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Como a volta de Sandy & Junior se tornou a maior turnê da história do país

Ao dar vazão a uma forma peculiar de saudosismo, retorno da dupla aos palcos, que entra na reta final, vende 500.000 ingressos e fatura 35 milhões de reais

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Eduardo F. Filho Atualizado em 4 jun 2024, 15h26 - Publicado em 11 out 2019, 06h00

Na noite de 24 de agosto, a engenheira Luciane Medeiros contabilizava nove meses de gravidez. O parto de seu segundo filho poderia acontecer a qualquer hora: a futura mãe, de 33 anos, já havia tido contrações e deveria permanecer em repouso. Mas ela foi tomada por um desejo: queria ir, com barrigão e tudo, a um show da turnê Nossa História, que marca o revival da dupla Sandy & Junior. “Pedi ao meu bebê que aguentasse mais alguns dias, pois precisava ir ao show”, conta. Contra a vontade da médica e do marido, Luciane foi à arena Allianz Parque, em São Paulo, juntando-se a milhares de pessoas — na maioria, mulheres acima da faixa dos 30 anos que entram em frenesi cantando refrões como “Vamos pular, vamos pular” — para matar a saudade do pop fofinho dos filhos do sertanejo Xororó. “Dancei só um pouquinho, fiquei sentada quase todo o show”, afirma. Ela saiu do estádio à 1 da madrugada — às 9 da manhã, deu à luz um menino. “Se ele tivesse nascido durante o evento, eu daria a ele o nome de Durval.” Para alívio do marido, que era contra, Bruno nasceu um dia depois — e não ganhou o primeiro nome de Junior, ídolo da mãe.

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A aventura de Luciane é um resumo impressionante — mas não de todo incomum — do furor coletivo que possuiu os órfãos de Sandy & Junior. Os shows que marcaram seu retorno foram anunciados em março. Quando a dupla iniciou o périplo por onze capitais, em 12 de julho, as previsões mais otimistas se revelavam modestas — a própria Sandy achava que os interessados em rever os irmãos cantando pérolas como Imortal (“O que é imortal / Não morre no final”) lotariam, no máximo, um Credicard Hall, casa paulistana com capacidade para 7 000 espectadores. Passados quase sete meses, foram 35 milhões de reais de faturamento e mais de 500 000 ingressos vendidos — ou seja, setenta vezes a lotação de um Credicard Hall. Depois de se estender a Nova York e Lisboa, a turnê ganhou duas datas extras em São Paulo, neste sábado, 12, e domingo, 13. E deverá se encerrar no Rio, em 9 de novembro.

No espaço de três meses, eles farão quatro shows com lotação esgotada no Allianz, onde cabem cerca de 45 000 espectadores — Paul McCartney, recordista do estádio, fez um show a mais lá, mas levou cinco anos para chegar a tanto. De Roberto Carlos a Ivete Sangalo, nunca um artista nacional teve vendas tão rápidas — e em escala tão monumental. Para quem se estapeou sem êxito nas filas reais e virtuais para comprar ingressos, o jeito foi apelar ao câmbio negro, pagando preços entre 1 000 e 3 000 reais. Os acessos às canções da dupla na plataforma Deezer aumentaram dez vezes depois do anúncio da volta.

