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Saúde

Vida saudável com diabetes

Novos tratamentos e dietas trazem um olhar mais otimista para a doença; em depoimentos, anônimos e famosos contam como convivem bem com a enfermidade

por Fernanda Bassette Atualizado em 22 jun 2018, 00h17 - Publicado em
1 jun 2018
06h00

Mal silencioso, o diabetes atinge entre 12 e 14 milhões de brasileiros. O diagnóstico, no entanto, não é mais uma sentença de falta de qualidade de vida. “Trata-se de uma doença crônica, progressiva, sem cura, mas possível de ser controlada para que a pessoa tenha uma vida saudável e absolutamente normal”, afirma o endocrinologista Augusto Pimazoni Netto, coordenador do Grupo de Educação e controle do Diabetes do Hospital do Rim e Hipertensão, instituição ligada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Existem basicamente três tipos da doença: o diabetes tipo 1, que normalmente é diagnosticado na infância e adolescência. Representa cerca de 10% dos pacientes e trata-se de uma reação autoimune do corpo, que passa a atacar as células do pâncreas. Assim, o órgão deixa de produzir a insulina — hormônio que leva a glicose (o açúcar dos alimentos) do sangue ao interior das células para ser transformada em energia.

O diabetes tipo 2 normalmente é diagnosticado na pessoa adulta, em geral após os 40 anos, e costuma estar associado à obesidade e ao sedentarismo. Envolve os outros 90% de pacientes. O excesso de gordura no organismo causa uma resistência à insulina, dificultando o trabalho do pâncreas, que pode entrar em colapso.

Por fim, existe o diabetes gestacional, que costuma surgir na gravidez em mulheres com predisposição. Pode persistir ou não depois do parto e atinge até 25% das grávidas.


O que ocorre no corpo do diabético

Quando os alimentos são ingeridos, o pâncreas é estimulado a produzir insulina, hormônio essencial para o metabolismo dos carboidratos. Todo carboidrato será transformado em glicose. A insulina é quem transporta a glicose pelo sangue e a carrega para dentro das células, onde será transformada em energia. A insulina funciona como uma “chave”, que abre a porta da célula para a entrada da glicose.
Quando os alimentos são ingeridos, o pâncreas é estimulado a produzir insulina, hormônio essencial para o metabolismo dos carboidratos. Todo carboidrato será transformado em glicose. A insulina é quem transporta a glicose pelo sangue e a carrega para dentro das células, onde será transformada em energia. A insulina funciona como uma “chave”, que abre a porta da célula para a entrada da glicose. (Arte/VEJA)
No diabetes tipo 1, o pâncreas deixa de produzir insulina, o que impede que a glicose chegue às células. Desta forma, elas ficam sem ‘combustível’ para produzir energia.
No diabetes tipo 1, o pâncreas deixa de produzir insulina, o que impede que a glicose chegue às células. Desta forma, elas ficam sem ‘combustível’ para produzir energia. (Arte/VEJA)
No diabetes tipo 2, o excesso de gordura no organismo prejudica a ação da insulina, o que faz com que a glicose não entre na célula para produção de energia. Nesse momento, o pâncreas percebe a dificuldade e começa a produzir mais insulina, até ficar sobrecarregado e começar a falhar.
No diabetes tipo 2, o excesso de gordura no organismo prejudica a ação da insulina, o que faz com que a glicose não entre na célula para produção de energia. Nesse momento, o pâncreas percebe a dificuldade e começa a produzir mais insulina, até ficar sobrecarregado e começar a falhar. (Arte/VEJA)

O diagnóstico de diabetes é feito por meio do exame de sangue. O mais comum é a glicemia de jejum, que mostra o índice de açúcar no sangue naquele momento. No entanto, o exame mais recomendado e seguro é o de hemoglobina glicada, que apresenta uma “fotografia” do perfil glicêmico dos últimos 90 dias. É considerado diabético o paciente que apresentar uma glicemia de jejum maior do que 126 mg/dl ou a hemoglobina glicada maior do que 7%.

