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O problema do capital especulativo na Turquia

Turquia e África do Sul não criaram políticas para frear a fuga de capital dos emergentes no final do ano passado; por isso estão mais frágeis

Por Bilge Erten e José Antonio Ocampo
20 abr 2014, 12h37

A volatilidade financeira atual nas economias emergentes está alimentando o debate sobre se os integrantes do bloco dos “Cinco Frágeis” – Brasil, Índia, Indonésia, África do Sul e Turquia – deveriam ser considerados como vítimas das políticas monetárias dos países avançados ou vítimas de sua própria integração excessiva em mercados financeiros globais. Para responder a essa pergunta precisamos examinar as respostas de políticas diferentes à expansão monetárias – e os diferentes níveis de risco que essas respostas geraram.

Embora todos os cinco frágeis – identificados assim com base no duplo déficit fiscal e de conta corrente, tornando-os particularmente vulneráveis à volatilidade dos fluxos de capital – adotaram uma série de medidas macroprudenciais desde a crise financeira global, a combinação dessas políticas, bem como seus resultados, têm variado consideravelmente. Enquanto o Brasil, Índia e Indonésia reagiram à saída de capital por meio de novas regras na conta de capital, a África do Sul e a Turquia permitiram que seu capital fluísse livremente para fora de suas fronteiras.

Consideremos a resposta da Turquia, que tem sido caracterizada por um forte compromisso com a abertura da conta de capital. Embora a evolução política na Turquia tenha atraído mais atenção ultimamente, a crise atual do país está enraizada na fraqueza econômica, refletida na perda da confiança dos investidores e a depreciação acentuada da taxa de câmbio da Lira turca. Esta instabilidade tem gerado temores de um contágio dos mercados emergentes, sendo a África do Sul especialmente suscetível, devido à sua abertura de sua conta de capital.

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Em vez de restrições de fluxo de capital, as autoridades monetárias da Turquia começaram a recortar as taxas de empréstimos overnight em novembro de 2010, a fim de reduzir a rentabilidade das operações de “carry trade” (compras de ativos em moeda estrangeira para tirar proveito de uma maior taxa de juros). A expectativa era de que os fluxos de capital de longo prazo financiassem o crescente déficit em conta corrente, que ultrapassava naquele momento 8% do PIB, mitigando assim o risco de uma parada brusca no financiamento externo.

Enquanto muitos observadores do mercado aplaudiram o Banco Central da Turquia por sua combinação de uma política ousada e pouco ortodoxa, o Fundo Monetário Internacional (FMI) criticou as autoridades turcas por aumentar as expectativas de inflação e alimentar ainda mais o crescimento do crédito. No entanto, o FMI não declarou explicitamente que a Turquia aplicara regulamentos de contas de capital. Apesar da crescente evidência oferecida por seus próprios funcionários de que a introdução de tais regulamentações estava dando bons resultados em muitos mercados emergentes.

Sem uma gestão da conta de capital, o Banco Central da Turquia esperava alcançar uma estabilidade financeira e de preços, complementando a redução nas taxas overnight com ferramentas macroprudenciais internas, destinadas a reduzir o crescimento excessivo do crédito.

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As principais medidas para controlar o crescimento do crédito tiveram um incremento gradual das reservas mínimas, a partir de 2010, algumas restrições sobre os empréstimos de consumo e a introdução de tetos máximos para o crescimento do crédito no segundo semestre de 2011.

As autoridades alegaram que tais ferramentas são mais eficazes do que as medidas relativas ao fluxo de capital, que “são, em geral, fáceis de contornar e difícil de implementar.” No entanto, as medidas prudenciais internas poderiam ter apenas um efeito limitado sobre a taxa de crescimento do crédito, porque esse crescimento foi impulsionado principalmente pela entrada de capitais em expansão.

Assim, o crescimento do crédito interno começou a desacelerar apenas em agosto de 2011, quando a escalada da crise da zona euro fez com que os investidores globais se tornassem mais temerosos aos mercados emergentes em risco. Paradoxalmente, enquanto as autoridades monetárias da Turquia reconheceram essa relação, continuaram a atribuir o declínio no crescimento do crédito ao sucesso de suas medidas prudenciais.

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Então, em maio passado o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anunciou sua intenção de começar a desacelerar gradualmente o seu programa compra ativos de ativos de trilhões de dólares – o chamado afrouxamento quantitativo (ou quantitative easing, em inglês) – provocando uma fuga de capitais em grande escala em mercados emergentes. Não havia como negar: a explosão de capital dos mercados emergentes tinha acabado, e as bolhas de crédito e de ativos que os havia alimentado corriam risco de implosão. Em contrapartida, o Brasil e a Índia não hesitaram em impor restrições da conta de capital. As duas economias estão hoje muito menos frágeis do que a Turquia e África do Sul.

Diante disso, talvez a verdadeira questão seja por que a Turquia se absteve de aplicar o regulação da conta de capital, considerando que quase todos seus homólogos de mercados emergentes a estavam utilizando de alguma forma. O setor financeiro era demasiado poderoso para seus legisladores? Os seus banqueiros centrais também estavam muito comprometidos com a posição anterior do FMI de que as metas de inflação só podiam operar sob condições de conversibilidade da conta de capital? Ou foi porque seus políticos se beneficiaram do impulso econômico que fluxos de curto prazo “hot money” fornecem e, assim, decidiram ignorar as consequências?

Se há uma lição a ser aprendida da experiência da política monetária da Turquia, é que a regulamentação prudencial interna e as ferramentas de políticas monetárias deveriam ser consideradas complementos – e não substitutos – do gerenciamento de conta de capital. Quanto à Turquia, sua única esperança de evitar uma crise econômica ainda mais profunda é empreender com determinação ações para mitigar os riscos econômicos que criadores deixaram acumular nos últimos anos. No entanto, dada à instabilidade política que o país enfrenta atualmente, esse resultado, é na melhor das hipóteses, incerto.

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Bilge Erten é bolsista de pós-doutorado no Comitê sobre Pensamento Global da Universidade de Columbia. José Antonio Ocampo é ex-ministro das Finanças da Colômbia e professor da Universidade Columbia

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate, 2014

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