A universidade pública tem de tudo. Muitos professores são abnegados e dedicados, preparando belas aulas e conduzindo pesquisas relevantes. Nossa pós-graduação é amplamente superior à de todo o hemisfério. Mas o lado podre existe e traz danos à sua imagem. Pior, acaba punindo quem se comporta exemplarmente.
Eis o tema deste artigo: foram paridos em Brasília muitos dos problemas das universidades. Resultam de concepções, regras e marco regulatório infelizes ou perversos.
Nos Estados Unidos, entre as 5 000 instituições de ensino superior, há mais de 1 000 chamadas de universidades. Delas, 131 são verdadeiramente de pesquisa. Se a mesma proporção valesse para o Brasil, seriam apenas dez federais de pesquisa. De fato, metade das publicações se concentra nelas. Não obstante, todas as federais foram proclamadas universidades de pesquisa. Sobrevive o falso discurso da indissociabilidade do ensino e da pesquisa, ainda que na maioria das instituições a pesquisa seja quase nada. Pior, o ensino é demovido a um segundo plano.
Dos professores, 88% têm contrato de quarenta horas. Desse grupo, 4 500 atuam na pesquisa, enquanto 8 800 apenas ensinam. Portanto, são o dobro dos que não fazem pesquisa.
Admitamos que, entre aulas e atividades correlatas, gastem-se vinte horas semanais. Mas quem não pesquisa, como usa as vinte horas restantes? Na prática, seu pagamento é um esplêndido regalo do contribuinte. Por que não reduzir de quarenta para vinte horas o contrato de quem não faz pesquisa? Aplicada, tal regra geraria uma enorme economia ao Erário.
Com que lógica Brasília dá mais fundos a umas do que a outras? Das dez universidades mais caras, apenas quatro contam-se entre as melhores. Na média, os custos/aluno/ano equivalem aos das universidades europeias (37 000 reais). Mas poucas constam nas listas das mais destacadas do mundo.
Os orçamentos de pessoal são feitos em Brasília e inflexíveis. Se, com grande sacrifício, logra-se afastar um professor inadequado, a economia resultante não pode ser usada pela universidade. Portanto, não há incentivos para escoimar os improdutivos. Tarefas como comprar um reagente são uma via-crúcis de vários meses. As fundações, salvadoras da pesquisa, são execradas pela esquerda.
Reitores e chefes de departamento não têm mecanismos eficazes para punir os recalcitrantes ou premiar os mais destacados, como faz o botequim da esquina. Reitor é jóquei de dinossauro. Empunhando seu chicotinho, assume a pose de quem comanda o paquiderme.
As disciplinas profissionalizantes, por vezes, podem ser mais bem atendidas por aqueles que exercem a profissão. Mas, caso essas pessoas não tenham mestrado ou doutorado, sua presença faz cair a avaliação da universidade.
Não há uma só universidade de primeira linha em que os reitores sejam escolhidos por votação. Ainda mais bizarro, votam alunos e funcionários. A Suécia tentou esse mecanismo, mas logo voltou atrás.
Não há por que perdoar os pecados dos dirigentes locais. Entre eles, inclua-se preferir o conforto de não ter de assumir decisões penosas. Mas é espantoso o prejuízo causado por regras, políticas educativas e mitos gerados e consagrados em Brasília. São os principais culpados de muitos males das universidades. Portanto, consertar as universidades começa no Planalto.
Publicado em VEJA de 29 de maio de 2019, edição nº 2636