Esse tipo de acompanhamento é fundamental. Estudos apontam que apenas 60% das pessoas sabem que têm diabetes. Acredita-se que só metade dos pacientes apresentam sintomas claros, como excesso de sede, aumento do volume urinário e perda de peso repentina. A outra metade, quando percebe, é tarde demais e já está com alguma complicação instalada. Saber que tem a doença é o primeiro passo para iniciar os cuidados necessários.

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Causas

Novos estudos apontam para origens e razões que levam a pessoa a desenvolver diabetes

Pesquisadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) publicaram recentemente no jornal da International Diabetes Federation os resultados de um estudo pioneiro no mundo, que avaliou a ancestralidade genômica dos pacientes com diabetes tipo 1 para tentar descobrir a origem do gene que predispõe a doença.

O estudo inédito no mundo fez uma análise genética de 1.760 diabéticos tipo 1 do Brasil inteiro — um país altamente miscigenado. A pergunta que os pesquisadores queriam responder é: de onde vem o gene responsável pela doença? Os pesquisadores concluíram que quanto maior a ancestralidade europeia da pessoa, quanto mais branco geneticamente era o paciente, maior o risco de desenvolver diabetes tipo 1.

Essa questão da ancestralidade foi observada inclusive nos pacientes que se autodeclararam negros ou pardos. Segundo a professora da Uerj Marilia de Brito Gomes, pesquisadora do CNPq e da Faperj e responsável pelo estudo, mais de 50% dos diabéticos que se declararam pardos e 39% dos que disseram ser pretos possuíam ancestralidade europeia.

Na pesquisa não foi encontrado nenhum paciente negro com ancestralidade 100% africana. “Não existe mais negro puro no Brasil. Já miscigenou muito, e eles tem um percentual importantíssimo de ancestralidade europeia. Agora queremos descobrir se tem algum fator ambiental que aumente o risco para a doença”, destacou a professora.

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Os pesquisadores concluíram que quanto maior a ancestralidade europeia da pessoa, quanto mais branco geneticamente era o paciente, maior o risco de desenvolver diabetes tipo 1

Na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o Laboratório de Investigação Clínica e Resistência à Insulina (LICRI) está pesquisando outra linha inédita para entender o diabetes tipo 2: a influência da microbiota do intestino na obesidade e, consequentemente, nos casos de diabetes. A microbiota são os vírus e bactérias que vivem no intestino, e os pesquisadores já descobriram que a microbiota de obesos e diabéticos é diferente daquela encontrada em pessoas saudáveis.

Segundo o professor Mario Saad, coordenador do laboratório, o grupo está buscando entender a obesidade e o diabetes dentro de um processo evolutivo, já que há 50 anos praticamente não havia pessoas obesas. Eles observaram que, uma alimentação saudável e baseada na dieta do Mediterrâneo (leia mais abaixo), por exemplo, melhora a microbiota intestinal, reduzindo os riscos de a pessoa se tornar obesa e de desenvolver o diabetes.

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“Observamos claramente uma relação de causa e efeito. Uma boa alimentação altera a microbiota e ajuda a prevenir a obesidade. Agora, qual o mecanismo no organismo que faz isso? Isso ainda não entendemos, e é isso que buscamos responder”, afirmou o professor.

Se comprovada mesmo essa influência da microbiota no desenvolvimento da obesidade e do diabetes, uma das alternativas no futuro seria fazer o transplante de microbiota (o mesmo que o transplante de fezes), que nada mais é do que transferir a microbiota de um paciente saudável para um que esteja engordando para melhorar o seu intestino.

“Você extrai o DNA das fezes saudáveis, separa as bactérias fundamentais para o organismo e as infunde no paciente obeso por meio de uma sonda. A ideia é que isso ajude a repovoar o intestino com bactérias boas. O transplante é uma possibilidade, mas ainda vai demorar um tempo até chegarmos lá. O importante é que as pesquisas continuam”, afirmou Saad.

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Alimentação

Boa dieta pode ser responsável por 50% do sucesso no tratamento do diabetes

Por ser uma doença crônica multifatorial, o tratamento do diabetes envolve três frentes: alimentação balanceada, exercícios físicos e medicamentos. E, ao contrário do que possam imaginar, a dieta de uma pessoa com diabetes não precisa ser diferente daquela de pessoas sem a doença. Uma boa alimentação, baseada especialmente na dieta do Mediterrâneo (que basicamente inclui o consumo regular de azeite, peixes, oleaginosas, frutas, legumes e grãos integrais), pode ser responsável por 50% do sucesso do tratamento do diabético.

