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Leandro Hassum: “Eu estava perto da morte”

Com um novo talk show no ar, o comediante conta como se reinventou depois da cirurgia que fez dele o ex-obeso mais famoso da televisão

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 set 2019, 10h16 - Publicado em 20 set 2019, 06h30

Como protagonista dos três filmes da franquia Até que a Sorte Nos Separe, Leandro Hassum levou mais de 10 milhões aos cinemas entre 2012 e 2015. O auge da sessão se dava quando o humorista, que completa 46 anos no próximo dia 26, fazia piada usando um incontornável atributo: sua pança. Cinco anos depois de ser submetido a uma cirurgia bariátrica que o fez perder quase 60 dos seus 150 quilos, Hassum garante que aquele trunfo da comédia foi contornado. Hoje está sem contrato fixo com a Globo, na qual fez programas como Os Caras de Pau. Desde 2016 vivendo em Orlando, na Flórida, junto com a mulher e a filha de 19 anos, acaba de passar quarenta dias em São Paulo para gravar a primeira temporada do Tá Pago, novo talk show do canal TNT. Nesta entrevista, Hassum fala do antes e do depois da cirurgia de redução de estômago, rememora o trauma da prisão do pai por tráfico de drogas e opina sobre humor engajado e correção política.

Seu novo programa engorda uma área superlotada — a dos talk shows comandados por humoristas. Cabe mais um? Tem uma certa lotação, sim. Mas todo comediante um dia quer fazer talk show. E me parece que cada um está indo por um lado diferente. O Danilo Gentili é anárquico, a Tatá Werneck faz quase um show de comédia. No meu, reúno os convidados numa mesa para comer, beber drinques e conversar. Não falo de política, fujo totalmente de polêmicas.

No momento, muitos colegas seus fazem questão de falar de política. Por que fugir dela? Quando o humor toma lados de formas tão radicais como hoje em dia, o humorista deixa de ser popular. Torna-se alguém que quer impor suas ideias. Não é minha praia.

O senhor já se mostrou irritado com as reações nas redes sociais à sua cirurgia bariátrica. Os comentários ainda incomodam? Por incrível que pareça, ainda há muitas pessoas que criticam meu emagrecimento. Elas dizem que traí o “movimento” dos gordinhos. O obeso virou o novo belo, o antídoto contra a ditadura do corpo perfeito. Eu nunca fiz parte desse tal movimento. Era gordo e ponto-final. Só que pesar 150 quilos não é ser um gordinho. Para um cara de 1,79 metro, isso se chama obesidade mórbida. É uma doença.

Sua saúde estava em risco? Sim. Eu era um cara perto da morte. O obeso mórbido dorme saudável e não acorda no dia seguinte. Mas muitas pessoas ainda não entendem minha decisão, lá se vão cinco anos desde a operação, em 1º de novembro de 2014. Quando alguém me diz “Preferia você gordo” é o mesmo que dizer “Preferia quando você estava perto de morrer”. Não foi por futilidade que resolvi deixar de ser gordo. Foi por longevidade. Quero ver minha filha adulta.

COMES E BEBES – Hassum, hoje com 93 quilos, recebe convidadas no ‘Tá Pago’: ele trocou a violência carioca por Orlando (//Divulgação)

Quando teve consciência disso? Até certo momento, nenhum gordo tem consciência. Se você chegar para um cara que pesa 180 quilos e disser “Cara, por que você não opera?”, ele vai responder que é feliz assim. “Grande porcaria, eu estou com a saúde boa, meus exames de colesterol e glicose estão o.k.” Mas minha visão mudou quando fui a um churrasco na casa do André Marques, em 2014. Ele tinha feito a operação um ano antes, e foi a primeira vez que vi o André magro. Tomei um choque. André então se ofereceu para me levar ao médico dele. Eu disse que não queria, que estava bem. Mas acabei indo. Saí do consultório com a cirurgia marcada.

