Estudo faz soar um alerta: cada vez menos jovens aspiram a ser professores
Se nada for feito, haverá déficit de mestres — cenário que precisa ser revertido já
Entusiasta da estrada cheia de curvas e lombadas que conduz ao saber, o matemático americano Salman Khan, ou Sal, 49 anos, sempre gostou de ensinar e o fazia aqui e ali, informalmente, até virar um estrondoso fenômeno da educação ao lecionar no YouTube de tudo um pouco, e de graça. O estilo informal, embalado por lições que caminhavam em direção oposta ao tradicional modelo expositivo que tantos bocejos arranca dos estudantes, não apenas cativou gente do naipe do bilionário Bill Gates, que duas décadas atrás lhe deu generoso aporte de dinheiro para criar sua Khan Academy, como fisgou a atenção de cerca de 200 milhões de alunos mundo afora, entre eles brasileiros, repisando o lema: “Você só precisa saber uma coisa: não há nada que não se possa aprender”. Muitos professores de gerações diversas, tal como Sal, abraçaram o ofício quase como uma causa, e das boas: transmitir aquele tipo de aprendizado capaz de mudar o curso da vida.
É um propósito louvável, sem dúvida, mas que mobiliza cada vez menos brasileiros, segundo mostra um recente levantamento. O estudo do Instituto Semesp, que muito debate provocou no meio acadêmico, faz soar um alerta: se não houver uma reviravolta — e a torcida é para que ela aconteça —, um déficit de mestres se acumulará ano a ano, até chegar a 235 000 em 2040, do nível fundamental ao médio. As raízes são iluminadas pela mesma pesquisa. Em uma década, a turma de até 24 anos à frente da sala de aula despencou 50%, sinal contundente de que a trilha da docência já não desperta a admiração de outras eras — só 2,4% do pelotão que agora encara o Enem afirma querer segui-la, um terço do contingente de 2010 (veja no quadro). “Não é apenas o salário. A questão central é que a carreira não é atrativa”, afirma Natália Fregonesi, coordenadora de políticas educacionais da ONG Todos pela Educação, enfatizando o fato de, sobretudo na área de exatas, já se observar escassez de profissionais.
O desafio de recrutar e manter os mais talentosos não é trivial nem na rede pública, nem tampouco entre os colégios privados — estes com mais recursos e estratégias para não perder aquele professor que todo mundo gostaria de ter. “Investimos firme em aprimoramento profissional, com cursos e treinamentos internos e externos, e assim valorizamos nosso corpo docente”, diz James Diver, diretor da Escola Eleva, em São Paulo. É um rumo pelo qual há tempos enveredaram frequentadores assíduos do topo dos rankings do ensino. O que une neste campo nações tão distintas como Coreia do Sul, Finlândia e Estônia, além de uma visão que situa a educação como espinha dorsal para o desenvolvimento, é a aposta na qualidade dos mestres que passam o conhecimento à criançada — eles recebem formação bastante prática (e não tão teórica, como no Brasil) e tem à frente oportunidades concretas de dar um salto, podendo explorar diferentes ângulos da pedagogia, o que torna a carreira para lá de respeitada e ambicionada.
Em uma clássica pesquisa que indagou a jovens sul-coreanos, homens e mulheres, em quais áreas imaginavam encontrar um bom parceiro de vida, a docência sagrou-se campeã. Eis os motivos: ali estão concentrados os mais bem pagos e admirados profissionais, que ainda por cima têm férias estendidas. O cenário faz refletir sobre o que falta ao Brasil, onde, sim, pesa o fator salarial — 47% mais baixo do que no grupo da OCDE, que reúne os países mais ricos, e 18% menor do que a média dos próprios brasileiros com ensino superior. Mas o problema nem de longe se encerra aí. Também o estímulo aos talentos, que naturalmente buscam ser desafiados e reconhecidos, magnetiza jovens de outros cantos do planeta, que disputam vagas na faculdade para poder lecionar. “A rigorosa seleção nesses lugares dá à carreira de professor um status como o de médico aqui”, compara a especialista Claudia Costin.
A vivência em escolas brasileiras espanta uma fatia dos aspirantes a professor, que sentem na pele o que um relatório da OCDE revelou com percentuais espantosos. De acordo com o documento, metade dos metres relata lidar com a indisciplina na sala de aula — índice que na China e no Japão gira em torno de 5%. Às vezes, a aridez toma contornos mais dramáticos: 47% contam ter sido vítimas de intimidação ou agressão verbal na sala de aula, o que não raro se desdobra em abalo da saúde mental. “Vários alunos da licenciatura, que ao longo do curso fazem estágios obrigatórios, chegam ao fim da graduação cientes de que a rotina escolar é muito diferente do que sonhavam”, diz Daniel Cara, da Faculdade de Educação da USP. Uma parte da turma desiste da ideia de lecionar antes mesmo de conquistar o diploma, a exemplo da atriz Julia Bontempo, 28 anos, que tinha planos de dar aulas de teatro, mas o batente em colégios, públicos e particulares, a fez repensar. “Estagiei em locais sem infraestrutura, sem material nem tempo para desenvolver as atividades. Me sentia desvalorizada”, desabafa.
Diante do visível declínio na procura por licenciaturas, o governo federal criou uma bolsa como parte do programa Mais Professores para o Brasil, que se destina a jovens de baixa renda e nota alta no boletim, justamente para tentar incentivar talentos a escolher a sala de aula. Em 2025, as matrículas nesse perfil subiram 60% nas docências de instituições públicas, o que é boa notícia, mas sabidamente apenas um curativo sobre ferida bem mais funda, com a qual também colégios particulares lidam cotidianamente. O São Vicente de Paulo, no Rio de Janeiro, faz campanha para que os próprios alunos se tornem futuramente professores da escola. “É uma forma de estimulá-los a virar professores”, acredita o coordenador André Marques. Nem sempre o esforço se traduz em resultado. “Desde pequena queria ensinar, mas pensei melhor e avaliei que é pressão demais. Por isso, mudei de ideia”, conta a carioca Sofia Rezende, 17 anos, que está às voltas com o Enem e pretende ser advogada ou psicóloga.
Criar condições mais atraentes para que a juventude de hoje, envolta em um universo cada vez mais variado de opções, abrace a sala de aula é necessidade de primeira grandeza. Os brasileiros continuam a figurar na turma de trás da excelência global e a dar mostras de lacunas rudimentares, um freio de mão à evolução individual e ao avanço do país, onde se faz elevada a demanda de cérebros bem talhados para solucionar os complexos problemas do século XXI. Não há nesta seara fórmula mágica, mas receita básica, que tem na formação de um animado time de mestres um ingrediente essencial. “Sou apaixonada pela troca com os alunos”, orgulha-se a professora de inglês Maria Eduarda Avellar, 24 anos, que engatou uma segunda graduação em pedagogia, caso raro de amor incondicional ao ofício. Que venha muito mais gente como ela por aí, tudo em prol do virtuoso ciclo do qual já falava o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804): “O ser humano é aquilo que a educação faz dele”. E o professor tem tudo a ver com isso.
Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2025, edição nº 2970

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