“É importante destacar que a dieta pode contribuir para o desenvolvimento da doença ou para o tratamento dela. Por se tratar de uma doença sem cura e progressiva, uma boa alimentação é capaz de reduzir a velocidade do desenvolvimento do diabetes e, consequentemente, reduzir as complicações associadas à doença”, afirmou Dennys Ésper Cintra, professor de Nutrigenômica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Dietas existem várias — umas subtraem algum alimento do cardápio, outras priorizam determinados nutrientes —, mas sempre restringem algo da alimentação, o que nem sempre funciona a longo prazo. A dieta do Mediterrâneo, ao contrário, não restringe nada. Ela contém poucos açúcares e uma boa quantidade da chamada “gordura saudável”, valorizando o consumo de integrais, peixes frescos e azeite de oliva.

Estudo realizado na Itália em 2016 com grupos de diabéticos tipo 2 recém-diagnosticados comprovou que a dieta do Mediterrâneo foi mais eficiente do que aquelas que restringiam o consumo de gorduras ao máximo de 30% das calorias diárias. Ao final de 8 anos de acompanhamento, os resultados mostraram que os que seguiram a dieta mediterrânea controlaram melhor as taxas de glicemia, mantendo os níveis de hemoglobina glicada (exame que faz uma fotografia dos índices glicêmicos nos últimos 90 dias) menores do que o outro grupo. Outro dado que chamou a atenção foi que 15% dos pacientes do grupo da dieta mediterrânea conseguiram entrar em remissão e ficar livres do medicamento por pelo menos um ano, contra apenas 5% do outro grupo.

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Segundo o professor Cintra, há uma série de alimentos que devem ser evitados pelos diabéticos, entre eles a gordura saturada (presente nas carnes, especialmente na carne vermelha — é aquela gordura da picanha, por exemplo), o leite integral, por possuir muita gordura, manteiga, por também ser rica em gordura saturada, além de bolachas muito salgadas.

Outro alimento que deve ser evitado é o açúcar — o diabético deve banir o açúcar branco e refinado, que está pronto para ser absorvido pelo organismo. É recomendado consumir o produto menos processado, como o mascavo ou o demerara. “No mascavo, o primeiro após o processamento da cana, não há apenas açúcar. Ele é rico em vitaminas e minerais”, afirma o professor.

Segundo Cintra, a estrutura química dos alimentos forma um tipo de rede. Quanto mais processado for o alimento, mais ele perde da sua matriz original e, portanto, mais fácil ele será absorvido pelo organismo. “Por que recomendamos o consumo do arroz integral? Porque ele tem mais fibras e uma ‘capa’ que dá trabalho para ser quebrada. Assim, o organismo não consegue absorver tanto a glicose produzida”, explica. Outra dica de Cintra para uma boa alimentação é adicionar farelos de trigo, de aveia, de cevada em todas as refeições. “Os farelos são fibras que tem a capacidade de levar embora a glicose que encontrarem no intestino.”

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Outra atenção que o diabético deve ter é com relação ao consumo de carboidratos, presentes em vários alimentos (ver tabela abaixo). Cada diabético tem uma quantidade ideal de carboidratos que devem ser consumidos em cada refeição. A contabilidade é feita por nutricionistas.

Embora haja controvérsia sobre o diabético poder comer ou não determinadas frutas (por causa da quantidade de carboidratos que elas possuem), o consumo é liberado por alguns médicos. Cintra garante que não há motivos para o diabético cortar nenhuma fruta da sua alimentação, desde que o consumo seja moderado. “Não precisamos condenar a banana, a melancia ou a manga. Temos de comer de cinco a seis porções de frutas por dia, controlando apenas a parte calórica”, afirma.