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PAIXÃO SEM FIM – A dupla na infância, com a mãe, Noely, e o pai, o sertanejo Xororó (no destaque); na foto maior, da esquerda para a direita, as fãs paulistanas Luciane Medeiros, Marisa da Silva, Amanda Wohl, Natália Tomé e Michele Alves: uma delas enfrentou obstáculos como pisar em cocô de vaca pelo amor aos ídolos — e outra não hesitou em ir ao show às vésperas de dar à luz (Egberto Nogueira/.)
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O bacilo que causou a febre Sandy & Junior tem nome: nostalgia represada. A dupla iniciou suas atividades em 1989, quando Sandy tinha 6 anos e Junior, 5. Impulsionados pela fama do pai, Xororó, e por um programa na Globo, os dois tornaram-se uma força notável do showbiz brasileiro e venderam mais de 20 milhões de discos e DVDs. Mas, ao encerrarem as atividades, em 2007, já não exibiam o mesmo fôlego. Lançaram um disco em inglês que foi um fracasso — nos Estados Unidos, não passou de 650 o número de cópias vendidas. No mercado nacional, estima-se que seus últimos CDs tenham vendido cinco vezes menos que os anteriores. Agora, Sandy & Junior são beneficiados pelo mes­mo efeito que explica fenômenos como a série Stranger Things: em momento de crise econômica, as pessoas buscam um porto seguro nas lembranças de um passado idílico. Tempos que elas têm ilusão de ter sido melhores do que foram de fato — como é o caso das canções da dupla.

Depois que o show dos irmãos começou a micar, eles tentaram se reinventar em carreiras-solo. Sandy queria algo mais que cantar versões de sucessos internacionais. “Ela disse que não se importava de se apresentar para 2 000 pessoas, contanto que pudesse mostrar seu repertório autoral”, lembra-se José Antonio Eboli, ex-presidente da Universal. Junior mostrou talento como produtor, montou a banda de rock Nove Mil Anjos, foi curtir baladas eletrônicas e tomou um misterioso chá de sumiço dos holofotes durante alguns meses. Os esforços de ambos não colaram.

A dinâmica geracional ajuda a explicar os altos e baixos da relação do público com Sandy & Junior. Para as fãs originais, então na infância ou adolescência, Sandy era exemplo de boa moça. Como ela continuou igualzinha e suas fãs cresceram, passou a ser vista como “careta” e foi trocada por estrelas como Rihanna. Com a turnê de retorno, aquelas antigas fãs, transformadas em mães e profissionais, reconectaram-se com a paixão da juventude. O caso da enfermeira Natália Tomé, 34, explicita bem isso. Na adolescência, ela entrou numa furada para ver seus ídolos num rodeio: “Corri para alcançar o carro deles, pulei cercas e acabei atolando meus pés em cocô de vaca”, narra. Agora, fez questão de comprar o ingresso mais caro de um dos shows. “Um integrante da banda viu meu fascínio pela bateria do Junior e me deixou sentar no banco. E segurei as mesmas baquetas que ele usou no show”, afirma. Amanda Wohl, 33, foi tão obcecada por Sandy que seguiu sua profissão: é aspirante a cantora. “Fui a primeira a entrar no Allianz no primeiro show deles em São Paulo”, diz. Amanda e o namorado passaram a noite em uma barraca na porta do estádio para ela realizar seu sonho.

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A força renovada de Sandy & Junior decorre, ainda, de uma ironia da história: aquele pop açucarado que eles faziam virou referência, curiosamente, para uma leva de artistas atuais. Sua influência é nítida nas letras românticas (e escapistas) de Anavitória e do trio Melim (aliás, formados por irmãos). “Eu era apaixonada pela Sandy”, diz Ana Caetano, da dupla Anavitória. “São seres humanos gigantes, profissionais e inspiradores”, completa Diogo Melim.

No show atual, a parafernália de efeitos e as coreografias chamam atenção. A dupla faz ligeiras alterações no repertório: no dueto de Maria Chiquinha, por exemplo, trechos da letra original considerados hoje machistas acabaram limados. De resto, contudo, ver Nossa História é como embarcar numa viagem a um tempo colorido e estranhamente congelado. É essa força capaz de atrair fãs como a empresária Marisa da Silva, 39, que deixará de acompanhar a filha numa festa de 15 anos para ir ao show paulistano do domingo. “Ela não está nada feliz, quase não fala comigo, mas entenderá no futuro”, diz Marisa. Como explicar às pessoas, no futuro, que um dia tanta gente foi tão longe pelo amor a Sandy & Junior?

Publicado em VEJA de 16 de outubro de 2019, edição nº 2656

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