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Quase metade dos alunos com deficiência não tem apoio educacional no Brasil, diz estudo

Só 20% das escolas oferecem atendimento educacional especializado e revela desigualdades regionais, com 568 municípios sem qualquer tipo de suporte

Por Claudia Cheron König*, para The Conversation
10 out 2025, 10h00


O Brasil avançou na matrícula de crianças e adolescentes do público-alvo da educação especial (PAEE), que inclui pessoas com deficiência, estudantes no espectro autista e com altas habilidades (superdotação). Mas o passo seguinte ficou pelo caminho: o Atendimento Educacional Especializado (AEE), apoio pedagógico necessário para remover as barreiras de aprendizagem e participação desses jovens não chega a todos. Relatórios feitos em 2025, da Série Saúde e Bem-Estar na Escola – Evidências para Ação, resultado de pesquisa realizada pelo Instituto Pensi (instituição de pesquisa da Fundação José Luiz Setúbal – FJLS), mostra descompasso entre o que está na lei e o que acontece na escola.

Os microdados do Censo Escolar 2024 revelam que só 20,5% das escolas brasileiras dizem oferecer AEE. Na prática, 45,5% dos alunos que precisam de atendimento especial estão em escolas sem esse recurso — é inclusão pela metade. Além disso, o serviço está concentrado em poucas escolas: esses 20,5% de instituições atendem todos os alunos do público-alvo da educação especial (PAEE) que efetivamente recebem o apoio, ou seja 54,5%.

Desigualdades profundas

Outra característica importante é que a oferta do atendimento educacional especializado (AEE) varia conforme o território: enquanto Sul e Centro-Oeste elevam a média, com oferta desses recursos em aproximadamente 33% e 26% das escolas, respectivamente, observamos o inverso com o Nordeste (17,4%) e o Sudeste (18,1%). Há 568 municípios sem nenhum registro de atendimento educacional especializado, e mesmo onde o serviço existe, a estrutura ainda é frágil.

Distribuição nacional do atendimento especializado:

O relatório Entre a Lei e a Prática: Um retrato da oferta de AEE no Brasil revelou que 15% das escolas com atendimento educacional especializado não têm nenhum recurso de acessibilidade física, menos de 4% das escolas tem um profissional intérprete de Libras e menos de 2% das escolas têm materiais bilíngues (Libras–Português). A oferta acontece principalmente nas redes municipais, o que amplia diferenças entre cidades.

Ao contrapor as leis válidas nos estados e capitais, apuradas em 2025 pelo relatório A Inclusão no Papel: Mapeamento das Políticas de
Educação Especial no Brasil
aos números na prática (Censo Escolar/Entre a Lei e a Prática: Um retrato da oferta de AEE no Brasil), surgem contradições: a taxa de inclusão mais alta em estados e capitais não está relacionada às normas mais fortes.

Enquanto o Amapá lidera em cobertura (51,8%) apesar de norma frágil, Bahia (16,1%) e Rio (15,9%) ficam abaixo da média nacional (20,5%), e São Paulo (20,9%) está muito próximo da média, longe de liderar o que a sua regulamentação sugeriria.

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Aqui vale observar que parte do atendimento pode ocorrer em centros/convênios fora da escola regular, o que nem sempre aparece como Sala de Recurso Multifuncional (SRM) no Censo — reforçando a necessidade de um campo “atendimento externo” no instrumento.

A metodologia e os critérios do estudo

Os dados foram obtidos em duas etapas e depois comparados. Primeiro, foram mapeadas e sistematizadas as regras para o atendimento educacional especializado existentes nos estados e capitais (leis, decretos, resoluções). Essas regras foram avaliadas e transformadas em notas de 0 a 10.

Para estabelecer esse critério, os pesquisadores do Instituto Pensi, juntamente com pesquisadores do Instituto Rodrigo Mendes, identificaram 25 itens que deveriam existir para o atendimento educacional especializado funcionar: sala de recursos, profissionais, acessibilidade, materiais, financiamento e articulação com saúde e assistência, entre outros. Depois, com os microdados do Censo Escolar 2024 (mais de 215 mil escolas) verificou-se onde há AEE, quem é atendido e quais recursos existem.