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Tratamentos

Em alguns casos, cirurgia metabólica é opção com bons resultados a curto prazo

O gerente comercial Hamilton Silva Santos, de 50 anos, se submeteu à cirurgia de redução de estômago como alternativa para tratar o seu diabetes; ele mudou a alimentação, faz exercícios físicos três vezes na semana e, hoje, está livre dos remédios
O gerente comercial Hamilton Silva Santos, de 50 anos, se submeteu à cirurgia de redução de estômago como alternativa para tratar o seu diabetes; ele mudou a alimentação, faz exercícios físicos três vezes na semana e, hoje, está livre dos remédios (Heitor Feitosa/VEJA.com)

O paciente diabético tipo 1 dependerá de insulina para o resto da vida. É o chamado “insulinodependente”. Já o paciente com o tipo 2 tem à disposição vários medicamentos e deve associar a isso uma dieta balanceada com a prática de exercícios físicos. Há casos em que o doente entra em remissão — as taxas de glicemia ficam tão controladas que o remédio pode ser eliminado do tratamento.

“Houve um grande progresso, hoje temos muitos medicamentos modernos e o tratamento se tornou bem mais eficiente. Não ter complicações do diabetes está relacionado ao bom controle da doença. Com a variedade de medicações disponíveis, é possível manter uma vida normal”, afirma o endocrinologista Márcio Mancini, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e chefe do Grupo de Obesidade do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Diabetes não tem cura, mas tem controle. E com controle é possível ter uma vida normal e saudável”, afirma.

Apesar de o diabetes tipo 2 ser considerado uma doença crônica tratada basicamente por meio de remédios, alimentação saudável e exercícios físicos, ainda há um grupo de pacientes que não consegue controlar a enfermidade apenas com esses três fatores. Para eles, a cirurgia bariátrica de redução de estômago — hoje também chamada de cirurgia metabólica — acaba sendo uma opção de tratamento com bons resultados a curto prazo.

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“Se depois de dois a três anos do diagnóstico e de um acompanhamento médico rigoroso não houver melhora, e esse paciente tiver um índice de massa corpórea [IMC] entre 30 e 35, ele já tem indicação para a cirurgia”, afirma o cirurgião Ricardo Cohen, diretor do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. A recomendação da cirurgia metabólica como parte do tratamento de diabetes foi referendada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) no final do ano passado, após anos em estudo.

Entre os tipos de cirurgia de redução de estômago, o CFM decidiu que a técnica a ser usada no paciente com diabetes é o “bypass” — em que o tamanho do estômago é reduzido em 90% e é feito um desvio para conectá-lo diretamente no intestino delgado. Uma outra técnica, chamada gastrectomia vertical, pode ser usada em algumas exceções. Nenhuma outra técnica cirurgia de redução de estômago pode ser feita com essa finalidade.

A cirurgia em si é a mesma feita para o paciente obeso que precisa perder peso. Mas o que os médicos observaram ao longo dos anos é que ela também tinha impacto no diabetes, porque aumentava a concentração do GLP1, uma substância que provoca a sensação de saciedade e melhora a secreção a insulina, daí surgiram as pesquisas para que sua indicação fosse para o tratamento de diabetes também. Desde 2011 associações do mundo todo — incluindo a International Federation of Diabetes —  têm reconhecido a cirurgia metabólica como forma de tratamento do diabetes tipo 2, desde que o tratamento medicamentoso tenha falhado. Ao todo, mais de 50 instituições do mundo recomendam a cirurgia.

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Segundo Cohen, entre 80% e 85% dos pacientes diabéticos que se submetem à cirurgia entram em remissão da doença no período de cinco anos — o que significa que eles ficam livres do uso do remédio, com índices glicêmicos controlados. De acordo com o médico, trata-se de um número alto em comparação com o tratamento exclusivamente clínico: no mesmo período, apenas cerca de 20% dos pacientes não-cirúrgicos entram em remissão da doença.

Equipe do cirurgião Ricardo Cohen durante cirurgia metabólica no Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Equipe do cirurgião Ricardo Cohen durante cirurgia metabólica no Hospital Alemão Oswaldo Cruz (Lalo de Almeida/.)

