Modalidade do hipismo restrita a poucos começa a ganhar espaço no Brasil
O trote elegante, fluido e terapêutico do adestramento está em alta
Identificar o primeiro momento em que um ser humano domesticou um cavalo e o montou para poder se locomover com mais rapidez, caçar e guerrear é um desafio da zoologia e da história das civilizações. As evidências mais remotas dessa interação remontam a 3 000 ou 4 000 anos, provavelmente na região das estepes da Europa e da Ásia. Com o tempo, a equitação passou de meio de transporte popular a símbolo de status, hábito da nobreza. No início do século XX, transformada em esporte olímpico, modalidade cara e exclusiva, dado o alto custo de treinamento e alimentação dos animais, galgou ainda mais a aura de exclusividade.
Há, agora, um movimento de interesse pela prática, em onda que chegou ao Brasil. O ímã de atração é uma das três modalidades olímpicas de montaria, o adestramento, também conhecido como dressage — as outras duas são o concurso completo e o salto. Na disciplina, entre passos e trotes, cavalo e cavaleiro executam um balé fluido, elegante e bonito de ver. A leveza do galope, embora difícil e cansativo, serve a um outro uso, digamos, terapêutico. O vínculo entre o ser humano e o cavalo é comprovadamente bom para a redução do estresse e para o desenvolvimento motor.
Da soma das qualidades esportivas e médicas, brotou o impulso do adestramento. São Paulo e Rio de Janeiro, onde estão as hípicas mais tradicionais, lideram as aulas e treinos adequados a pessoas que não buscam ser campeãs, mas pretendem melhorar o cotidiano e criar laços que só o esporte é capaz de oferecer. Porto Alegre, Belo Horizonte e Curitiba também investem na categoria. “Incentivamos a entrada de alunos, que já não precisam ser sócios de nenhuma hípica nem ter cavalo próprio”, diz Lindinha Flosi Macedo, diretora da Federação Paulista de Hipismo. O preço das aulas varia conforme a região. Em São Paulo, uma sessão na Hípica Paulista sai de 250 reais a 300 reais. Em Porto Alegre, o Haras HGG cobra 80 reais. Os gaúchos, aliás, oferecem ensino a distância para atrair gente do interior. “Mas, com a evolução, o presencial torna-se compulsório”, diz Petra Garbade, proprietária do haras.
Entre os amadores, as mulheres, em especial, é que têm aderido à atividade. A arquiteta paulista Fernanda Negrelli, de 44 anos, se apaixonou pelo dressage há cinco anos. Desde então, evoluiu tanto que foi homenageada como revelação de 2022 pela Associação Brasileira de Criadores do Cavalo Puro-Sangue Lusitano — os lusitanos, aliás, são a raça mais comum para o adestramento no Brasil. “Parecem cavalos de reis”, diz Fernanda. “Para mim, virou a melhor das terapias.”
Como todo fenômeno de comportamento, tenta-se sempre encontrar a faísca de uma novidade. A recente disseminação do adestramento, no Brasil, tem o carimbo do cavaleiro João Victor Marcari Oliva, filho da ex-jogadora de basquete Hortência e do empresário José Victor Oliva. Medalhista de prata — a primeira do Brasil — nos Jogos Pan-Americanos do ano passado, em Santiago, no Chile, e personagem querido entre seus pares, é nome certo para a Olimpíada de Paris. Se voltará com medalha, são outros quinhentos — mas vê-lo montado, seja no garanhão Feel Good, seja no Escorial Campline, é uma lição de harmonia e paciência, atributos tão escassos nos dias de hoje. Por isso, talvez, o adestramento comece a encantar tanta gente.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880