Mesmo com uma vida curta marcada pela perseguição nazista, escola alemã, que completa cem anos de fundação neste 1º de abril, ainda influencia o mundo contemporâneo
Criada em 1919, a Bauhaus, mais conhecida escola de arquitetura, artes e design do mundo, existiu por apenas catorze anos. Em 1933, alvo do totalitarismo crescente na Alemanha entreguerras, foi fechada por Adolf Hitler, que acreditava, assim, cessar a propagação do que chamava de “cultura bolchevique”. O efeito foi oposto: a diáspora de alunos e professores levou descobertas e conceitos da Bauhaus para diferentes países, onde foram replicados em escolas, fábricas e cidades. Um século depois, as soluções do laboratório vanguardista frequentado pelos artistas Paul Klee e Wassily Kandinsky e o arquiteto Marcel Breuer continuam a ser reproduzidas e consumidas com entusiasmo pelo mundo capitalista, inspirando objetos tão corriqueiros quanto o smartphone.
A fundação
A Bauhaus foi fundada por um arquiteto e grande articulador chamado Walter Gropius. A Alemanha vivia uma fase de recuperação de sua economia e dignidade, levadas pela derrota humilhante na Primeira Guerra Mundial. Culto, atento e dono de uma agenda para poucos, ele propôs transformar a tradicional Escola do Grão-Duque para as Artes Plásticas de Weimar em um centro de formação “universalista”. A proposta era entregar anualmente ao Estado arquitetos, designers e artistas com a melhor formação que uma nação pode desejar, em um projeto pedagógico que conectaria, pela primeira vez, cultura e indústria. Deu certo.
Nos anos que se seguiram, Gropius reuniu os nomes mais proeminentes da criação europeia. Em pouco tempo, o diretor tinha no seu time letivo gente como o suíço Paul Klee, o soviético Wassily Kandinsky, o húngaro Lásló Moholy-Nagy e o americano Lyonel Feininger. Pintores, fotógrafos, arquitetos, cartunistas responsáveis por desenvolver a criatividade de alunos desafiados a pensar como projetistas. Para Gropius, quem desenhava uma colher era capaz de desenhar uma cidade.
O ‘medo dos vermelhos’
Acontece que o grande mérito da nova escola também guardava a razão de seu fim. A maioria dos professores – ali chamados de mestres -, e também boa parte dos alunos que se matriculavam tinham simpatia declarada pelo recém-implantado comunismo soviético. Além da afinidade política de integrantes, a Bauhaus ensinava que todo projeto deveria poder ser reproduzido em grande escala, ser livre de elementos decorativos e contribuir com o equilíbrio social.
A onda nacionalista começou a se indispor cada vez mais com os traços esquerdistas da atuação da Bauhaus. Crescia na Alemanha o “medo dos vermelhos” e também a antipatia pelos profissionais estrangeiros ocupando vagas custeadas pelo Estado, sobretudo os de origem judaica – a de alguns dos mestres da escola.
As represálias
Apesar das criações que ajudaram a colocar a indústria alemã no topo e das levas anuais de mão-de-obra de primeira qualidade, o governo cortou pela metade o orçamento da instituição pública. Gropius e parte do corpo docente entregaram seus cargos e a escola foi transferida para a cidade de Dessau cercada de desconfiança e já sofrendo represálias indiretas, como a não contratação de projetos de seus ex-alunos pela esfera pública e parte de indústrias que já apoiavam o Partido Nacional-Socialista, mais conhecido como Partido Nazista.
O arquiteto suíço Hannes Meyer substituiu Gropius em Dessau, em 1928. No edifício que é símbolo da escola – onde hoje funciona uma fundação de preservação de memória da Bauhaus, com cursos e exposições –, Meyer, que efetivamente pertencia ao Partido Comunista Alemão, voltou o ensino radicalmente para as questões sociais. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, crescia a propaganda estatal com a imagem da mulher alemã maternal e forte, que cuidaria da casa e da cidade para o marido ir à guerra. Meyer propunha que o projeto da habitação fosse pensado de forma que as tarefas fossem compartilhadas entre todos os seus moradores. Durou dois anos no cargo, saindo por pressão do governo.
O arquiteto alemão Ludwig Mies van der Rohe assumiu a terceira direção da escola decidido a salvá-la. Para isso, orientou os professores remanescentes a estimular mais a autoria, deixando de lado, assim, criações sociais, em uma maneira de blindar alunos e mestres da mira política do Estado. A Exposição Universal realizada em Barcelona, entre 1929 e 1930, tinha levado à cidade ibérica projetos como a poltrona Barcelona, assim batizada para homenagear o evento que mostrou para o mundo o que se fazia dentro da escola sem paredes pintadas.
Era tarde. Hitler estava assumindo e uma das bandeiras de seu ministro Joseph Goebbels era a erradicação do que chamava de “arte degenerada”. Muitos dos professores e alunos estavam nessa lista. A escola foi fechada e sua sede mais importante teve o projeto deformado – com a instalação de um telhado alemão, mais tarde removido em uma restauração – para descaracterizar as linhas de influência soviética (que, de fato, existiam).
A diáspora
A diáspora foi inevitável. Mas, com elas, construções, móveis e objetos de linhas claras, geométricas e o uso mínimo de material foram a saída para a volta da produção europeia e para a indústria crescente na América. Arranha-céus de aço e vidro, moradias planejadas para ocupar o espaço reduzido, objetos leves feitos com o mínimo para funcionar e projetos para reproduzir em grande escala deram cara ao mundo moderno, do pós-guerra até os nossos dias.
Alta escala, funcionalidade e uso intuitivo, como os de um smartphone, foram valores desenvolvidos no ambiente da instituição fechada pelas “tendências bolcheviques”. Valores que foram levados a cabo e com muito mais efetividade por capitalistas como Steve Jobs, que reproduziu o minimalismo e a superfuncionalidade bauhausianas em seus gadgets. E atingiu escala e alcance social que, na Bauhaus, não se poderia nem sonhar.