O gerente comercial Hamilton Silva Santos, de 50 anos, se submeteu à cirurgia de redução de estômago como alternativa para tratar o seu diabetes, que oscilava demais e nunca estava sob controle, mesmo com a medicação em dia. Ele conta que seu processo com a doença é longo e começou há cerca de 15 anos, quando seu pai morreu e ele desenvolveu vitiligo e engordou 35 quilos. Com o passar do tempo, passou a ficar sonolento, desanimado, cansado e decidiu fazer um exame de sangue. Horas depois de sair do laboratório recebeu uma ligação de emergência: sua glicemia de jejum estava em 450 mg/dl, enquanto o máximo recomendado é até 126 mg/dl.

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Assustado, procurou o hospital para um novo exame. O resultado foi assustador: sua taxa de glicemia estava em 798 mg/dl, e seu corpo estava praticamente entrando em coma diabético, tamanha a descompensação. Foi imediatamente internado na UTI até controlar a doença.

Hamilton recebeu alta e por muitos anos tentou associar a medicação com mudanças no estilo de vida. “Mas eu não conseguia. Mesmo com remédio, a glicemia parecia uma gangorra, oscilando entre 150 e 300. Tanto que em 2012 eu sofri um infarto e aí assustei de vez”, conta. As doenças cardiovasculares são uma das principais complicações do diabetes.

Como a cirurgia ainda não era liberada no Brasil fora de protocolos de pesquisa, apenas em 2016 Hamilton teve a oportunidade de ser operado em um estudo no Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “Fui praticamente uma cobaia, fiz o método “bypass” e foi isso que salvou a minha vida”, diz Hamilton, que perdeu 33 quilos após o procedimento.

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Hoje mantém uma glicemia média de 100 mg/dl e, por enquanto, está livre dos remédios. “Tomo apenas umas vitaminas, mudei completamente a alimentação e hoje faço exercícios físicos três vezes na semana. A mudança é fabulosa.”

Mesmo com os bons resultados, não é possível falar que a cirurgia cura o diabetes. “Apesar dos resultados maravilhosos, inclusive com redução na mortalidade, não podemos falar em cura, porque o diabetes é uma doença crônica e progressiva. É perigosa que pode voltar a qualquer momento”, afirma o cirurgião.

De fato, estudo publicado no ano passado no New England Journal of Medicine, um dos jornais científicos mais respeitados do mundo, demonstrou os bons resultados da cirurgia em pacientes diabéticos em comparação com os doentes que tomaram apenas remédios, mas mostrou também a cirurgia não manteve a maioria dos pacientes em remissão depois de cinco anos de tratamento.

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Ao todo, foram monitorados 150 pacientes com diabetes tipo 2, sendo que 50 fizeram a cirurgia na modalidade “bypass”, 50 na modalidade gastrectomia vertical e 50 ficaram no tratamento medicamentoso. A idade média dos participantes era 49 anos e o IMC era inferior a 35.

Depois de cinco anos de acompanhamento, apenas 5% dos pacientes com remédios conseguiram manter a taxa da hemoglobina glicada abaixo de 6%, contra 23% dos pacientes que fizeram gastrectomia e 29% dos que fizeram o “bypass”.

Foi constatada também uma redução significativa no uso dos medicamentos, incluindo a insulina, nos dois grupos cirúrgicos em comparação ao grupo que só tomou remédio. Também houve uma diminuição maior nos índices de colesterol e de triglicérides nos dois grupos cirúrgicos.

“Houve uma melhor perda de peso entre os operados”, explica o endocrinologia Márcio Mancini, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e chefe do Setor de Obesidade do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Ele ressalta, no entanto, que a taxa de glicemia voltou a ficar alta em todos os grupos, mesmo com uso do remédio, após cinco anos. Para Mancini, a cirurgia é bem indicada para os pacientes obesos com problemas nos joelhos, coluna, ou com apneia do sono. “Caso não seja muito bem indicada, ela pode trazer uma falsa sensação de cura e provocar um relaxamento do paciente, o que pode fazer a doença voltar ainda mais forte”, avalia.

