Os desafios para a educação brasileira após resultado alarmante do Pisa
Termômetro global da qualidade do ensino revela as lacunas tão básicas que impedem o país de virar a página
Mais respeitado medidor do aprendizado, o Pisa serve de bússola para aferir o patamar em que se encontram os alunos e compará-los com seus pares no mundo. Desde 2000, esse termômetro do ensino vem emitindo um recado a quem cuida da educação no Brasil — o país vai mal na sala de aula e precisa correr para engatar de uma vez por todas na trilha da excelência. Na terça-feira 5, saiu o resultado do mais recente teste aplicado pela OCDE, o clube das nações mais ricas, a estudantes de 15 anos egressos de 81 países. E não deu outra: os brasileiros seguem no pelotão de trás, entre os vinte piores em matemática e ciências e no grupo dos trinta com notas mais baixas em leitura, próximo de Albânia e Jamaica e atrás de vizinhos como Chile e Colômbia na lista encabeçada pelos asiáticos (veja o quadro). “Precisamos avançar significativamente”, reconheceu o ministro Camilo Santana, que ainda não conseguiu deslanchar políticas capazes de dar o tão necessário salto de qualidade.
Esta foi a primeira vez em que o Pisa saiu a campo depois da pandemia, e era esperado que se registrasse uma queda geral, como de fato ocorreu entre economias de todas as grandezas. Em matemática, por exemplo, o declive chegou a 10 pontos desde 2018, equivalente à perda de 75% de um ano letivo, o que dá a dimensão planetária dos estragos do esticado período com escolas de portas fechadas. No Brasil, o recuo não se revelou significativo e ouviu-se até gente do meio celebrando o que soava um milagre diante da paralisia vista na quarentena. Os otimistas passaram ao largo de um dado desconcertante: o nível do Brasil já é tão baixo que, deste piso, é muito difícil descer. “A verdade é que estamos estagnados desde 2009, e o país vai tão mal que não dá mais para cair”, reforça Maria Helena Guimarães, ex-secretária executiva do Ministério da Educação.
Trocando em números, significa informar que 73% dos brasileiros estão enredados no nível 1 de 6 em matemática, sem conseguir entender frações, comparar a distância entre duas rotas e converter medidas — média que na OCDE ficou em 31%. Em ciências e leitura, mais uma bomba: cerca de metade dos adolescentes patina no estágio em que não atingiram o mínimo esperado, uma geração que nem sequer identifica o trecho principal de um texto nem discerne o que é fato científico. “Nossas aspirações devem ser mais ambiciosas”, alerta Daniel De Bonis, diretor na Fundação Lemann. No atual cenário, examinar o percurso trilhado pelos países exitosos pode ajudar a iluminar o caminho do Brasil. Dois pontos certamente unem os campeões : nenhum deles se pôs a inventar a roda, tendo partido do que já se provou eficaz, e todos, sem exceção, apostaram na figura maior na jornada de aquisição do saber, o professor.
Líder do ranking pela segunda vez, a pequena Singapura e suas iniciativas não podem ser transplantadas sem ajustes à realidade brasileira, mas devem servir de farol, assim como Japão e Coreia do Sul, entre os dez melhores. Nesses países, onde aprendizado é obsessão, apenas os mais talentosos do ensino médio são aceitos nas faculdades de pedagogia, uma carreira bem paga e admirada. Para ingressar no prestigiado Instituto Nacional de Educação de Singapura, é necessário estar entre os 30% de mais alto desempenho, e lá eles são treinados para valer, com base em técnicas amplamente testadas. No Brasil, onde muita gente deságua na docência por falta de opção, o pendor é para uma formação teórica, não raro dominada por debates ideológicos. “É preciso ensinar a dar aula, mas isso implica comprar brigas com setores corporativistas, e os governos têm sido reticentes em fazê-lo”, afirma Claudia Costin, presidente do Instituto Singularidades.
Não é preciso ir tão longe para entender o que funciona: o Ceará, estado de onde vem o ministro Camilo, avançou de forma notável ao apostar no treinamento de professores, elevar o tempo em sala de aula, dar estímulos financeiros aos municípios que se superam, mantendo as medidas no longo prazo. O problema é que o MEC, que após o anúncio do desastroso Pisa prometeu trabalhar pela alfabetização na idade certa, pela expansão do turno integral e pela permanência dos alunos nas salas do ensino médio, caminha a passos lentíssimos, atado às várias correntes que freiam as decisões.
Uma delas é a implantação do Novo Ensino Médio, que pretende reduzir a quantidade colossal de conteúdo oferecida nas escolas, um modelo na contramão dos currículos mundo afora, centrados em raciocínio lógico e outras habilidades. Só que o projeto que pode dar a tão aguardada chacoalhada nos antigos pilares se arrasta e, recentemente, voltou ao escrutínio do Congresso por pressão de sindicalistas ligados ao PT. Por essas e outras, o Brasil vai perdendo a oportunidade de contar com cérebros capazes de virar a página do atraso e fincar os pés, enfim, no século XXI.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871