‘É possível ter oportunidades como mulher no futebol’, diz gestora pela CBF
Andressa Godoy, 29, conta como virou a primeira brasileira a ingressar no prestigiado curso de gestão da Uefa
É difícil ser brasileiro e não se deixar apaixonar pelo futebol. Esse era o meu caso. Nunca, porém, imaginei seguir carreira nesse mundo, especialmente sendo mulher. Há muita gente em quem se inspirar no universo futebolístico, mas quantas são figuras femininas? Bem poucas. Só que aí uma coisa levou a outra e cá estou, aprovada em meio a grandes nomes da gestão desse esporte que mobiliza tanta gente, no mais prestigiado curso de especialização, o da Uefa, entidade máxima do futebol europeu, na Suíça. Tudo começou meio por acaso, quando fui estudar administração de empresas no Rio, vinda do Rio Grande do Sul, e arranjei um estágio na CBF, em 2017. Tinha interesse na parte técnica, mas logo me direcionaram para o setor de cerimonial e eventos — caminho que, à época, era considerado o “adequado” para as mulheres que chegavam à confederação.
O trabalho ali foi um grande aprendizado, mas não me preenchia por completo, apesar de ali ter vivido bons momentos. Não desisti do meu objetivo, me envolvendo em variados projetos que me permitiram ter contato com a área de competições. Para reforçar o currículo, acabei estudando gestão e marketing esportivos e engatei em cursos na Fifa e na própria CBF. Mas, a cada passo que eu dava, esbarrava com barreiras. Lembro que muitas vezes sabia de alguma vaga recém-aberta e ia me candidatar, enfatizando aos recrutadores: “Olha, fiz esse curso, esse outro, estou preparada, podem contar comigo”. Em gestões anteriores, não ia muito longe. Enfrentei momentos desafiadores, e frequentemente ficava aquela sensação de que meu lugar não era lá, mas eu insisti.
Mais à frente, mesmo avançando, os obstáculos continuavam. Mas sempre mantive o pensamento firme, acreditando que, à medida que progredisse, as dificuldades ficariam para trás. Batia então o pé com mais vontade. Em 2021, já bem conectada, consegui finalmente ingressar onde queria — virei coordenadora de partidas, responsável pelos jogos nacionais, viajando por todo o Brasil. Fui a primeira mulher desde a criação da entidade, em 1914. Uma mudança importante, sem dúvida. Novos caminhos foram sendo possíveis juntamente a uma transformação positiva no cenário, que evolui a cada dia.
É claro que houve uma turma que, vendo minha batalha, me ajudou e apostou em mim — a ponto de me alçarem a gestora de marketing pela CBF. Atualmente estou em Nyon, na Suíça, outra vez como a primeira brasileira a furar bolhas no futebol, desta vez participando do concorrido programa de especialização da Uefa, passo crucial para o meu desenvolvimento profissional. Foram 35 vagas em um processo rigoroso. Meus colegas são executivos de Manchester United, Arsenal e Al Hilal, além de pessoas da Fifa e da própria Uefa. Encaro minha presença como um símbolo de que também podemos exercer missões relevantes no futebol, desde que haja oportunidade — na CBF, comando uma equipe com quinze mulheres. Quando se abrem as portas ao talento delas, fica claro que existe uma evolução, até hoje mais visível em outras áreas. A questão essencial é zelar pela igualdade de condições. E felizmente essa pauta vem sendo discutida. Nunca fomos tão longe em relação à democratização na indústria do futebol. Busco ir ainda mais longe, e me sinto honrada em ser a pioneira de muitas brasileiras que ainda ocuparão esse e outros espaços na gestão do esporte.
Andressa Godoy em depoimento a Caio Saad
Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2024, edição nº 2922