Guga 20 anos: na final, a vitória mais fácil de todas
Na decisão contra o bicampeão Sergi Bruguera, o brasileiro Gustavo Kuerten deu uma aula sobre como dominar, do início ao fim, uma partida de tênis
As imagens estão na internet. Se você joga tênis, ou apenas sonha em empunhar uma raquete, assista à grande final do Aberto da França de 1997 disputada entre o brasileiro Gustavo Kuerten e o espanhol Sergi Bruguera. É uma aula de como controlar uma partida, do início ao fim, praticamente sem sobressaltos. Sobre como atacar na hora certa e não desperdiçar chances. Ao acompanhar a trajetória de Guga naquela edição de Roland Garros, vimos o crescimento de um jovem tenista ao patamar dos grandes de seu esporte. Apesar das vitórias, era perceptível o nervosismo e os momentos de hesitação do brasileiro, principalmente quando o jogo estava a seu favor e bastava fechar a partida.
É preciso ressaltar, porém, que nos momentos mais difíceis – principalmente a desvantagem em 2 sets a 1 contra o russo Yevgeny Kafelnikov, nas quartas-de-final – Guga soube como sair do buraco. Esses altos e baixos da campanha o prepararam para a partida decisiva, vencida em 3 sets a 0. Antes da disputa, a imprensa francesa e os especialistas apontavam Bruguera como o grande favorito ao título – naturalmente, afinal o adversário de Guga na final era bicampeão de Roland Garros (1993 e 1994). Depois do título, tiveram que se render ao catarinense de roupas chamativas e cabelo rebelde. Tanto que no dia seguinte à final, no dia 9 de junho, a manchete do L’Équipe, o mais tradicional diário esportivo da França, fez um agradecimento ao novato brasileiro: “Obrigado por esse sorriso”, foi o que estampou o jornal.
Ainda enquanto a partida acontecia, Guga não conseguia esconder a alegria que sentia a cada bola vencedora. Não se tratava de prepotência, era uma alegria genuína. Na cerimônia de premiação, o brasileiro também não se conteve ao receber o troféu das mãos do argentino Guillermo Villas e do sueco Bjorn Borg, duas lendas do tênis mundial: fez uma reverência aos dois membros da monarquia da modalidade. Foi com essa espontaneidade que os franceses se encantaram e vieram a se apaixonar nos títulos seguintes, em 2000 e 2001.
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O jogo – Depois de um aparente equilíbrio nos primeiros games, a superioridade de Guga naquela partida ficou logo evidente no quinto game do primeiro set. Empatados em 2/2, o brasileiro logo aproveitou a primeira chance de quebra que teve no saque do espanhol.
Com a vantagem em 4/3, Bruguera acusou o golpe. Depois de ser jogado de um lado para o outro da quadra, para frente e para trás, Guga finalizou o ponto com um dropshot (a popular deixadinha) matador. A consequência foi aquela tradicional abertura de braços, acompanhada de um tapa duplo na linha da cintura, o primeiro sinal evidente da frustração de um tenista numa partida.
Tanto que, logo na sequência, o brasileiro logo conseguiu dois break points quando o espanhol sacava em 3/5. Na primeira, Guga deu uma furada incomum. Mas na segunda não houve perdão: um winner (como é chamado o ataque sem contestação) de direita na cruzada e o primeiro set vencido em rápidos 24 minutos.
Era evidente logo no início do segundo set que a confiança de Bruguera havia desaparecido de quadra. O adversário de Guga se agarrava nas bolas altas, de fundo de quadra, como tábua de salvação. O brasileiro as ignorava, castigando-o com pancadas rasteiras e que por vezes insistiam em beijar as linhas.
Com a palavra o campeão:
“O terceiro set começou deixando tudo evidente. Eu acertava até pensamento. De repente, encaixei uma devolução tão imprevista e matadora que Bruguera abriu os braços do mesmo jeito que Björkman e Muster fizeram antes nos jogos e Corretja num treino, naquela expressão inconformada de “Mas, pô, cara, qual é a tua? Não vai errar nada?!”.
Depois daquela reação, eu sabia, e Bruguera também, que nem uma avalanche do Himalaia seria capaz de deter minha escalada. Eu estava com a corda toda. Continuei iluminado no quinto game do terceiro set, deixando Bruguera cada vez mais apreensivo. Quando fiz 4-2, a convicção que me acompanhava desde o início se transformou em felicidade e empolgação. Nesse momento, só veio uma coisa à cabeça: “Vou ser campeão, é de verdade. Vai acontecer, está acontecendo.”
E, já que eu ia ser campeão, quis desempenhar como campeão. À vontade, relaxado, inspirado, solto, afiado, passei a exibir meu melhor tênis, com tudo funcionando melhor do que o planejado. Me inspirei ainda mais e, durante vinte minutos, o espetáculo, que já era lindo, ficou magnífico.”
Trecho extraído da autobiografia Guga – Um Brasileiro (Sextante)
Que fim levou? – Chegar à final de Roland Garros foi o último grande feito da carreira de Sergi Bruguera, bicampeão do torneio em 1993 e 1994. Naquele ano de 1997, ele também chegou à decisão do Masters de Miami, batendo o americano Pete Sampras na semifinal, e recebeu da Associação dos Tenistas Profissionais, a ATP, o prêmio de ‘Retorno do Ano’, principalmente por ter regressado ao tênis de alto nível após uma grave lesão no tornozelo. O espanhol pendurou a raquete em 2002, aos 31 anos. Depois da aposentadoria, Bruguera investiu em uma academia, sediada em Barcelona, dedicada à formação de novos tenistas. Ele também trabalha com jogadores profissionais, caso do francês Richard Gasquet (atual 25º do ranking).