A greve na Universidade de São Paulo (USP) chega a sua terceira semana sem sinais de um fim. A mobilização reivindica a contratação imediata de professores e o aumento dos auxílios estudantis de permanência. Embora haja reuniões entre a reitoria e o movimento estudantil, nenhum acordo foi estabelecido entre as partes e a paralisação continua por tempo indeterminado. Em entrevista à VEJA, o reitor, Carlos Gilberto Carlotti Júnior, disse que o movimento pode causar prejuízos à imagem da instituição, além de salientar as respostas que a USP pretende dar às demandas dos alunos para o restabelecimento das atividades.
O que o senhor acha da greve estudantil que está acontecendo agora na USP?
O que nós temos feito nessa greve é explicar o que está acontecendo, reconhecer que a velocidade para a solução das demandas não é a que a gente gostaria, mas que não dá para acelerar muito porque temos que seguir os preceitos legais de contratação. Se as pessoas forem um pouco mais compreensivas e entenderem como o sistema funciona, vai ficar claro que essa greve não é totalmente justa. A greve prejudica muito a imagem da universidade e isso pode causar problemas no futuro quando formos discutir, por exemplo, o financiamento da USP. Acho que é tempo de suspendermos a greve e liberarmos as atividades para voltarmos à normalidade.
Como a reitoria pretende responder às demandas dos alunos?
As duas principais demandas que foram apresentadas: a contratação de professores e o apoio à permanência estudantil, são focos da gestão e estamos trabalhando nisso desde o dia que assumimos. Nós criamos uma pró-reitoria exclusiva para inclusão e pertencimento, fizemos um plano para a contratação de mais de 800 professores. Só que isso demora um tempo. Não é possível contratar rapidamente por meio de concurso público. Nós realmente tínhamos um déficit em torno de 17% no quadro docente em relação a 2014, quando a USP tinha cerca de 6.000 professores, seu maior número. Quando assumimos estava em torno de 5.100. Nós, então, iniciamos um planejamento de contratação. O que estamos fazendo agora é agilizar, na medida do possível, essas contratações e já fazer outras para substituir os professores que se aposentaram em 2022. Neste último trimestre de 2023, nós vamos ter mais de 200 contratações. Na permanência estudantil nós tínhamos cerca de 12 mil bolsas, que passaram para 15 mil, e aumentamos o valor de R$ 500,00 para R$ 800,00. Na alimentação há um gasto de R$ 1.000 por mês para cada aluno. As bolsas de pesquisa (PUB) aumentaram para R$ 700. São questões que nós estamos trabalhando para solucionar.
O objetivo é chegar aos mesmo 6.000 docentes de 2014 ou há um plano para o aumento desse efetivo, já que nas últimas décadas o número de alunos da USP aumentou em cerca de 30%?
O aumento mais intenso aconteceu no início dos anos 2000. Depois de 2014 o aumento foi mínimo. Naqueles 11.300 que entram na universidade, não tivemos um aumento maior do que 50 alunos. Estamos usando o ano de 2014 como parâmetro porque significou o maior número de professores na USP e a estabilização no número de ingressantes. Esse período também coincide com a crise financeira que a USP teve, em que parou de contratar, depois veio a Covid, que interrompeu as contratações novamente, e assim nós acumulamos esse déficit de mais de 800 professores.
A USP é financiada por uma parcela do ICMS, imposto que deve acabar até 2033 com a entrada em vigor das novas regras. Como isso vai impactar a Universidade? É possível que novas crises como essa ressurjam em um futuro não tão distante?
A situação da USP está equilibrada no momento. Desde o ano passado, houve uma diminuição na arrecadação, mas isso aconteceu em todo o estado de São Paulo, não só na Universidade. Até porque nosso orçamento vem de uma cota a parte. Acredito que o estado vai encontrar mecanismos para recuperar essa arrecadação. Quanto à mudança tributária mais ampla, aprovada esse ano e que deve entrar em vigor nos próximos, foi firmado um compromisso entre o governador e as três universidades (USP, UNICAMP e UNESP) de manter o modelo de financiamento. Se os diálogos se mantiverem de forma positiva, como vêm acontecendo, nós temos condições de manter nosso financiamento. Até porque, esse modelo de financiamento é um dos grandes responsáveis por essa qualificação das universidades. A USP, UNESP e UNICAMP estão muito bem posicionadas nos rankings internacionais e em constante ascensão. Isso tem muito a ver com este modelo. Seria muito ruim se perdêssemos isso, mas, no horizonte atual, ele será mantido.
Uma questão que chama a atenção é que a USP acumulou um superávit de R$ 5,7 bilhões ao mesmo tempo em que cursos correm o risco de ser extintos, como o caso da formação em coreano, ou passam por maus bocados, como o curso de obstetrícia e a artes plásticas, que teve uma dezena de disciplinas canceladas. Como explicar cenários tão contrastantes?
O superávit não pode ser usado para fazer gastos contínuos. Seria o fim da universidade se fizéssemos isso. Não dá para contratar funcionários ou dar aumentos contando com o superávit, porque quando essa sobra acabar, será preciso utilizar o orçamento anual. Fazer isso seria uma loucura que nenhum economista cogitaria. O superávit será usado para a recuperação física da USP, como a reforma de prédios, a construção de novas instalações ou a compra de equipamentos, uma outra parcela deve ser guardada para períodos em que a economia não for muito bem. O superávit serve para evitar movimentações futuras de perda financeira e para melhorar a infraestrutura da universidade. Não dá para confundir as coisas.
Agora quanto aos cursos, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) recebeu 70 professores dentro dessa reposição. Agora porque não contratou coreano e japonês é uma questão interna da unidade. Eles estão procurando resolver esses mecanismos. Pode ser que um departamento tenha esquecido de fazer o pedido, ninguém tenha prestado atenção e agora estamos sem professores de japonês. Não dá para a reitoria controlar cada disciplina de cada unidade. Estamos pedindo para a Pró-Reitoria de Graduação confirmar com todas as unidades se nenhuma disciplina foi esquecida para não acontecer o que aconteceu com coreano e japonês, que o departamento esqueceu de fazer o pedido. A Escola de Comunicações e Artes (ECA) recebeu 27 professores, eles devem fazer a distribuição interna. Nas disciplinas optativas, não dá para colocar o mesmo peso das obrigatórias ou teríamos milhares sem ser ministradas, às vezes por falta de alunos. O que estamos pedindo é que as unidades fiquem atentas a distribuição desses docentes para evitar esse tipo de problema que depois acaba sendo colocado na conta da reitoria, o que eu acho que não é verdadeiro.