan e Stellantis, aprendem muito sobre desenvolvimento de trem de força e baterias nas pistas, e esse conhecimento é aplicado diretamente aos seus carros de produção. A transferência de tecnologia da corrida para a rua é muito mais relevante na FE atualmente.
Como funciona o carro Gen3 da FE? O carro Gen3 possui componentes padrão, como bateria, trem de força dianteiro, rodas, pneus e chassi. Os demais componentes, como o trem de força traseiro (motor e componentes relacionados), suspensão e software, são desenvolvidos pelas equipes. O motor traseiro é equivalente ao motor do fabricante na F1. Os fabricantes da FE incluem Jaguar, Porsche, Nissan, Stellantis, Lola, Yamaha e Mahindra. Cada equipe tem cerca de mil peças que podem ser modificadas, além de software e estratégias próprias. O Gen3 é o primeiro carro da FE com tração nas quatro rodas, combinando um trem de força dianteiro padrão com os traseiros proprietários.
A ausência do barulho dos motores a combustão afeta a experiência dos fãs na FE? Um motor de F1 tem cerca de 50% de eficiência, o que significa que metade da energia gerada impulsiona o carro, enquanto a outra metade é perdida na atmosfera, produzindo o ruído característico. Um carro de FE, por outro lado, tem mais de 90% de eficiência, com menos de 10% da energia perdida na atmosfera, resultando em um carro mais silencioso. Aumentar o ruído dos carros da FE seria como imitar uma tecnologia antiga e menos eficiente. A categoria se concentra no futuro e na tecnologia de ponta, e os carros elétricos são o futuro. As novas gerações provavelmente nunca dirigirão carros a gasolina ou diesel e não estarão acostumadas ao barulho dos motores a combustão.
Quais são os principais desafios para o desenvolvimento da tecnologia de carros elétricos? A autonomia, ou seja, a distância que um carro elétrico pode percorrer com uma única carga, era uma grande preocupação, mas a maioria dos carros elétricos novos já oferece mais de 480 quilômetros de autonomia, e esse número deve aumentar para mais de 800 quilômetros nos próximos anos.
E o desempenho? O desempenho também não é um problema, já que os carros elétricos geralmente têm aceleração mais rápida e maior desempenho do que os carros a combustão. Os dois principais desafios que restam são o custo e a infraestrutura de carregamento. Com o aumento da produção de carros elétricos, o custo de desenvolvimento será diluído, resultando em preços mais baixos. Os governos também precisam investir em infraestrutura de carregamento. A China, por exemplo, já possui uma infraestrutura de carregamento robusta, enquanto a Europa está se desenvolvendo nesse sentido.
Qual é o papel da FE na sustentabilidade e ESG? A FE foi fundada com base em três pilares: corridas emocionantes, desenvolvimento tecnológico para acelerar a adoção de veículos elétricos e ações sustentáveis. A categoria é neutra em carbono desde o primeiro dia e produz uma fração do carbono gerado por outros grandes eventos esportivos, como a Fórmula 1. A FE se comprometeu a reduzir suas emissões de carbono em 45% entre as temporadas 5 e 15 e adota práticas sustentáveis em todas as áreas, como reciclagem nos carros, economia circular, redução de viagens e frete aéreo, e uso de combustível de aviação sustentável. A categoria é classificada como o esporte número um em ESG no mundo.
Quais são as principais diferenças de custo entre a FE e a F1? A F1 é um evento gigantesco, com custos exorbitantes para organizar corridas em 25 locais diferentes. O custo para comprar uma equipe de F1 é de cerca de um bilhão de dólares, enquanto na FE esse valor varia entre 20 e 30 milhões de euros. O teto de gastos na F1 é de cerca de 145 milhões de dólares por ano, excluindo o salário dos pilotos e outros custos, enquanto na FE esse valor é de 14 milhões de dólares. A FE busca ser uma categoria inclusiva, com ingressos acessíveis para os fãs e custos de participação viáveis para as equipes. A categoria não quer se tornar um esporte elitista e exclusivo, com ingressos e investimentos exorbitantes.
A FE está promovendo a inclusão de mulheres na categoria? A FE é um esporte de gênero neutro, aberto a homens e mulheres. O desafio é que homens e mulheres não têm as mesmas oportunidades de acesso. A categoria se compromete a oferecer oportunidades para as mulheres pilotarem os carros e mostrarem seu potencial. O teste feminino que acontecerá nesta sexta-feira será a primeira oportunidade para as mulheres pilotarem o carro Gen3. A expectativa é que os tempos melhorem ao longo das sessões e que as equipes reconheçam o potencial das pilotas, oferecendo mais tempo no carro e no simulador. Seria incrível ter mulheres competindo na FE na 12ª temporada, mas o objetivo é ter mulheres na categoria nas temporadas 13 e 14.
Qual é o retorno econômico que a FE gera para as cidades que sediam as corridas? A FE realiza estudos econômicos para avaliar o impacto financeiro da categoria nas cidades. Os resultados mostram que o retorno econômico varia entre 50 e 80 milhões de euros, semelhante ao que a NFL gerou em São Paulo. A realização de um evento como a FE gera empregos, investimentos, turismo e movimenta a economia local. O retorno econômico é um fator importante nas negociações com as cidades que desejam sediar corridas da FE.
Há planos de mudar o local da corrida em São Paulo para o Autódromo de Interlagos? O circuito de rua do Sambódromo é ideal para os carros da FE, que são menores, mais ágeis e menos dependentes de efeito solo do que os carros de F1. No futuro, os carros da FE se tornarão mais potentes e maiores, e o Sambódromo pode se tornar inadequado. Se necessário, a FE considerará outras opções em São Paulo, como Interlagos. Por enquanto, o Sambódromo atende perfeitamente às necessidades da categoria.