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Brasil

KISS, 5 ANOS DE IMPUNIDADE

por Silvio Navarro e Marilice Daronco, de Santa Maria Atualizado em 19 jan 2018, 12h00 - Publicado em
19 jan 2018
12h00

Um pedacinho de papel colado à mesa redonda no salão central da boate Kiss, na cidade gaúcha de Santa Maria, ainda avisa que a reserva havia sido feita em nome de Thais. Talvez fosse Thaís Zimmermann Darif, que morreu naquela madrugada de 27 de janeiro de 2013. Ou talvez Taís da Silva Scaphin de Freitas, ou mesmo uma das duas outras Taíses, a Silveira e a dos Santos, todas elas vítimas da tragédia. Uma mesa contígua foi separada para Rafael — o de Oliveira Dornelles, o Dias Ferreira, o Nunes de Carvalho ou o Quilião de Oliveira? Não se sabe, talvez nunca se saiba.

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(Jonne Roriz/VEJA)

A curta história de vida de todos eles, jovens com idade em torno de 20 anos, menos até, parou ali, nas mesas, na boca do palco, no exato instante em que o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos, da banda Gurizada Fandangueira, entoava o refrão do sucesso Amor de Chocolate: “Um, dois, três, quatro / Pra ficar maneiro eu jogo o clima lá no alto / Alto, em cima!”. A mão direita no microfone, com a esquerda ele acendeu um sputnik, como é chamado o sinalizador apropriado para ambientes festivos abertos, comumente apontado para o alto, como recomendava a canção. Passava das 2h30 da madrugada. O teto da discoteca, rebaixado e revestido com forro acústico de poliuretano para não incomodar a vizinhança, entrou em chamas em segundos. Foram 242 mortos — o incêndio mais mortífero do Brasil, depois da tragédia no Gran Circus Norte-Americano em Niterói (RJ), em 1961, que tirou a vida de 503 pessoas.

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O que restou da Kiss hoje lembra um beco escuro — e as anotações de reservas para a gurizada são como os ponteiros de um relógio interrompido na marra. A reportagem de VEJA esteve no local na terça-feira 9, durante quatro horas. Os cantos ainda acumulam os restos de fuligem da espuma que, derretida, pingou do teto e virou uma fumaça escura tóxica. Os banheiros onde mais de uma centena de jovens morreu empilhada — eles correram para ali atraídos pelas luzes de emergência colocadas na direção oposta à da saída — estão horrivelmente intactos. Ainda há vestígios do terror no piso e nos espelhos, com marcas de mãos e pés em movimento de desespero. Do lado de fora, a fachada foi coberta por tapumes de madeira para apagar a lembrança das pancadas das marretas dos voluntários que tentaram derrubar o muro para ajudar os bombeiros de plantão. Veem-se ainda as quatro letras que hoje representam um beijo de morte: K-I-S-S. Um painel, debaixo do letreiro, informa: “Justiça 242”, em referência aos que perderam a vida. À direita, o clamor: “Que não se repita”. Os moradores que sobem a Rua dos Andradas mudam de calçada quando chegam perto da boate.

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Planta da boate Kiss em 27 de janeiro de 2013, data em que mais de mil frequentadores lotaram o local. As flechas indicam que houve tumulto em direção a única saída disponível. E também mostram que uma multidão seguiu para os banheiros onde morreu. Hoje, o que restou do prédio são escombros de uma noite de pânico e horror
Planta da boate Kiss em 27 de janeiro de 2013, data em que mais de mil frequentadores lotaram o local. As flechas indicam que houve tumulto em direção a única saída disponível. E também mostram que uma multidão seguiu para os banheiros onde morreu. Hoje, o que restou do prédio são escombros de uma noite de pânico e horror (Arte/VEJA)

Ficou muito conhecida, logo depois da tragédia, uma foto em que a auxiliar de nutrição Carina Correa empunhava um cartaz com dizeres duros e precisos: “Minha filha morreu por ganância de gente corrupta”. O nome da menina, Thanise, então com 18 anos, hoje está tatuado nas costas da mãe, ao lado de um trecho da música Os Bons Morrem Jovens, da banda Legião Urbana — “Lembro das tardes que passamos juntos / Não é sempre mas eu sei / Que você está bem agora / Só que neste ano o verão acabou cedo demais”. O desabafo de Carina, bem como o clamor por escrito — “que não se repita” —, caiu num abismo de silêncio aterrador. Nada melhorou. Pior. Cinco anos depois, a impunidade é a grande marca da tragédia de Santa Maria. O poder público esqueceu os mortos da Kiss.

À exceção de três bombeiros, julgados e condenados a penas brandas por um tribunal militar, ninguém foi punido pela tragédia. Da lista de 28 responsabilizados — dezesseis deles indiciados — pela Polícia Civil, apenas quatro ainda podem ser condenados. Os demais ou não foram denunciados pelo Ministério Publico, ou a denúncia acabou engavetada, ou responderão por seus atos apenas nas esferas cível ou administrativa. Os quatro réus são: os músicos Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos, que disparou o artefato pirotécnico no palco da boate, e os antigos donos da casa, Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, e MauroLondero Hoffmann, o Maurinho. Todos eles chegaram a ser presos, mas foram soltos depois de quatro meses.

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Os quatro réus ainda podem ser condenados, mas não devem ser submetidos a tribunal do júri. Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Justiça do Estado decidiu que eles não deveriam ser enquadrados em crime doloso, aquele em que há a intenção de matar. São agora réus de crime culposo, em que não há a intenção de matar.

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