Emoção em todos os jogos: sites de apostas esportivas conquistam multidões
Eles se multiplicam, patrocinam clubes, investem em publicidade e avançam no Brasil, um de seus mercados mais promissores

Começou discretamente, com um ou outro anúncio em canais esportivos dirigidos a um público desconfiado da novidade. O palpite, pelo jeito, deu certo: os sites de apostas conquistaram legiões de adeptos no Brasil, tornaram-se nomes conhecidos e movimentam estimados 12 bilhões de reais por ano — uma pequena parcela dos 75 bilhões que o setor prevê arrecadar quando a atividade estiver regulamentada. O pontapé para a expansão foi a lei sancionada em 2018, no governo Michel Temer, que liberou a exploração de apostas esportivas, deixando pendentes as regras para o licenciamento da atividade. A falta de regulamentação não foi impedimento para uma explosão de oferta: atualmente, mais de 400 empresas atuam no país, todas elas com sede no exterior, à espera da definição de normas aqui. “Um mercado regulamentado oferece mais segurança ao cliente e ao operador, além de estimular a geração de empregos e de tributos”, defende Alexandre Fonseca, diretor da Betano, empresa sediada na Ilha de Malta que tem na América Latina, especialmente no Brasil, o ponto central de seus planos de crescimento global.
O cadastro nas casas de apostas virtuais requer e-mail e senha, além da declaração de ter mais de 18 anos, e as transações são feitas por cartão de crédito, boleto ou Pix. Além do futebol, é possível palpitar nos resultados de mais de quarenta outros esportes, dos mais tradicionais aos pouco praticados, como esqui cross country e xadrez. Quase todos os sites abrem espaço ainda para os e-sports, com destaque para torneios da Fifa e League of Legends. Além de tentar prever o placar e o vencedor, o apostador pode fazer combinações com chance de retorno maior, arriscando o número de cartões amarelos, faltas, escanteios e outros detalhes da partida. Tamanho é o interesse que comunidades e grupos de bate-papo dedicados a estudar e analisar resultados congregam milhares de seguidores nas redes sociais. Uma espécie de clube virtual, o Ortega Tips tem 88 funcionários, de consultores jurídicos a especialistas em TI, contratados para “ensinar as pessoas a apostar de modo correto”. “O cliente escolhe uma opção de assinatura e recebe nosso suporte e dicas para tudo o que precisar”, diz o sócio Raphael Neuhaus. Os planos variados, que envolvem análises até de corridas de galgos, giram em torno dos 120 reais mensais e o número de assinantes saltou de 1 200 para 13 000 neste último ano.

Para aumentar suas chances nesse mercado em constante crescimento, os sites de apostas investem com vigor em patrocínio. Em setembro, o Botafogo anunciou que a logomarca da EstrelaBET estamparia a manga de suas camisas. Em outubro foi a vez do Vasco, com o PixBet. Atualmente, 33 dos quarenta principais times de futebol do país são patrocinados em maior ou menor escala por empresas do setor — na primeira divisão do Campeonato Brasileiro, dezenove das vinte equipes exibem o nome de casas de apostas (o Cuiabá ficou de fora). Outra tática das empresas é contratar garotos-propaganda conhecidos: o ex-jogador Denilson, campeão do mundo com a seleção brasileira em 2002, é o rosto do Sportsbet.io, enquanto os campeões de MMA Lyoto Machida, Fabricio Werdum e Wanderlei Silva comparecem na publicidade da Sportingbet. Segundo levantamento do Google a pedido de VEJA, as buscas pelo assunto na internet tiveram um aumento de 130% nos últimos dois anos e a capital baiana, Salvador, ficou entre as quinze cidades mais interessadas em apostas esportivas no mundo, provável efeito do fato de tanto o Vitória quanto o Bahia terem a Casa de Apostas no centro de suas camisas. “O Brasil respira futebol, assim como todo o Nordeste e consequentemente Salvador. Está no DNA do povo brasileiro esse fanatismo por futebol e entretenimento. E o mundo das apostas caminha para esse sentido”, diz Hans Schleier, diretor de marketing da Casa de Apostas.
No exterior, a gigantesca Betway é parceira oficial do Aberto de Tênis de Miami e imprime sua marca nos estádios, em jogos de sete times da NBA e NHL, as ligas americanas de basquete e hóquei. “Ver nosso logo na quadra, no ringue e nas maiores arenas traz os clientes para mais perto da ação”, diz Anthony Werkman, presidente da Betway. No Reino Unido, o paraíso das apostas sobre tudo e todos, o campeonato da segunda divisão de futebol se chama Sky Bet Championship e, segundo pesquisa da Universidade de Londres, anúncios de sites do gênero aparecem entre 70% e 90% do tempo de transmissão do Match of the Day, da BBC, o mais importante programa de futebol do país.
Em outros países, os espaços de jogos e apostas são obrigados a alertar sobre os riscos de a fezinha se tornar compulsão, um cuidado mínimo que a falta de regulamentação não exige no Brasil — e que, sim, leva a excessos. “Comecei colocando 50 reais e fazendo jogos pequenos, até que um dia resolvi me arriscar e ganhei 2 000 reais. Me empolguei, fui apostando com mais frequência e em poucos meses perdi tudo”, relata o carioca Gabriel Toscano, estudante de administração de 27 anos que passou a se policiar e a dar pausas para analisar resultados antes de cravar seus palpites. Outra preocupação levantada pela multiplicação das apostas é a manipulação de resultados, crime detectado no escândalo recente que levou ao rebaixamento da Juventus, na Itália, e na “máfia do apito” revelada por VEJA em 2005, que alterava resultados do Campeonato Brasileiro. “As apostas esportivas tendem a se tornar cada vez mais agressivas, o que deixará o esporte ainda mais suscetível a práticas irregulares. A preocupação com sua integridade é justa e necessária”, ressalta o advogado Renato Renatino Pires Ferreira, do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. No campo das apostas, regras e fiscalização são artigos essenciais. Com controle rígido e de forma ponderada, vale, sim, uma fezinha.
Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2021, edição nº 2762