Ao juntar as duas bases de dados, veio a resposta simples: lugares com regras mais completas não são, necessariamente, os que mais oferecem os recursos para AEE. A força da legislação e a inclusão observada no Censo não andam juntas — e ninguém (estado ou capital) passou de 7 nessa “nota da legislação”.

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O que está no papel é essa nota da legislação (0 a 10). O que acontece na prática é o percentual de escolas que realmente oferecem AEE, segundo o Censo.

Onde a lei diz uma coisa e a escola mostra outra

Duas contradições marcam o panorama encontrado. Em muitos estados, há uma oferta alta de vagas em escolas com atendimento especializado, mesmo com leis fracas. É o caso do Amapá, onde mesmo com uma legislação limitada, mais da metade das escolas (51,8%) declararam ter AEE.

Porém, onde a lei é mais detalhada, o serviço é mais raro. Bahia e Rio de Janeiro, por exemplo, apresentam regras mais completas, mas a presença do AEE fica abaixo da média nacional (20,5% de escolas com AEE). A mensagem central é direta: ter regra escrita não tem garantido o apoio dentro da escola.

Por que isso importa neste exato momento? A infância tem tempo certo para cada avanço — e esse tempo não volta. O AEE organiza recursos e estratégias pedagógicas para que o estudante aprenda e participe (comunicação alternativa, materiais acessíveis, adaptação de atividades, organização da rotina).

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Para muitos alunos que demandam esse suporte, especialmente no espectro autista, o desenvolvimento também depende de terapias clínicas (fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, fisioterapia) no contraturno.

Quando a escola não oferece o AEE ou não combina metas com essas terapias, a família perde horas valiosas de aula e intervenção, e o estudante perde o momento certo para se desenvolver. Isso pesa na saúde mental de estudantes — que se sentem excluídos — e de professores — que ficam sobrecarregados tentando suprir sozinhos o que deveria ser trabalho de equipe.

O que pode e deve ser feito agora

A urgência é dupla: para as crianças, que não podem esperar, e para as escolas, que precisam de condições para cumprir a lei. Os dados da pesquisa realizada pelo Instituto Pensi apontam caminhos para levar o AEE para onde o aluno está — a escola regular, como manda a legislação.

Apesar de nem sempre simples, as medidas são factíveis e voltadas a cada contexto, como por exemplo:
. Criar equipes itinerantes para áreas rurais e ribeirinhas;
. Fazer as Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) funcionarem de verdade, vinculando repasses à instalação, uso e manutenção (e divulgando calendário e número de atendimentos);
. Garantir as pessoas certas na escola (intérpretes de Libras, psicólogos, assistentes sociais e docentes de AEE), com vagas, formação e valorização;
. Financiar por entrega, condicionando recursos extras a SRM ativa, mais a equipe mínima, mais o registro público;
. E medir melhor, incluindo no Censo um campo de “atendimento externo” (quando o aluno é atendido fora da escola de origem), e detalhando os profissionais. Sem dado, não há correção de rota.

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Cumprir a lei é cuidar da infância

A legislação brasileira orienta a escola regular como regra. A matrícula em classe comum não é opcional, é o caminho previsto na lei. Isso torna obrigação do poder público garantir os apoios que permitam o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes do público-alvo da educação especial: atendimento educacional especializado funcionando na escola, equipes multiprofissionais por perto e coordenação com o contraturno terapêutico quando necessário.

Não é luxo: é aprendizagem hoje, saúde mental agora e portas abertas lá na frente. Para permanecer na escola, concluir etapas, acessar a universidade e entrar no mercado de trabalho com mais autonomia.

O levantamento realizado mostra claramente em que ponto estamos. Cabe ao Poder Executivo transformar promessa no papel em apoio real na sala de aula.

*Claudia Cheron König, Pesquisadora principal do Laboratório de Estratégia, Governança e Filantropia para Transições Sustentáveis, Instituto Pensi/Fundação José Luiz Setúbal (FJLS)

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