Greve na USP: cursos podem ser extintos por falta de professores
Dezenas de unidades aderiram ao movimento grevista. Principal reivindicação é a contratação imediata de professores
A greve na Universidade de São Paulo (USP) chega a sua segunda semana sem sinais de arrefecimento. Estudantes se reuniram com representantes da reitoria na última quinta-feira (28), mas nenhum acordo foi estabelecido entre as partes e a greve continua por tempo indeterminado. O reitor, Carlos Gilberto Carlotti Júnior, viajou para a Europa, onde terá compromissos na Alemanha e na França, e deve retornar ao Brasil no dia 3 de outubro. A mobilização reivindica a contratação imediata de professores e o aumento dos auxílios estudantis de permanência. Cursos estão ameaçados de extinção.
O movimento grevista começou na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e se espalhou para outras unidades. O último levantamento da reitoria aponta que cerca 11% das unidades de ensino e pesquisa estão totalmente paralisadas, 36% desenvolvem parcialmente suas atividades e 53,5% não foram afetadas e continuam com sua programação normal. De todas as escolas, 22% relataram algum tipo de bloqueio físico de acesso. Entre as unidades paralisadas estão a Escola Politécnica (Poli), a Faculdade de Direito (FD) e a Escola de Comunicações e Artes (ECA).
No curso de letras, a situação é especialmente grave. O Departamento de Línguas Orientais da FFLCH, responsável pelo único curso de graduação em coreano da América Latina, corre o risco de extinção. Com dez anos de existência, o curso tem atualmente a maior nota de corte entre as habilitações linguísticas, além da maior retenção entre os alunos do curso, mas funciona com apenas uma professora, Yun Jung Im, que foi contratada pela Korea Foundation, organização de diplomacia pública sem fins lucrativos que promove e apoia os estudos coreanos em todo o mundo e que já atribuiu 156 professores para 99 universidades em 18 países.
“O papel de uma universidade pública como a USP, principalmente no curso de letras, é formar professores de línguas. E nós precisamos de professores de coreano. Essa demanda está crescendo rápido, já que cursos de coreano estão sendo implantados nas ETEC’s, nos CEU’s”, destaca Yun em comunicado à imprensa. “Temos um contingente enorme de pessoas querendo estudar. Eu tenho alunos do Amapá, Pará e outras regiões que vieram pra São Paulo só para estudar coreano.”
Uma pesquisa interna conduzida no mês de setembro por uma comissão de alunos mostra que entre 57 ingressantes de Letras em 2023, 47% afirmam ter entrado no curso devido a habilitação em língua coreana. A comissão criou um dossiê sobre a situação do curso, baseando-se em informações obtidas durante assembleias representativas dos três setores do departamento e na análise de documentos da própria Universidade de São Paulo.
“O financiamento necessário está disponível, mas não está sendo alocado conforme o necessário. A USP encerrou o ano de 2022 com um superávit impressionante de R$5,7 bilhões”, diz Maria Maekawa, aluna da habilitação em coreano e representante da comissão. “O corpo docente do curso de coreano tem sido negligenciado desde a sua criação, sem a contratação adequada de um quadro operacional mínimo de professores. O cancelamento de uma nova turma em 2024 irá certamente afetar negativamente o corpo discente da USP.”
No curso de artes visuais, 11 disciplinas foram canceladas neste semestre por falta de professores, o equivalente a um terço da carga horária do curso. O motivo do cancelamento teria sido a não renovação do contrato de três professores temporários e a falta de docentes disponíveis para assumir as vagas.
Segundo a Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), a USP contava com cerca de 6 mil professores em 2014, mas agora, em 2023, tem cerca de 4,9 mil. Além dos alunos em greve, os professores aprovaram em assembleia na última terça-feira (26), uma paralisação até a próxima segunda, quando devem votar o início de uma greve em apoio aos estudantes. Professores de cinco unidades de ensino aderiram ao movimento: Instituto de Matemática e Estatística (IME); Faculdade de Educação; Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH); Instituto de Psicologia; e Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH).
Em comunicado, a Reitoria da USP disse ter aumentado em quase 60% os recursos destinados ao auxílio estudantil no último ano. Também assegurou que garantiu, junto ao Conselho Universitário, a distribuição de 879 cargos a todas as unidades de ensino e pesquisa da universidade, além da realização de concursos para a contratação de servidores técnicos administrativos. O órgão salienta ainda que as faculdades e escolas podem solicitar docentes temporários para remediar situações mais graves.
Nesta sexta-feira (29), os diretores e diretoras dos institutos e faculdades da USP divulgaram uma carta aberta em que reforçaram o comprometimento da universidade na contratação de novos docentes e destacaram iniciativas de permanência para alunos em vulnerabilidade socioeconômica, reiterando o apresentado no comunicado da reitoria. “Respeitamos a autonomia do movimento estudantil em nossa instituição, pois esse respeito é parte do nosso compromisso democrático”, diz o comunicado. “Embora boa parte [das manifestações] esteja ocorrendo de forma pacífica, algumas têm recorrido a expedientes que não condizem com o ambiente acadêmico, envolvendo interdições físicas que bloqueiam o acesso aos espaços da Universidade, em alguns casos acompanhadas por constrangimentos a professores, servidores técnico-administrativos e alunos.”, destaca.
Para Michele Schultz, presidente da Adusp, contratações anunciadas pela reitoria não suprem as necessidades da instituição. “Continua havendo perdas, as pessoas continuam morrendo, se aposentando, sendo desligadas por exoneração ou outro motivo”, disse à Agência Brasil. “Desde janeiro de 2022, segundo o nosso levantamento, 305 professores deixaram a universidade.”