Eram tantas as maneiras de dar errado que mal parecia possível haver uma maneira de dar certo: quantas vezes já não fui ver a refilmagem ou a retomada de um filme sensacional do passado para sair do cinema com aquele gosto de que estragaram as minhas melhores lembranças? Acho A Chegada belíssimo, e a esta altura tenho a convicção de que ele é que deveria ter levado o Oscar deste ano. Mas nem a notícia de que o mesmo Denis Villeneuve de A Chegada e também de Incêndios, Os Suspeitos e Sicario é que dirigiria esta continuação servia como qualquer espécie de garantia; quanto mais o orçamento e a expectativa crescem, mais os estúdios interferem (ou tentam interferir) com o trabalho do cineasta, e não é raro que terminem por desfigurar o produto final. Pois uns poucos minutos depois de as luzes da sala se apagarem meu pessimismo já se desfez, e então foi completamente esquecido. Villeneuve dá a partida em Blade Runner 2049 com tanta segurança e imaginação, e toma as rédeas do mundo criado por Ridley Scott no Blade Runner original de 1982 (baseado num livro de Philip K. Dick) com tanta autoridade, que não há dúvida: este é um filme dele, do começo ao fim, como ele o quis e o concebeu. E que filme. Visualmente, é acachapante. Andando por toda Califórnia e indo até Las Vegas, em Nevada (o primeiro filme não saía de Los Angeles), K, o replicante interpretado por Ryan Gosling, descortina um futuro tão detalhado e desolador que é como estar lá, com ele, nas vastidões cinzentas onde se cultivam alimentos sintéticos, nos lixões a perder de vista, nos desertos cheios de ruínas e escombros, nos diques de concreto que seguram o mar cada vez mais alto – uma versão horrível do que um dia foram as praias. Em Los Angeles, ainda mais maciça e opressiva do que antes, e lotada de refugiados russos, chineses e africanos, chove água, como no filme de Scott, mas com mais frequência ainda chovem cinzas. É o primeiro mandamento da ficção científica, e o mais difícil de cumprir de forma integral, contínua e aprofundada: se você quer mostrar um outro mundo, é preciso que a plateia sinta estar nele, viver nele também, e respirar seu ar.
Leia esta resenha na íntegra no blog da Isabela Boscov.