Flamengo e Palmeiras dominam o futebol brasileiro: vai perder a graça?
O fair play financeiro seria a saída de equilíbrio, mas ele também tende a ampliar o fosso
Com exceção dos torcedores de Flamengo e Palmeiras, Palmeiras e Flamengo, anda todo mundo meio aborrecido com a irrefreável predominância de rubros-negros e esmeraldinos, esmeraldinos e rubros-negros em gramados da América do Sul (sim, porque na Copa do Mundo de Clubes tiveram desempenho apenas razoável). No próximo dia 29, em Lima, no Peru, as duas equipes disputarão a final da Libertadores da América de 2025. A partida é símbolo do domínio. Os dois fizeram a finalíssima de 2021. Desde 2019, cada um deles ergueu a taça continental duas vezes. Uma vitória, agora, lhes dará o tetracampeonato — feito que nem mesmo o Santos de Pelé conseguiu, nos anos 1960 (foi bi).
Olhando para dentro de casa, também desde 2019, cada uma das agremiações conquistou duas vezes o Brasileirão. Disputam agora a taça, brigando desde o início pelo topo da tabela. Houve exceções — como a dobradinha do Botafogo no ano passado, com a Libertadores e o Brasileiro, ou o Fluminense vencedor das Américas em 2023 —, mas nunca as exceções que confirmam a regra ecoaram tão fortemente, com perdão do lugar-comum. Enquanto as duas respectivas torcidas comemoram, as demais ficam com inveja. Segundo levantamento do Paraná Pesquisas divulgado com exclusividade na segunda 17 pelo programa Bola Quadrada, de VEJA, o time mais odiado do Brasil hoje é o Flamengo — boa parte disso, claro, é pura dor de cotovelo pelo sucesso alheio. No mesmo ranking, o Palmeiras surge em terceiro lugar (o Corinthians ficou na segunda posição).
Mas, afinal de contas, o que houve para o futebol brasileiro tangenciar uma certa “espanholização”, expressão atrelada às sucessivas conquistas de Real Madrid e Barcelona? A resposta pode beber da famosa máxima de James Carville, assessor da campanha presidencial de Bill Clinton, em 1992: “É a economia, estúpido”. Dito de outro modo: o pessoal da Gávea e das Perdizes soube organizar as finanças de seus clubes e, em meio à confusão ao redor, abrir dianteira. Aos números: em 2024, a receita do Flamengo bateu em 1,33 bilhão de reais; a do Palmeiras, em 1,27 bilhão de reais (veja no quadro). E como dinheiro atrai dinheiro, e dinheiro atrai bons jogadores, dá-se um ciclo virtuoso que parece não ter fim — e um bom caminho para ingresso de reais é a venda de jogadores, com a renovação das equipes, quesito em que ambos voam alto. É bom lembrar, no caso dos cariocas, que nem mesmo um terrível tropeção de imagem os levou ao acostamento — em 2019, um incêndio no chamado Ninho do Urubu, centro de treinamento flamenguista, provocou a morte de dez jovens entre 14 e 16 anos, ainda em vaivém nos tribunais de Justiça.
Para resolver os problemas de cofre, o Flamengo tratou de reunir um grupo de empresas. O Palmeiras apostou em investidores únicos, como o ex-presidente Paulo Nobre e, agora, a Crefisa, da presidente Leila Pereira. Um e outro foram melhores que os clubes alimentados pelas SAFs, as sociedades anônimas de futebol, porque essas engrenagens dependem da saúde financeira dos investidores — e tome-se como exemplo o atual desastre botafoguense. “A boa gestão mudou a história de Flamengo e Palmeiras”, diz Amir Somoggi, diretor da SportsValue, um dos mais completos analistas de marketing esportivo do país. “Os outros times deveriam se inspirar no modelo cuidadoso de ambos para saírem do atoleiro.”
Dizia-se, lá atrás, que — dado o tamanho das torcidas — Flamengo e Corinthians é que seriam as estrelas da companhia. O Timão morreu na praia, inundado por desmandos e caos, dívidas a não mais poder. Até mesmo o pequeno Mirassol, do interior paulista, organizado administrativamente na minúcia, conseguiu ganhar tônus e está entre a quarta e a quinta colocação do Brasileirão, quase garantido na Libertadores do ano que vem, uma façanha e tanto.
Feito o diagnóstico, conhecida a boa história de controle administrativo de Flamengo e Palmeiras, como fazer para frear a tal “espanholização”? Um atalho seria o “fair play financeiro”, recurso necessário de equilíbrio entre adversários, de modo a evitar disparates. No próximo dia 26, a CBF anunciará o plano de regras para evitar gastos exagerados. Sabe-se que será preciso equilíbrio entre o que sai e o que entra, com a impossibilidade de gastar mais do que a arrecadação, e limites de gastos com os elencos. A boa notícia: quando (e se) todo mundo andar na linha, haverá bom balanço. A má notícia: aplicado agora, o fair play favorecerá justamente Flamengo e Palmeiras, por já rezarem na cartilha. “A regulação é boa para quem já anda na linha”, diz Somoggi. “No início, as regras tendem a favorecer quem as cumpre.” Hoje, nove clubes da série A estariam em desacordo com as normas desenhadas pela CBF, entre eles Corinthians, São Paulo, Santos, Grêmio, Atlético-MG, Cruzeiro, Botafogo, Vasco e Bahia. Há, portanto, longa estrada até o futebol brasileiro entrar nos eixos — enquanto isso, resta a flamenguistas e palmeirenses vibrarem por seus jogadores, e todos os outros torcerem contra.
Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2025, edição nº 2971

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