A emocionante origem do nome de Éder Jofre
O maior peso-galo da história do boxe foi batizado em homenagem a um tio que fugia da polícia do Estado Novo de Getúlio Vargas
As pastas de papelão com elásticos já esgarçados pelo tempo contam um pouco da história de Éder Jofre. Há nelas fotografias que revelam, entre o preto-e-branco e o sépia, a aventura de um clã, os Zumbano-Jofre-, que ergueu a socos, mas também com delicadeza e permanente atuação política, a trajetória do boxe no Brasil. Em uma das imagens estão quase todos em cima de um ringue e a iluminação de cinema: Éder; seu pai, Aristides Jofre, que se casara com Angelina Zumbano; seus irmãos e seus tios – entre eles Waldemar Zumbano, o Neno, meu avô (por isso tenho as fotos guardadas em casa).
Sem o Nê, como o chamávamos, o mundo não ouviria falar de Éder Jofre – ao menos ele não teria esse nome. O relato do batizado de Éder Jofre é um capítulo emocionante de um tempo de chumbo, a primeira metade do século XX no Brasil. Corria o ano de 1935. Os irmãos Waldemar e Higino militavam na Aliança Nacional Libertadora, a ANL, costela do Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Ela tinha sido criada em janeiro daquele ano por um grupo de operários, intelectuais e militares descontentes com o Estado Novo do governo de Getúlio Vargas. A revolução estava a caminho. A ANL tinha contato direto com a Internacional Comunista, conhecida como Komintern, órgão responsável pelo apoio, em dinheiro e armas, aos combatentes comunistas de todo o mundo. O movimento fracassaria, reprimido pela ditadura de Getúlio.
Higino foi preso e condenado a dois anos de prisão em Fernando de Noronha – conseguiu fugir e, com a mulher, Cleonice, viveu meses escondido, na clandestinidade, no interior de Goiás. Waldemar continuou na militância. Tinha 23 anos. A casa onde morava a família, no Parque Peruche, Zona Norte de São Paulo, mantinha a porta de trás constantemente aberta à noite para que ele pudesse entrar, sorrateiramente, sem perigo – ou então fugir sem ser visto. Em novembro de 1935, o levante comunista que se espalhara por Natal, Recife e Rio de Janeiro – liderado pela ANL, que tinha como comandante Luís Carlos Prestes – foi derrotado em um episódio que seria conhecido, de modo pejorativo, como a Intentona Comunista. Eis como o escritor Henrique Matteucci, no livro O Galo de Ouro, narrou aquele momento no seio dos Zumbano-Jofre: “Novembro amanheceu com bandeiras vermelhas penduradas nos fios de eletricidade. Os jornais trouxeram notícias estarrecedoras do Rio e Recife, e a burguesia pôs-se a tremer. Em São Paulo, a polícia prendeu a torto e a direito. Bastava ser operário para ser suspeito. Os Zumbano eram mais do que suspeitos. Estavam na mira da polícia, que já andava também no rastro de Waldemar. Quando a ação comunista agitou o país, Angelina estava grávida de três meses”.
Waldemar seria preso. Ficou dez dias na cadeia. Libertado, porque não o identificaram como militante comunista, saiu de São Paulo a caminho de Minas Gerais, decidido a sumir do mapa. Mas o que fazer para ganhar dinheiro e sobreviver? Como desenhava muito bem, no belo paradoxo de mãos afeitas a calçar luvas e lápis, a cada parada se oferecia para pintar cartazes dos filmes que estreavam nas salas de cinema mudo. Essa era a atividade diurna. Nas tardes, montava um ringue de boxe, com cordas que levava nas malas, e se lançava a desafios contra pugilistas locais, cobrando ingressos. Não podia, é claro, circular com o nome real, com a polícia ao encalço – tratou, então, de inventar um pseudônimo, emprestado de um boxeador austríaco: “Frank Eder”.
Aristides, que nunca se envolvera com política, também seria preso no início de 1936. Solto, não parava de esbravejar, a seu feitio – contra os tiras, contra o governo e um pouco contra os cunhados, embora nunca os reprimisse pela postura ideológica. Em 26 de março de 1936, Angelina acordou o marido de madrugada.
– Aristides, Aristides, é agora, vá buscar Dona Rosa (a parteira).
Naquela manhã nasceria um menino.
– “Um menino, você ouviu, Angelina? Um machito”, disse Aristides, com seu português com sotaque de quem nascera na Argentina.
– Como é mesmo o nome que o Waldemar usa no boxe, para não ser preso?
– Frank. Frank Eder.
– Frank é meio esquisito. Nosso menino será então Éder.
E então o mundo conheceria Éder Jofre, o maior peso galo de todos os tempos, filho do boxe e da política. Ele foi um dos grandes nomes do pugilismo, um brasileiro que, no auge, tinha o tamanho de Pelé.