Racismo é crime e pode dar pena de até quatro anos de prisão
Jornalista William Waack, flagrado dizendo frase racista, foi afastado da bancada do ‘Jornal da Globo’, mas ainda pode enfrentar um processo na Justiça
Flagrado dizendo a frase “É coisa de preto” ao se queixar de uma buzina que o incomodou dentro do estúdio, o jornalista William Waack se tornou alvo de críticas nas redes sociais e terminou afastado da bancada do Jornal da Globo, temporariamente ocupada, desde quarta-feira, por Renata Lo Prete. Mas Waack pode também enfrentar um processo na Justiça, de acordo com advogados ouvidos pela reportagem de VEJA. Racismo é crime e, a depender da interpretação do juiz, pode dar até quatro anos de prisão.
“O movimento negro hoje é bastante forte e organizado, poderia entrar com uma denúncia, junto ao Ministério Público, de dano moral baseado na questão racial”, diz a advogada Emiko Liz Ferreira, presidente da Comissão de Igualdade Racial da seção de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC).
O fato de Waack não se dirigir a uma pessoa específica, e sim ter dito uma frase genérica (“Coisa de preto”), poderia elevar a punição, segundo Emiko. “Ele não se dirigiu a ninguém. É mais grave. O crime de injúria racial é aquele dirigido a alguém, tem menor poder ofensivo e prevê penas alternativas: cesta básica, multa em geral de um salário mínimo, paga ao Conselho Penitenciário. Isso acaba não compensando a vítima de forma nenhuma”, diz Emiko.
“Já o crime de racismo é aquele que é voltado a todos de uma raça. Com base no Estatuto da Igualdade Racial, a pena é de prisão, em média de quatro anos”, continua a advogada. “Se o Ministério Público o denunciar, o William Waack pode ser julgado por uma vara criminal e ir para a prisão.”
A Globo também pode ser responsabilizada pelo crime, já que ele ocorreu dentro do ambiente de trabalho. “Enquanto empresa, a Globo tem o que a gente chama de responsabilidade objetiva. Ela é responsável por tudo o que os funcionários fazem. Como é uma injúria dirigida a toda uma categoria, a Globo poderia ter de indenizar, direcionando um valor para um fundo, qualquer entidade que vá beneficiar a comunidade atingida. Depois, ela poderia entrar com uma ação regressiva para que ele restituísse o valor pago.”
A advogada Patrícia Peck Pinheiro, especializada em direito digital, corrobora Emiko. “A cena se deu dentro do ambiente de trabalho e durante o exercício da função, por isso pode ser enquadrada no artigo 932 do Código Civil, no qual o empregador também é responsável pela conduta de seu funcionário.”
Para Patrícia, esse seria um dos motivos que levaram a Globo a agir com rapidez no caso. Waack foi afastado do telejornal que ancorava sete horas após o vazamento do vídeo. Além disso, diante da repercussão negativa da cena nas redes sociais, a emissora pode ter procurado preservar a sua imagem.
“A demora para tomar uma atitude nesses casos pode levar o público a acreditar que a empresa concorda com o ato do funcionário e isso pode interferir até na relação com os patrocinadores”, explica. “Hoje em dia, com a força da internet e a rapidez com que as redes espalham uma notícia, o RH já deve trabalhar com prevenção, fazendo um trabalho de varredura para ver o problema chegando desde o início. Uma das formas mais comuns de fazer isso é estabelecer um código de conduta para os funcionários.”
Ronaldo Lemos, advogado especialista em direito digital e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, concorda que a internet força as empresas a responder rapidamente e à altura. “É uma tendência mundial, como vemos em casos como o do Harvey Weinstein e do Kevin Spacey”, lembra. “Você é responsável pelas decisões que toma e está em permanente diálogo com indivíduos que irão julgar suas ações.”
Para ele, as redes sociais exigirão cada vez mais transparência de todos. “Cada vez mais será difícil guardar segredos, tanto para pessoas famosas como para desconhecidos.”