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Medalha em olimpíada de conhecimento vale vaga em cursos da Unicamp

Em iniciativa inédita, universidade seleciona alunos por meio de premiações obtidas em competições de ciências, física e matemática; meta é atrair talentos

Por Fernanda Bassette
11 abr 2019, 19h45

Mineira de Jacutinga, Gabriely da Cruz Camilo, de 17 anos, não precisou prestar vestibular para conseguir uma vaga na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – uma das instituições públicas com vestibular mais concorrido do país. Dona de pelo menos sete medalhas olímpicas nas áreas de matemática e física, Gabriely garantiu uma vaga graças ao seu talento e dedicação: suas premiações a dispensaram de fazer as provas do processo seletivo. O cearense Ícaro Bezerra de Oliveira Gonçalves, de 19 anos, também é um dos beneficiados com a nova modalidade de ingresso na instituição. Dono de uma única medalha de ouro conquistada em uma competição de robótica, ele garantiu uma vaga no curso de engenharia elétrica.

A proposta da Unicamp de permitir o ingresso por meio das medalhas olímpicas é inédita no país. Recebeu o nome de Vagas Olímpicas e ofereceu 90 das 3.340 vagas do vestibular para alunos medalhistas e que se destacaram em olimpíadas do ensino médio nas áreas de matemática, física, química, robótica e ciências. “Outros países, como os Estados Unidos, até consideram medalhas olímpicas na hora de avaliar o aluno para a universidade. Mas isso vem junto com outras coisas, como trabalho voluntário. Na Unicamp, vamos considerar apenas as medalhas”, afirmou José Alves de Freitas, coordenador do vestibular.

Essa “vantagem” no ingresso na universidade tem um objetivo bem definido: atrair para a universidade jovens talentosos e com currículo de alto desempenho, alunos que já são habituados a longas jornadas de estudo e que gostam de desafios. Assim, a Unicamp espera que esses jovens se fixem na instituição (reduzindo a taxa de evasão, que chegou a ser de 20%) e se tornem futuros pesquisadores. Para isso haverá incentivo já no início da graduação: bolsas de iniciação científica no valor de R$ 400.

Organizadas por sociedades científicas, as olimpíadas são muito especializadas e exigem muito conhecimento e habilidade dos alunos. Por isso, para Freitas, elas são um filtro muito importante. “O aluno medalhista já chegará à universidade com a curiosidade aguçada, com o raciocínio acima da média e com várias ideias de projetos”, afirma.

Como funciona

Neste primeiro ano do programa, 27 dos 66 cursos da instituição se interessaram pelo modelo e abriram vagas – pelas normas, até 10% das cadeiras de cada curso poderão ser destinadas a medalhistas. Ao todo, 285 candidatos se inscreveram e 60 postos foram preenchidos por estudantes que carregam prêmios de pelo menos 15 olimpíadas, sendo os mais frequentes vindos da prestigiada Olimpíada Brasileira de Matemática de Escolas Públicas (Obmep).

Ao se inscrever nessa modalidade de ingresso, o candidato coloca as medalhas que já recebeu de acordo com as olimpíadas solicitadas pelos cursos. Cada uma terá um peso diferente: uma medalha internacional certamente valerá mais do que uma nacional . O critério de desempate – quando houver – será o histórico escolar em língua portuguesa, já que na área de exatas e ciências esses alunos já são destaques. Em nenhum momento haverá entrevista pessoal. “Optamos pela impessoalidade absoluta na análise dos dados. Buscamos o mínimo de contato possível para evitar distorções ou privilégios”, afirma Freitas.

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Do total de aprovados, 75% são de outros estados – o que chamou a atenção positivamente da Unicamp, já que o objetivo é flexibilizar o ingresso e atrair talentos. O Estado do Ceará, reconhecido pelo alto desempenho em olimpíadas de conhecimento, foi o segundo que mais aprovou medalhistas – 17 ao todo –, ficando atrás apenas de São Paulo, com 25 candidatos aprovados. Além disso, quase metade (46%) dos medalhistas é de escolas públicas, ampliando a participação dos alunos de menor renda no vestibular paulista.

Ponto extra

É o caso de Gabriely, citada no início da reportagem. Filha de um pedreiro e de uma cabeleireira, ela estudou a vida toda em escolas públicas. Apesar da baixa renda, ela e a irmã nunca precisaram trabalhar, pois os pais faziam questão de que estudassem. Gabriely conta que começou a gostar das olimpíadas no 6º ano do ensino fundamental, pois a escola dava um ponto a mais na média para quem participasse.

“Comecei a participar das olimpíadas interessada no ponto extra. Mas descobri um mundo incrível, cheio de oportunidades. Participar das provas se tornou algo prazeroso e divertido”, afirma a jovem, que ostenta mais de dez medalhas conquistadas no decorrer dos anos.

Aos 14 anos Gabriely foi aprovada no vestibulinho do Instituto Federal de Campinas, escola técnica onde cursou o ensino médio voltado para engenharia elétrica. Saiu de casa ainda menina, com o apoio dos pais, e passou a ajudá-los por meio do auxílio-moradia e da bolsa de iniciação científica, que juntos somavam R$ 900.

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Entrar na Unicamp era um sonho de Gabriely, mas ela nunca pensou que suas medalhas seriam o caminho. Ela optou pelo curso de ingresso comum (chamado de “cursão”) em que os alunos têm aulas de matemática, física e engenharia por um ano e meio antes de decidir o curso definitivo de graduação. “O estudo é a base de tudo. Sem estudo, eu não chegaria a lugar nenhum”, afirma.

Ícaro Bezerra de Oliveira Gonçalves
Ícaro Goncalves, 19 anos: ouro em olimpíada de robótica garantiu vaga em engenharia elétrica da Unicamp (//Arquivo pessoal)

O jovem Ícaro, de Fortaleza, veio de uma base de ensino em escolas particulares. Afirma que sempre gostou muito de estudar, especialmente matemática e física. Seu pai é aposentado do Banco do Nordeste e sua mãe, dona de casa. Filho único, conta que a cada quatro anos era obrigado a se mudar de cidade por conta do emprego do pai, o que dificultava fortalecer laços de amizade.

Segundo ele, um dos colégios em que estudou estimulava os alunos a fazerem aulas extras de matemática, física e química e também incentiva a turma a participar das olimpíadas. O prêmio não era um ponto extra, como no caso de Gabriely, mas a escola se responsabilizava em arcar com os custos das inscrições. Assim, no 1º ano do ensino médio ele já participou das olimpíadas de matemática, física, astronomia e robótica – essa última lhe rendeu a medalha de ouro que abriu a porta da Unicamp. O jovem também ficou surpreso quando soube que foi aprovado na universidade por causa da sua medalha olímpica. “Essa é uma oportunidade incrível para quem participa das olimpíadas”, diz.

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Excelência no ensino

Pelo segundo ano consecutivo, a Unicamp ficou na primeira posição do ranking das melhores universidades da América Latina, segundo levantamento publicado pela revista inglesa Times Higher Education (THE) em 2018. O ranking é um dos mais prestigiados do mundo e teve como base a análise de dados de 1.250 universidades de 36 países.

A universidade pretende aumentar gradativamente a oferta de vagas olímpicas. A coordenação do vestibular se diz satisfeita com os resultados. “Para um primeiro ano de programa, acho que foi muito melhor do que esperávamos”, afirmou Freitas. Uma das coisas que ele pretende é aumentar a participação de mulheres – neste ano, apenas 22% das vagas foram ocupadas por elas. “Estamos no começo, mas esperamos evoluir muito”.

 

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