Clique e Assine VEJA por R$ 9,90/mês
Continua após publicidade

Joaquim Gonçalves Lêdo: “ Assaz te conheci, demasiado te servi”

O Brasil, no meio das nações independentes, e que falam com exemplo de felicidade, não pode conservar-se colonialmente sujeito a uma nação remota e pequena

Por Da Redação Atualizado em 4 jun 2024, 12h20 - Publicado em 3 set 2022, 07h00

O texto a seguir faz parte da edição especial de VEJA em torno dos 200 anos da independência. A ideia é tratar as notícias como seriam publicadas naquela semana de 7 de setembro de 1822 – tudo o que viria a ocorrer depois, portanto, ainda não aconteceu. É um passeio histórico ao cotidiano de dois séculos atrás.

Senhor! A natureza, a razão e a humanidade, este feixe indissolúvel e sagrado, que nenhuma força humana pode quebrar, gravaram, no coração do homem, uma propensão irresistível para, por todos os meios e com todas as forças em todas as épocas e em todos os lugares, buscarem ou melhorarem o seu bem-estar. Esse princípio tão santo como a sua origem, e de centuplicada força quando aplicado as nações, era de sobra para o Brasil, esta porção preciosa do globo habitado, não acedesse à inerte expectação de sua futura sorte, tal qual fosse decretada longe de seus lugares e no meio de uma potência (Portugal) que deveria reconhecer inimiga de sua glória, zelosa de sua grandeza, e que bastante deixava ver pelo seu Manifesto às nações que queria firmar a sua ressurreição política sobre a morte do nascente Império Luso-Brasileiro, pois baseava as razões de sua decadência sobre a elevação gloriosa deste filho da América — o Brasil.

Se a esta tão óbvia e justa consideração quisesse juntar a sua dolorosa experiência de 308 anos, em que o Brasil só existira para Portugal para pagar a tributos que motivos não encontraria na cadeia tenebrosa de seus males para chamar a atenção e vigilância de todos os seus filhos a usar da soberania que lhe compete, e dos mesmos direitos de que usara Portugal e por si mesmo tratar de sua existência e representação política, da sua prosperidade e da sua constituição? Sim, o Brasil podia dizer a Portugal: “Desde que o sol abriu o seu túmulo e dele me fez saltar para apresentar-se ao ditoso Cabral a minha fertilidade, a minha riqueza, a minha prosperidade, tudo te sacrifiquei, tudo te dei, e tu que me deste? Escravidão e só escravidão. Cavavam o seio das montanhas, penetravam o centro do meu solo para te mandarem o ouro, com que pagavas às nações estrangeiras a tua conservação e as obras com que decoras a tua majestosa capital”.

Mudavam o curso dos meus caudalosos rios para arrancarem de seus leitos os diamantes que brilham na coroa do monarca; despiam as minhas florestas para enriquecerem a tua grandeza, que, todavia deixava cair das enfraquecidas mãos… E tu que deste? Opressão e vilipêndio! Mandavas queimar os filatórios e teares, onde minha nascente indústria beneficiava o algodão para vestir os meus filhos; negavas-me a luz das ciências para que não pudesse conhecer os meus direitos nem figurar entre os povos cultos; acanhavas a minha indústria para me conservares na mais triste dependência da tua; desejavas até diminuir as fontes da minha natural grandeza e não querias que eu conhecesse o Universo senão o pequeno terreno que tu ocupas. Eu acolhi no meu seio os teus filhos a que doirava a existência e tu me mandavas em paga tiranos indomáveis que me laceravam.

Agora é tempo de reempossar-me de minha Liberdade; basta de oferecer-me em sacrifício as tuas interessadas vistas. Assaz te conheci, demasiado te servi… — os povos não são propriedade de ninguém. Talvez o Congresso de Lisboa no devaneio de sua fúria (e será uma nova inconsequência) dê o nome rebelião ao passo heroico das províncias do Brasil a reassunção de sua soberania desprezada; (…) é mister declarar rebelde a Justiça, que não autoriza usurpação, nem perfídias; é mister declarar rebelde o próprio Portugal, que encetou a marcha de sua monarquia, separando-se de Castela; é mister declarar-se rebelde a si mesmo (esse Congresso), porque se a força irresistível das coisas prometia a futura desunião dos dois Reinos os seus procedimentos aceleraram esta época, sem dúvida fatal para outra parte da nação que se queira engrandecer.

Continua após a publicidade

O Brasil, elevado à categoria de Reino, reconhecido por todas as potências e com todas as formalidades que fazem o direito público na Europa, tem inquestionavelmente jus a reempossar-se da porção de soberania que lhe compete, porque o estabelecimento da ordem constitucional é negócio privativo de cada povo.

A independência, Senhor, no sentido dos mais abalizados políticos, é inata nas colônias, como a separação das famílias o é na Humanidade.

A natureza não formou satélites maiores que os seus planetas. A América deve pertencer à América, e Europa à Europa, porque não debalde o Grande Arquiteto do Universo meteu entre elas o espaço imenso que as separa. O momento para estabelecer-se um perdurável sistema, e ligar todas as partes do nosso grande todo, é este…

O Brasil, no meio das nações independentes, e que falam com exemplo de felicidade, não pode conservar-se colonialmente sujeito a uma nação remota e pequena, sem forças para defendê-lo e ainda para conquistá-­lo. As nações do Universo têm os olhos sobre nós, brasileiros, e sobre ti, Príncipe!

Continua após a publicidade

Cumpre aparecer entre elas como rebeldes ou como homens livres e dignos de o ser. Tu já conheces os bens e os males que te esperam e à tua posteridade. Queres ou não queres? Resolve, Senhor!

*Joaquim Gonçalves Ledo é jornalista e líder maçom, fundador do jornal Revérbero Constitucional Fluminense

Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2022, edição especial nº 2805

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.