Entre curtidas e best-sellers
Jovens, que se tornaram conhecidos nas redes sociais, desafiam a velha ideia de que poesia não vende e se tornam objeto de estudo de acadêmicos
No meio do caminho de Carlos Drummond de Andrade tinha o Instagram. O poeta mineiro, talvez o mais celebrado do século XX, já não lidera a lista de livros mais vendidos de poesia nacional. Segundo a empresa de pesquisa de mercado GfK, Claro Enigma, que ocupou a primeira posição do ranking entre janeiro e agosto de 2017 – em grande parte, provavelmente, porque estava na lista de leituras obrigatórias da Fuvest, o vestibular da Universidade de São Paulo (USP) –, não repetiu o feito no mesmo período deste ano. Agora, o posto é do grupo Textos Cruéis Demais (TCD), liderado pelo jovem Igor Pires da Silva. Já o segundo lugar da lista, que no ano passado era do poeta marginal Paulo Leminski, hoje é de João Doederlein, o @akapoeta.
Foi Leminski quem chacoalhou o mercado editorial em 2013, quando seu Toda Poesia (Companhia das Letras) desafiou a velha história de que poesia não vende no Brasil, tornando-se um best-seller. Essa máxima continua a ser colocada em xeque, agora com os instapoetas, que puxaram o crescimento do gênero neste ano e ocupam cinco das dez posições do ranking de livros de poesia mais vendidos (confira a lista ao final da reportagem). “É sempre uma surpresa quando um livro de poesia vende, ainda mais entre o público jovem”, diz a editora Veronica Gonzalez, do selo Globo Alt, que lançou Textos Cruéis Demais para Serem Lidos Rapidamente em novembro do ano passado. “Achávamos que seria um livro que iria bem, mas não nessa magnitude.”
O sucesso comercial era esperado pelo selo Paralela, do Grupo Companhia das Letras, quando aceitou publicar O Livro dos Ressignificados, de João Doederlein. Bruno Porto, editor do título, lembra que o selo tem obtido resultados comerciais e de repercussão bastante favoráveis ao trabalhar com influenciadores digitais, como a youtuber Kéfera Buchmann. “A gente tinha visto que dava bastante certo lançar livros desse pessoal, porque eles mesmos divulgavam nas redes sociais deles. O projeto do João era bom e a Rupi Kaur já tinha aberto o caminho para autores como ele”, afirma.
Outros dois autores, esses brasileiros, contribuíram para que o mercado passasse a prestar atenção no que vinha sendo publicado na internet. Pedro Gabriel é uma constante na lista de best-sellers desde que lançou Eu Me Chamo Antônio, em 2013, pela Intrínseca. De lá para cá, foram mais dois livros e um total de aproximadamente 240.000 exemplares vendidos. Já Clarice Freire, da mesma editora, conta com cerca de 85.000 exemplares vendidos de Pó de Lua (2014) e Pó de Lua nas Noites em Claro (2016).
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Pedro Gabriel, que conquistou as redes ao postar mensagens e frases escritas em guardanapos, acredita que pode ter sido um precursor dos instapoetas. “Ajudei a colocar algumas pedras nesse caminho. Mostrei que uma grande editora poderia se interessar pelo trabalho que faço e que era possível fazer poesia em português e viver disso”, diz. “Você pode participar de oficinas, feiras, tudo o que faz parte da cadeia do livro. Eu vivo do que eu ganho fazendo o que eu gosto. Nunca achei que um pedaço de guardanapo que todo mundo joga fora poderia trazer o meu alimento.”
De fenômeno a tese de doutorado
Que é amplamente lida, não há dúvida. Mas será que a “instapoesia” estimula a leitura também de outros autores? Miguel Braga Vieira, professor de literatura brasileira da Universidade Estadual de Londrina (UEL), acredita que os poetas das redes sociais, como outros best-sellers, podem ter esse papel de fazer despertar o interesse do público por outras leituras. “Uma pessoa não vai se tornar leitora com Os Sertões, e sim a partir de autores que chamam mais atenção”, diz. “Um número maior de pessoas está lendo e não tem problema algum em ser poesia no Instagram, mas o legal é que eles possam passar a ler outras coisas também”, diz.
Assim como outros livros que caem no gosto popular – ou qualquer obra escrita, na verdade – os títulos dos instapoetas não são regulares: há alguns com reflexões mais e também menos aprofundadas, cuidado e conhecimento maior ou menor da linguagem. No entanto, o meio inicial de propagação do trabalho destes jovens escritores pode ser um fator decisivo na criação e temática dos poemas, algo que os diferencia dos artistas ditos tradicionais. Para o professor da UEL, pode haver certa preocupação por parte deles de agradar seu público por antecedência, respondendo a anseios de seus leitores. “São escritores que estão em busca de aumentar sua circulação. Se for pensar em arte, ela não abre tanto a mão em busca de aceitação imediata, de curtidas e seguidores”, diz Vieira, que não enxerga nessa característica algo necessariamente negativo. “Não há nada que impeça isso, e vejo o movimento com bons olhos, é um estímulo da poesia.”
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A aceitação e assimilação dos best-sellers por parte da academia é ainda um tema controverso – e que varia a cada profissional do meio e cada universidade. Mas já há ao menos um indício de que os estudiosos da literatura estão prestando atenção no fenômeno dos instapoetas. A doutoranda Layse Barnabé de Moraes, da UEL, se debruça atualmente a uma tese que parte do livro Outros Jeitos de Usar a Boca, de Rupi Kaur, para analisar o movimento recente formado também por outras escritoras que usam a poesia como meio de cura. “Ela toca em assuntos muito básicos, da vivência feminina, que não são nada delicados e sensíveis, a maneira como geralmente se lida com a literatura feita por mulheres. Ela fala de temas como abuso, o pai imigrante, ser uma mulher indiana”, afirma Layse.
O projeto ainda deve levar alguns dos poemas das escritoras, que incluem também a americana Nayyirah Waheed e a canadense Key Ballah, a mulheres em situação de vulnerabilidade – presas, que estão em asilos, órfãs e que sofreram violência sexual ou doméstica, por exemplo. A ideia da estudante é ouvir essas histórias e apresentar os poemas das autoras, propondo um ambiente de troca de vivências.
Quando o doutorado for finalizado, daqui mais ou menos quatro anos, não se sabe nem se o Instagram ainda vai estar na moda. É possível que seja outra a rede social do momento, e que poesia no Instagram seja página virada, ou também que ele continue forte, assim como os autores que a partir dele se tornaram conhecidos. Mas o fato é que jovens como Igor Pires da Silva, João Doederlein e Ryane Leão terão ao menos deixado uma marca, se pequena ou grande é impossível saber agora, no vasto mundo da poesia.
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