Esportes de longa distância e duração, mais conhecidos por endurance, ganham tração
Eles viram tendência ao unir a atividade física com o prazer das férias e das viagens

Há uma fascinante movimentação no avesso da infindável imersão em telas de smartphones. Ela brota ao ar livre, leva pessoas a se conhecerem e — acima de tudo — representa postura saudável. Vive-se uma explosão dos chamados esportes de endurance, também conhecidos como modalidades de resistência. Correr, nadar e pedalar longas distâncias, ou então unir as três modalidades nas provas de triatlo, virou tendência, em onda que não para de crescer. Some-se ao jeito de corpo e ao suor um benefício extra, e eis o pacote completo: os adeptos da brincadeira, por assim dizer, combinam esforço físico com turismo. Dito de outro modo: conhecem o mundo de olho na agenda das competições. É o “maraturismo”, que nasceu com as maratonas e se expandiu. “Cerca de 70% dos nossos atletas planejam férias em torno de provas”, diz Ronaldo Fonseca, fundador da Unity Training, assessoria especializada em treinamento. “Muitos levam a família, estendem a estadia e transformam a competição em experiência de vida.”

Não há, ainda, estatística organizada que dê conta do fenômeno, mas o interesse é evidente. Tome-se, como exemplo, a UltraSwim 33.3, realizada pela primeira vez em 2022 com meia dúzia de valentes nadadores e que agora reúne mais de 600 pessoas de 38 nacionalidades. O palco, em maio deste ano, foram as águas cristalinas do litoral da Croácia, à margem da ilha de Hvar. “Há uma geração, de pessoas entre 40 e 60 anos, que busca somar ao desafio um bom hotel para dormir e comer, restaurantes para experimentar as culinárias locais”, diz Mark Turner, o fundador da UltraSwim 33.3. Durante quatro dias, amadores e profissionais — por que não? — percorrem 33 quilômetros e 300 metros, o equivalente à travessia regular do cinzento e triste Canal da Mancha.
O cardápio de ofertas é variado. Que tal o desafio de 171 quilômetros ao redor do Mont Blanc, nos Alpes, a montanha mais alta da Europa Ocidental, na fronteira entre a França e a Itália? Ou então os 250 quilômetros pelo deserto no Marrocos e os 220 quilômetros de esqui pelo Círculo Polar Ártico, em território da Finlândia? Os brasileiros aderiram à festa, e um modo de medir a aderência, segundo quem é do ramo, é acompanhar a adesão a um aplicativo muito celebrado, que registra o desempenho durante treinos e provas, além de funcionar como uma espécie de rede social entre os praticantes. É o Strava, com mais de 5 milhões de usuários e que tem o Brasil na vice-liderança de acessos, atrás apenas dos EUA. “Praticando e viajando conheci pessoas e formei uma comunidade em que sou feliz”, diz Gabriela Rossano, estudante de arquitetura e praticante de triatlo.

Do ponto de vista de comportamento, quase como um vício, há quem enxergue no fascínio pela cansativa empreitada um quê de ancestralidade, digamos assim. Uma reputada psicóloga esportiva, Paula Reid, que já completou diversas expedições polares e travessias oceânicas, tem um ponto interessante demais para ser desdenhado: “Essas férias combinadas com endurance oferecem uma espécie de recomeço evolutivo. Evoluímos para caçar e coletar alimentos em longas distâncias. Para muitas pessoas, a vida se tornou fácil demais, fisicamente pouco exigente. Mas somos biologicamente construídos para o desconforto, o desafio e a adversidade. Precisamos disso para crescer”.
Um modo mais simples de entender a compulsão é casá-la com os humores do aqui e agora, tempo de cuidado com o corpo. Na volta, contam-se relatos de belas paisagens e contatos com autóctones, mas também a glória de objetivos medidos em metros. É o agradável de mãos dadas com o útil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda pelo menos 150 minutos semanais de atividade física moderada. No Brasil, seis em cada dez pessoas não atingiram essa meta. Há, contudo, evolução. Em 2009, 30% da população global caminhava no teto estabelecido pela OMS. Hoje, são 41%. “O gasto calórico produzido pelo esporte é fundamental para o metabolismo”, diz Paulo Zogaib, especialista do Núcleo de Medicina do Exercício e do Esporte do Hospital Sírio-Libanês. Exercitar-se rindo, diante de belezas naturais, apartado dos problemas do cotidiano, é no mínimo um magnífico amparo. Nas palavras do escritor japonês Haruki Murakami, que viaja por aí de tênis, em Do que Eu Falo Quando Falo de Corrida: “Na corrida de longa distância, o único oponente que você precisa vencer é você mesmo, do jeito que você costumava ser”. Resistir é preciso — e é bom.
Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2025, edição nº 2957