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Eu convivo

É possível, sim, manter uma vida saudável com a doença, desde que o paciente se comprometa a manter o tratamento de forma efetiva e constante

‘Só aceitei a minha condição e me adaptei. Fui aprender mais a respeito. Quando não se aceita, aí as coisas complicam’, diz o programador Wellington Cássio Faria, de 27 anos
‘Só aceitei a minha condição e me adaptei. Fui aprender mais a respeito. Quando não se aceita, aí as coisas complicam’, diz o programador Wellington Cássio Faria, de 27 anos (Heitor Feitosa/VEJA.com)

Conviver com o diabetes pelo resto da vida pode não ser a coisa mais fácil do mundo mas também não precisa ser olhado como um fardo a ser carregado. É possível, sim, manter uma vida saudável com a doença, desde que o paciente se comprometa a manter o tratamento de forma efetiva e constante. O abandono ou a falta de adesão ao tratamento prolongado é a principal razão que faz o diabetes oscilar e, muitas vezes, descompensar e provocar outras consequências, como um infarto, um problema renal ou de retina.

“Ter diabetes é uma chatice, e eu sei disso. Para convivermos bem com a doença é preciso ter um controle que envolve uma boa educação sobre a doença, motivação para continuar, adesão ao tratamento e depois a eficácia”, afirma Augusto Pimazoni Netto, coordenador do Grupo de Educação e Controle do Diabetes do Hospital do Rim e Hipertensão, vinculado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pimazoni é diabético tipo 2, perdeu mais de 30 quilos depois do diagnóstico e mantém um rígido controle sobre a doença.

De acordo com um estudo epidemiológico sobre o controle glicêmico no Brasil, apenas 10,4% dos diabéticos tipo 1 e 26,8% dos diabéticos tipo 2 mantém seu perfil glicêmico em dia. “Infelizmente a doença ainda é muito mal controlada, porque o paciente não é educado nem motivado. Mas é possível reverter isso com uma boa orientação e acompanhamento”, avalia Pimazoni.

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De acordo com o médico, a maior dificuldade é a adesão correta ao tratamento. Segundo ele, os pacientes não são educados corretamente sobre a doença e acabam desistindo ou relaxando no meio do processo. “Estima-se que 50% das doses de insulina ainda são aplicadas errado. Por que isso acontece? Porque esse paciente não recebeu orientação adequada”, diz.

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Diabético tipo 1 há menos de um ano, o programador Wellington Cássio Faria, de 27 anos, conta que teve muito medo quando foi diagnosticado e achou que nunca mais poderia comer um doce na vida. Foi internado às pressas com quadro grave de cetoacidose diabética, uma complicação que lhe causou desidratação profunda e o fez perder dez quilos.

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Ao receber alta, a primeira coisa que fez foi comprar um livro para conhecer melhor a doença. Pesquisou artigos científicos também, mas reclama ter achado pouca coisa em comparação ao diabetes tipo 2. O jovem afirma, no entanto, que tem uma vida absolutamente normal e que nada mudou. “Só aceitei a minha condição e me adaptei. Fui aprender mais a respeito. Quando não se aceita, aí as coisas complicam”, diz.

Por falta de tempo, Wellington não pratica atividades físicas com a regularidade que é recomendada, mas diz que tem total controle sobre sua alimentação. “Sempre ando com uma mochila. Nela carrego as minhas insulinas de ação rápida e de longa duração, além de frutas e balas, caso eu tenha uma hipoglicemia. Também levo bolachas salgadas para um lanchinho no meio da tarde”, relata Wellington, que almoça em restaurantes todos os dias.

Ele conta que assim que acorda já aplica as injeções com os dois tipos de insulina (nos braços, barriga ou perna) e toma o café da manhã. Depois, antes de almoçar e de jantar, aplica a insulina de novo. “São pelo menos quatro picadas por dia, mas isso pode variar de acordo com o que eu comer. Se eu comer muito carboidrato, tenho de aplicar após a refeição. E meço a glicose depois de duas horas de comer”, detalha o programador.

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Para ter total controle do seu dia, Wellington anota todas as medições de glicose — feitas por meio das tradicionais picadas no dedo. Mas ele tem o auxílio da tecnologia: anota todos os resultados em um aplicativo de celular, que automaticamente elabora gráficos e curvas de controle. Os resultados ele imprime no final do mês para mostrar para a endocrinologista.

