“Hoje não tenho vergonha do meu corpo, exibo com orgulho”, diz atleta do UFC
Em depoimento a VEJA, Melk Costa revela como superou preconceitos e dificuldades para realizar o sonho de ser lutador
“Eu não me lembro exatamente quando as primeiras manchas começaram a aparecer. Acho que eu tinha por volta de três ou quatro anos de idade. No Pará, era comum as pessoas confundirem a minha condição com uma infecção conhecida como ‘pano branco’, mas esse não era o caso. O médico que me examinou assim que as primeiras manchas surgiram ficou surpreso, ele dizia ser a primeira vez que via um caso de vitiligo em alguém tão jovem. É mais comum a manifestação em adultos, após períodos de grande estresse.
“Minha mãe me vestia com camisas de manga comprida e calças mesmo no calor sufocante da região norte. Era uma tentativa de evitar que as pessoas vissem meu corpo, embora a inocência da infância me impedisse de ver minha condição como um problema. A situação mudou quando entrei na escola e as manchas começaram a se espalhar pelo meu rosto e mãos. Os colegas me rejeitavam, seus pais me afastavam com medo, me chamavam por apelidos desagradáveis, como ‘perebento’ e ‘sujo’. Na adolescência, o preconceito se intensificou. Eu queria namorar, ter amigos, mas o vitiligo me fazia me sentir diferente e indesejado.
“O estigma era forte, e mesmo sendo filho de pastor, não escapamos das crendices populares, ainda mais no interior do Brasil. As pessoas me julgavam, acreditando que as manchas eram um castigo divino por algo que eu ou minha família tínhamos feito.
Essa falta de pertencimento e sensação de inadequação me transformaram em um adolescente rebelde e difícil de lidar. Desenvolvi um mecanismo de defesa, me tornando agressivo para afastar as pessoas antes que elas pudessem me magoar com provocações e insultos. Minha zona de conforto se tornou alimentar uma raiva que nunca passava. Eu odiava meu reflexo, odiava me ver no espelho. As manchas que eu tinha se tornaram uma obsessão, e eu testava toda e qualquer receita que prometesse uma cura, por mais infundada que fosse. “Até que um dia aconteceu algo que mudou tudo. Eu encontrei um rapaz que também tinha vitiligo. Ele me falou que já tinha procurado por médicos em todo o Brasil em busca de uma cura – sempre sem sucesso em qualquer tratamento. Em uma dessas buscas, um especialista falou para ele que a única cura que ele ia encontrar era nele mesmo. Isso porque o vitiligo é muito afetado pelo estado emocional de uma pessoa e quanto mais ele sofresse por essa condição, mais chances tinha dela se espalhar cada vez mais pelo seu corpo. Nesse momento, caiu uma ficha gigante: não tinha nada que eu pudesse fazer a não ser me aceitar. Ali, eu parei de tentar lutar contra o vitiligo e abri espaço para viver uma outra vida.
“A luta teve um papel fundamental para que eu pudesse perceber que havia beleza em mim. Quando comecei a lutar, minha autoestima estava completamente destruída e eu não suportava sequer tirar fotos. Na minha primeira tentativa em um ringue, eu apanhei tão feio que voltei a mim sem nem entender o que tinha acontecido. Apesar do golpe, senti uma adrenalina diferente, uma sensação que me motivou a querer mais. A princípio, era apenas um hobby, mas após a morte do meu irmão, lutar se tornou o meu propósito.
“Foi ele quem sempre me incentivou, acreditando no meu potencial como lutador. Sua morte repentina em um acidente me devastou por completo, mas também me deu a força que eu precisava para lutar pelos meus objetivos. As dificuldades foram inúmeras, até fome eu passei, e não foi pouca. Vi muitas pessoas desistindo no meio do caminho, mas a promessa que fiz ao meu irmão me manteve firme na busca pelo meu maior sonho.
“A persistência e a fé foram meus combustíveis durante toda a jornada. Mesmo quando as portas pareciam se fechar, eu me agarrava à crença de que meu destino era lutar. A concretização da minha meta só veio após muitos anos de trabalho duro, sacrifícios e superação. Finalmente, recebi a ligação que mudaria minha vida para sempre: uma proposta para lutar no UFC Brasil. No momento em que assinei o contrato, foi como se eu tirasse todo o peso que eu carreguei a vida inteira nas minhas costas. A promessa que fiz ao meu irmão foi cumprida e eu havia alcançado o topo do mundo da luta. Hoje não tenho vergonha do meu corpo, exibo com muito orgulho, tiro inúmeras fotos, posto sempre nas redes sociais. Minha autoestima está sempre nas alturas, e me deixa muito feliz saber que eu posso ser uma referência de aceitação para alguma criança que possa estar passando pelo que eu passei.”