Nas suas comédias de sucesso no cinema, o público vibrava ao ver sua pança. O trunfo do humor físico não faz falta? Minha barriga era uma grande personagem. Agora, não posso crer que quase trinta anos de carreira se constroem sobre um pedaço de carne. Se você bota um gordo dançando, já tem 50% da piada. Mas o efeito dura um minuto. Ninguém sustenta um filme ou uma peça com a barriga. Se gordura tivesse graça, era só ir ao açougue e rir de uma picanha.

No entanto, há quem credite o menor sucesso de seus filmes recentes ao emagrecimento. Como responde a isso? Quando eu quis operar, disseram que estava louco. “Você é o gordo mais engraçado do Brasil”, afirmavam. Mas não, eu sou um ator talentoso que, por coincidência, era gordo. Já me incomodou dizerem que perdi a graça, mas aprendi a aceitar os viúvos da barriga. Logo que emagreci e comecei a mostrar meu novo estilo de vida nas redes sociais, vieram maldades do tipo: “Nossa, ele está metido, está acabado”. Respondi de forma até agressiva. A gente é humano.

Após a cirurgia, o senhor fez posts em que malhava e usava roupas justas. Emagrecer infla o ego? Malho diariamente, mas estou longe de virar muso fitness, como já disseram. A ginástica é uma forma de tratamento. E, quando a academia entrou em minha vida, a vaidade veio junto. Passei a caber numa roupa melhor, podia comprar em mais lojas. A adaptação exige paciência. Logo que operei, fui de 150 para 85 quilos. Emagreci demais. Hoje, estou com 93 quilos. Com a perda de gordura, o rosto fica chupado, e tive de fazer harmonização facial e aplicar Botox. Você precisa se reconhecer no seu corpo novo.

MARÉ-CHEIA – Em ‘Até que a Sorte Nos Separe’, com 150 quilos: “Eu estava perto da morte” (//Divulgação)

Como a prisão de seu pai por tráfico de drogas marcou sua vida? Passei por um momento de revolta aos 21 anos, quando meu pai foi preso. Vivi minha vida sem saber de nada. Achava meu pai um grande cara. De repente, em 14 de dezembro de 1994, eu me senti traído. A gente tinha uma importadora de carros e uma condição financeira muito boa. Comecei a vender salgadinhos e a trabalhar de garçom. Houve momentos em que quis esconder a mágoa. Mas, com a ajuda da análise, hoje tenho orgulho do meu pai. Ele foi tão gigante que até no erro me ensinou. Fui a última pessoa com quem ele falou antes de morrer, uma semana após a bariátrica. Ele nunca me viu magro. Vou fazer um filme sobre o que vivi.

Seu irmão também foi preso, por estelionato, em 2016. Desculpe, desse cara eu não falo. Para mim, ele não existe mais. Não tenho irmão.

A insegurança pesou na sua decisão de se mudar do Rio para os Estados Unidos? Graças a Deus, nunca tive nenhum problema com a violência. Mas sou pai de uma filha de 19 anos, que na época começava a querer zoar na noitada, e entrei em pânico. Andava de carro blindado, mandava segurança acompanhá-la. Eu tinha medo até da rua que pegava para ir da minha casa, na Barra da Tijuca, ao trabalho no Projac. Meu condomínio foi assaltado logo depois que me mudei para a Flórida. Mas é canalhice dizerem “Ah, o Hassum abandonou o Brasil”. Nada. Tenho casa no exterior desde 2010, tenho Green Card e negócios lá, mas passo períodos longos aqui a trabalho.

O senhor está entre aqueles que acham que a correção política vai matar o humor? Não concordo com isso, não. A turma diz que é mimimi, mas a esta altura não dá mais para sacanear minoria nenhuma. Nós, humoristas, precisamos nos reinventar, mostrar que sabemos fazer humor sem ofender. Não satirizo gay nem mulher. É cafona. Mas, como ex-gordo, ainda tenho direito a uma licença poética para falar da categoria, né?

Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2019, edição nº 2653

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