As polêmicas novas modalidades propostas para os Jogos Olímpicos
Elas embutem uma mensagem — é renovar ou perder relevância
Durante o período mais severo da pandemia de Covid-19, em março de 2021, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou o lançamento de um programa — a Agenda 2020+5 — destinado a funcionar como um roteiro do movimento até 2025. No rol de ideias, há louváveis recomendações de zelo com a sustentabilidade, a igualdade de gêneros e o cuidado com os refugiados. Tudo corretíssimo, mas com o risco de ficar apenas no discurso. Dois trechos do documento, contudo, apontam para mudanças palpáveis e rápidas. Um deles sugere a promoção dos chamados “esportes urbanos”. Outro propõe o “desenvolvimento de esportes virtuais”. E então, antes tarde do que nunca, as Olimpíadas começaram a se mexer. O objetivo: atrair os jovens e, com eles, audiência, patrocínio e dinheiro. Em Tóquio deu-se a inclusão do surfe e do skate. Paris, no ano que vem, abrigará o breakdance. E, recentemente, o COI pôs na mesa as cinco novidades para Los Angeles, em 2028 (veja abaixo).
Há quem se oponha às inovações, atrelado ao passado. É um mau caminho. Os dirigentes do COI notaram, por meio de pesquisas, que o público dos Jogos estava envelhecendo. Era preciso um terremoto na estrutura do evento para não cair na obsolescência. O segredo: atrair modalidades muito populares nos países cujas cidades abrigam o torneio e, sobretudo, olhar para a turma que mal saiu da puberdade. É o que explica as pranchas que subiram as ondas à margem de Tóquio e as tábuas sobre rodinhas que fizeram a fama imediata da brasileira Rayssa Leal. O plano: recorrer às redes sociais e plataformas de vídeo para se comunicar melhor com a juventude e adicionar esportes modernos — e não por acaso os eSports estão no horizonte, seriamente. “São alterações que vimos em 2021 e que acontecerão também em 2024 e 2028, em estratégia muito nítida”, diz Ivan Martinho, especialista em marketing esportivo e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
A disputa em Los Angeles, daqui a cinco anos, é vitrine do que se enxerga para o futuro. Nos Estados Unidos, há quatro modalidades que são incrivelmente fortes: o futebol americano, o beisebol, o basquete e o hóquei no gelo. Dada a violência do jogo da bola oval, a escolha foi por uma versão mais light, o flag football. O beisebol voltou ao calendário de mãos dadas com um irmão mais simples, o softbol. O basquete já faz parte do cronograma olímpico e o hóquei no gelo é coisa de inverno, e não de verão. O lacrosse foi tirado da cartola, mas convém lembrar que é popularíssimo na América do Norte. O críquete chegou chegando por atrair mais de 2,5 bilhões de fãs pelo mundo, sobretudo na Índia e no Paquistão.
Apesar dos muxoxos dos conservadores, muito dificilmente a locomotiva de ineditismos será interrompida. O motivo: todo mundo sai ganhando. Os esportes faturam em visibilidade e verbas olímpicas. As atividades demasiadamente ligadas ao lazer, caso do surfe e do skate, acabam sendo legitimadas. “E atraem um público que talvez já não se interesse por natação, atletismo, ginástica olímpica, tiro ao alvo e outras”, afirma o consultor Amir Somoggi, especializado nos negócios esportivos. Claro que há pressões políticas para determinadas trocas em alguns países que vão muito bem em determinada modalidade e sabem que podem levar medalhas — o beisebol, por exemplo, que sofre com o êxodo de torcedores nos Estados Unidos. Trata-se de um jogo de interesses no qual competir já não é realmente o que importa, embora seja fundamental. O COI sabe ser vital mudar para não diminuir sua relevância. Por isso, admite perder os dedos — a romântica tradição da festa idealizada por Pierre de Coubertin — para ficar com os anéis. E atire a primeira pedra quem não vai dar uma espiadinha nos rodopios de breakdance ao pé da Torre Eiffel ou, então, lá em 2028, na graça empolgante do lacrosse. Até que venham os jogos eletrônicos.
Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2023, edição nº 2865