“Quando está na hora de eu comer o aplicativo vibra, como um relógio. Além disso, faço a contagem de carboidratos. Se vou comer mais do que 30 gramas em uma refeição, por exemplo, aplico um pouco mais insulina do que o de costume. Se tenho dúvidas, consulto as tabelas na internet”, diz. Como não se adaptou às insulinas fornecidas pelo SUS, Wellington paga do próprio bolso e gasta uma média de 500 reais por mês.

O ator Danton Mello, de 43 anos, e a dona de casa Maria José Celani, de 70 anos, foram pegos de surpresa durante um exame de rotina, que apontou para ambos o diagnóstico de diabetes tipo 2. “Sempre tive a glicose meio alta, mas dentro do considerado normal. Quando recebi o diagnóstico me assustei, não sabia o que aquilo iria impactar a minha vida. Por isso resolvi ser radical e em três meses perdi 16 quilos”, conta o ator.

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Maria José conta que também teve medo ao saber que seu índice glicêmico estava próximo de 390 mg/dl, e diz que aderiu ao tratamento imediatamente, alterando sua dieta e incluindo os dois medicamentos necessários. Ao término de um mês, a glicemia já tinha baixado para 190 mg/dl. “Cortei toda massa branca, batata, mandioca, pão francês. Eu comia pão francês até durante o almoço ou janta”, lembra.

Após perder os 16 quilos e estabilizar a glicemia, Danton diz que passou a se descuidar um pouco, especialmente com a alimentação. O ator conta que sempre gostou muito de comer e que teve dificuldades para trocar a pizza pelos grelhados com salada. Diz que, em três anos, já engordou e emagreceu várias vezes — em uma delas, engordou 12 quilos por causa do trabalho — o que atrapalha um pouco o controle da doença. Ainda assim, diz que mantém o diabetes sob controle e que consegue ter uma vida normal. “Ainda tomo meus remédios e não faço exercícios, sou preguiçoso mesmo. Mas é possível viver bem com uma alimentação regrada”, diz.

‘Ainda tomo meus remédios e não faço exercícios, sou preguiçoso mesmo. Mas é possível viver bem com uma alimentação regrada’, afirma o Danton Mello – 15/05/2018
‘Ainda tomo meus remédios e não faço exercícios, sou preguiçoso mesmo. Mas é possível viver bem com uma alimentação regrada’, afirma o Danton Mello – 15/05/2018 (Gustavo Luizon/VEJA.com)

A estratégia da Maria José foi “ficar amiga” do diabetes para continuar vivendo uma vida normal. “Quando temos uma amiga, nós a tratamos bem não é? Foi o que eu fiz. Me aliei à doença para aprender a viver bem com ela”, conta. No decorrer de um ano, Maria José emagreceu 20 quilos e hoje mantém a glicemia sob controle com a ajuda da medicação, da dieta balanceada e dos exercícios físicos. Ela dá três voltas completas todos os dias no Parque da Aclimação, em São Paulo, e na cozinha adaptou o paladar doce para adoçantes.

“Até o tradicional doce de abóbora faço com adoçante, fica delicioso. Como quatro frutas por dia. Gelatina sem açúcar. Minha qualidade de vida melhorou muito depois do diabetes. Não tenho do que reclamar”, afirma.

‘Quando temos uma amiga, nós a tratamos bem não é? Foi o que eu fiz. Me aliei à doença para aprender a viver bem com ela’, diz Maria José Celani, de 70 anos
‘Quando temos uma amiga, nós a tratamos bem não é? Foi o que eu fiz. Me aliei à doença para aprender a viver bem com ela’, diz Maria José Celani, de 70 anos (Heitor Feitosa/VEJA.com)
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Primeira Pessoa

José Loreto, ator, 33 anos e diabético tipo 1 desde os 14

‘Aos poucos fui compreendendo a doença e procurei buscar o que ela me traria de bom: ela me ensinou a ser mais disciplinado, a ter uma vida mais saudável, a comer muito melhor’, conta o ator José Loreto
‘Aos poucos fui compreendendo a doença e procurei buscar o que ela me traria de bom: ela me ensinou a ser mais disciplinado, a ter uma vida mais saudável, a comer muito melhor’, conta o ator José Loreto (Heitor Feitosa/VEJA.com)

