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Após quase desaparecerem das escolas, as letras cursivas estão de volta

Tudo em nome de evidentes benefícios sociais e cognitivos

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h31 - Publicado em 11 fev 2024, 08h00

Coube aos sumérios, há mais de 4 000 anos, onde hoje é o Iraque e foi a Mesopotâmia, os primeiros traços da escrita cuneiforme, por meio de estiletes aplicados a blocos de argila. Desde então, a capacidade de usar as mãos para fazer registros vem sendo capítulo seminal da história da humanidade.

A escrita cursiva é o modo mais elegante de deixar mensagens para a posteridade. No entanto, com a primazia avassaladora das telas (leia mais na pág. 70), praticamente sumiu dos currículos escolares — estrago que nem mesmo a invenção da prensa, por Gutenberg, no século XV, foi capaz de produzir. Agora, em fascinante pêndulo da civilização, há um movimento em sentido contrário, a retomada do manuscrito como ferramenta de educação e desenvolvimento cognitivo.

OLHAR VICIADO - Leitura em tela eletrônica: experiência é menos estimulante
OLHAR VICIADO - Leitura em tela eletrônica: experiência é menos estimulante (André Horta/Fotoarena/Fotoarena)

No início do ano, a Califórnia voltou a determinar o aprendizado da letra cursiva para crianças do 1º ao 6º ano. Outros vinte estados tem iniciativas semelhantes. No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular preconiza o ensino da cursiva nos primeiros anos do ensino fundamental, depois do aprendizado da chamada letra bastão. São passos pequenos, mas fundamentais, aceno ao passado de olho no futuro.

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Há ótimos motivos para a retomada do antigo hábito. “Ao segurar um lápis ou uma caneta para escrever, há um planejamento visual, diversos movimentos corporais e a necessidade de aplicação de mais ou menos força”, diz o neuropediatra Carlos Takeuchi, coordenador do departamento de neurologia do Hospital Infantil Sabará. “Todos esses pequenos gestos resultam em um melhor desenvolvimento da psicomotricidade, além de aprendizados mais subjetivos, como criatividade e paciência.”

HISTÓRIA - A prensa de Gutenberg, do século XV: nem ela mudou tanto o mundo
HISTÓRIA - A prensa de Gutenberg, do século XV: nem ela mudou tanto o mundo (Fine Art Images/Getty Images)

Um estudo recente preparado pela Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia identificou a relevância do escrever em vez de teclar: a letra cursiva estimula regiões do cérebro que não são ativadas pela digitação. Parece, portanto, não haver dúvida: o papel como plataforma promove o conhecimento. “A regra é simples”, diz Paulo Breinis, neuropediatra e professor de neurologia infantil da Faculdade de Medicina do ABC. “Para uma criança em fase de aprendizado, quanto mais processos forem estimulados, maiores serão os resultados. É sempre muito mais rico, do ponto de vista cognitivo, que a criança aprenda a escrever a letra ‘b’, por exemplo, e saiba como diferenciar sua escrita da letra ‘d’, do que apenas aprender a digitar essas letras em uma tela.”

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arte letra cursiva

É raciocínio simples — mas eis aí a beleza e importância das posturas banais. Seja para conseguir ler documentos do passado, sem os quais não caminhamos, seja para compreender as cartas escritas por avós e bisavós, sem os quais nada seríamos. Atento, o professor de história Vinícius Andrade, da rede municipal do Rio de Janeiro, costuma levar fontes manuscritas de textos antigos para as turmas do 7º ano, de 11 e 12 anos. “Eles sempre acham que não vão conseguir ler”, brinca. “E ficam encantados quando conseguem.” Muito mais do que mera nostalgia — e nada de condenar a tecnologia, por óbvio —, a sobrevivência da letra cursiva é ponte fundamental e bonita entre gerações.

Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2024, edição nº 2879

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