Descobri que tinha diabetes tipo 1 aos 14 anos. Estava em Natal (RN), viajando com meus pais, sentia muita sede e pedia para ir ao banheiro fazer xixi o tempo todo ao ponto de atrapalhar a viagem. Meu pai é médico e logo desconfiou que havia algo errado comigo por causa dos sintomas. Assim que voltamos para o Rio de Janeiro fiz os exames e não deu outra: minha glicemia estava altíssima, acima de 500 (mg/dl). Diagnóstico: diabetes tipo 1. Não cheguei a ficar internado, mas comecei o tratamento imediatamente.

Eu, ainda muito jovem, não tinha noção do que significava esse diagnóstico. Mas rapidamente entendi que para ter uma vida normal eu teria de cuidar muito mais da minha saúde, da minha alimentação, precisaria ter uma rotina diária de exercícios e seria obrigado a tomar insulina pelo resto da vida. Aos poucos fui compreendendo a doença e procurei buscar o que ela me traria de bom: ela me ensinou a ser mais disciplinado, a ter uma vida mais saudável, a comer muito melhor, a comer a cada três horas.

Não foi muito difícil me adaptar à nova rotina de alimentação, porque em casa a minha mãe sempre foi muito antenada com a questão da comida saudável. Nunca deixei de comer nada, só aprendi a comer melhor, como substituir o arroz branco pelo integral, comer batata doce em vez de batata frita, adicionar quinoa nas refeições, entre outras coisas. Fui melhorando meus hábitos alimentares, e o esporte, que é outra coisa fundamental para manter o diabetes controlado, já era parte da minha rotina. Pratico judô desde os cinco anos, sempre gostei de jogar tênis, basquete e outras coisas.

Nunca deixei de comer nada, só aprendi a comer melhor, como substituir o arroz branco pelo integral, comer batata doce em vez de batata frita, adicionar quinoa nas refeições, entre outras coisas

José Loreto
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A insulina eu aplico sozinho, todos os dias. É o meu remédio e eu a carrego comigo para cima e para baixo dentro de um estojo térmico. Desde os meus 14 anos nunca esqueci de aplicar. Ela faz parte da minha rotina diária — esquecer de aplicar a insulina é como esquecer de escovar os dentes. Isso não existe e já virou hábito.

Hoje a melhor forma de eu controlar minha glicemia é fazer a contagem de carboidratos dos alimentos antes de comer qualquer coisa. O diabético tem que ser bom em matemática (risos). Em geral, minha glicemia está sempre controlada, mantenho a taxa entre 70 e 140 (mg/dl). Às vezes, quando cai para menos do que 70, eu tomo um sachê de mel ou como um doce, uma bala. Isso ajuda a glicemia a voltar ao normal mais rapidamente. O diabetes é um touro domável, não é um bicho de sete cabeças.

Em todos esses anos convivendo com o diabetes nunca tive nenhum tipo de complicação, o máximo que tive foram momentos de hipoglicemia rapidamente controlados. De vez em quando ainda faço o exame da ponta de dedo para verificar o índice glicêmico, mas hoje uso um sensor, um tipo de um chip que é implantado por baixo da pele. Eu aproximo do braço um aparelho que mede o tempo todo a glicemia e ele me aponta o resultado imediatamente. É uma forma supernova de monitorar a doença. O chip tem capacidade de fazer cerca de 1.000 medições, e eu o troco a cada 14 dias. A leitura nem sempre é 100% eficaz, mas ele proporciona um conforto maravilhoso, pois evita a picada no dedo toda hora.

Penso que eu tinha duas escolhas: seguir uma vida saudável, com alimentação balanceada e prática de exercícios, o que deveria ser o normal para qualquer pessoa, ou viver uma rotina negligente, me descuidar, e ter de lidar com as complicações do diabetes a qualquer momento. Uma hora ia “dar ruim”. Desde os meus 14 anos escolhi a primeira opção e botei na cabeça que eu ia tirar o lado bom dessa complicação. Vambora que a vida não para.

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Mitos e verdades

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