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Joaquim Levy: ‘Precisamos de máscaras, testes e boas teorias econômicas’

Ministro no governo Dilma e presidente do BNDES no governo Bolsonaro, Joaquim Levy fala sobre as mudanças no banco de fomento e a imagem do país no exterior

Por Felipe Mendes Atualizado em 8 jun 2020, 17h29 - Publicado em 6 jun 2020, 13h00

Engenheiro naval e Doutor em Economia pela Universidade de Chicago, Joaquim Levy, de 59 anos, por diversas vezes figurara em cargos de relevância no poder público. Em 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi nomeado secretário-adjunto de Política Econômica no Ministério da Fazenda. No ano seguinte, tornou-se economista-chefe do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Entre 2003 e 2006, no governo Lula, foi secretário do Tesouro Nacional. Mas o seu maior desafio na vida pública veio em novembro de 2014, quando assumiu o Ministério da Fazenda. Num conturbado momento do governo de Dilma Rousseff, Levy imprimiu uma mudança de rumo na política macroeconômica do país. Muitas de suas ideias, no entanto, nem ganharam fôlego no Congresso diante da crise vívida pelo governo. À época, foi criticado por liberais brasileiros por deixar o Bradesco Asset Management para embarcar no mandato petista. Mais recentemente, no início de 2019, Levy assumiu outro desafio de tamanha relevância. Foi convidado por Paulo Guedes, ministro da Economia, para assumir a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDES. Em menos de seis meses, entregou o cargo sob pressão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), após a nomeação de Marcos Pinto para o banco de fomento. Hoje, afastado de cargos públicos, Levy encabeça um projeto de estudo com o intuito de colocar o Brasil à frente de outras nações na transição para uma economia sem emissões líquidas. “Tirando as questões do desmatamento, o Brasil está bem no páreo. Temos uma matriz bastante limpa, pouco poluidora e somos um país com vasto território e muito rico em recursos. Ou seja, temos tudo para ser a economia do futuro”, diz ele, esbanjando otimismo.

A economia global passa por um momento de incerteza elevada devido à pandemia do novo coronavírus. O que os governantes, sobretudo no Brasil, podem fazer para sairmos menos machucados dessa crise? Duas coisas. A primeira delas é uma questão prática. A volta ao trabalho é importante, mas é preciso se preparar para isso. É necessário ter máscaras de proteção, termômetros, equipamentos de proteção individual, fora os testes para a detecção do vírus. Precisa-se ter milhões de testes. Sei que o governo brasileiro tem repassado dinheiro para a Fiocruz, que é uma instituição importante para avançar no combate à doença. Em linhas gerais, o governo não pode só ficar olhando pela janelinha e esperar a “pombinha de Nóe” voltar. Não adianta esperar somente a curva cair. É preciso fazer algo mais do que isso para se preparar. Quando você quer sair da trincheira, tem de se preparar para não ser ceifado pelas metralhadoras. Essa é a situação. Outro aspecto que vai ser muito importante para passar por esse momento é entrarmos numa fase em que todos, do setor privado ao público, projetem uma visão de esperança, de amor, de harmonia, que dê confiança para as pessoas. Abraham Lincoln falava dos “melhores anjos da nossa natureza” em seu discurso inaugural em uma mensagem otimista para evitar a guerra entre o Norte e o Sul do país americano. Isso mostra que você pode ter a melhor mensagem do campo econômico, a mais correta do ponto de vista da teoria econômica, mas se você não passar uma mensagem de amor, as pessoas não terão empatia. Vai ser como um prato que você bate, um sino que toca, e no fim das contas até faz um barulho, mas não mobiliza ninguém. No curto prazo, são essas as duas coisas mais importantes. Ter os procedimentos preparados para a volta ao trabalho e transmitir uma mensagem de harmonia e de esperança. Isso é o que vai fazer com que o consumidor possa gastar um pouco mais, senão ele ficará com medo e gastará menos, fazendo com que a economia entre numa espiral negativa. Nós precisamos de máscaras, testes e de boas teorias econômicas também.

O que o governo pode fazer para melhorar a confiança do consumidor e mitigar os riscos? Acho que a liberação do auxílio emergencial mostra uma coisa muito interessante. Apesar da dificuldade, o Brasil construiu uma estrutura nos últimos 25 anos que o permitiu ter uma resposta transparente e ágil ao enfrentamento da crise. Em 2000, uma das coisas que me marcava muito no governo do Fernando Henrique Cardoso era uma mensagem da qual o governo ao cuidar da população de menor renda, ao fazer algo para o cidadão, ele não está fazendo um favor. É o trabalho dele. Isso é importante deixar claro. O governo soube usar a infraestrutura econômica que nós temos de uma maneira ágil e dar uma resposta a uma questão que no começo da pandemia parecia difícil. Acho que esse é um elemento que traz mais confiança. As pessoas sentem que não estão totalmente abandonadas. E agora, precisamos olhar como será essa retomada, como criar empregos. A economia vai mudar e muitos empregos não vão voltar. Alguns dos processos tecnológicos que já estavam em curso foram acelerados. O e-commerce disparou, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. Hoje, já há uma porção de grandes redes varejistas americanas que estão entrando em concordata. Os restaurantes, por exemplo, terão uma desaceleração por um tempo. As viagens a negócios vão mudar drasticamente e o setor aéreo vai sofrer. Ou seja, vai haver deslocamentos muito grandes e o governo tem que pensar em como recolocar essas pessoas no mercado de trabalho.

Quais são as principais mudanças estruturais que o país precisa encabeçar no futuro? Nós temos hoje uma discussão sobre saneamento básico, que é um exemplo de como você pode, ao se fazer um bom desenho, ajudar as contas dos estados e atender a população numa área que é muito vergonhosa para o Brasil. Você pode fazer um desenho em que a parceria com o setor privado conseguirá oferecer água e esgoto tratados à população de baixa renda, com eficiência, monitorado. Esse é um exemplo muito claro de um setor que deve ser prioridade. O governo já deu uma mostra de flexibilidade indispensável. Ainda falando nesse tópico, o saneamento de resíduos sólidos é responsável por uma grande fonte de emissões de poluentes no Brasil porque não há tratamento do lixo. Esse é um tema que também merece ser revisitado. Desde o ano passado se discute a questão do gás natural e como utilizar melhor os gasodutos que o Brasil detêm. Não é sair construindo novos gasodutos, mas colocar mais gás andando naqueles que já existem para termos mais eficiência e produtividade. Esse assunto tem de ser um norte para o governo. Não é só assinar cheque, inventar programa de governo, mas resolver de fato esses problemas. Isso é absolutamente urgente neste momento de retomada em que as pessoas precisam de orientação. Na medida em que o governo apresente isso de uma maneira bem explicada, ele também irá contribuir para a confiança do consumidor e do investidor, seja brasileiro ou estrangeiro.

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A derrocada do patamar do petróleo nos últimos meses pode atrasar o emprego de fontes alternativas ao combustível fóssil? O petróleo está extraindo uma renda da humanidade. A perda de valor vista nos últimos meses foi, sobretudo, uma antecipação do que iria acontecer daqui a algum tempo, enquanto não há um equilíbrio entre a oferta e a demanda. Eu acredito que a troca pela energia de fonte renovável é uma solução não para hoje, mas que poderá ser adotada muito em breve. O motor a combustão de um carro é, por exemplo, muito menos eficiente que o motor elétrico. O petróleo desvalorizado pode trazer uma vantagem momentânea para o desenvolvimento econômico, mas se você pular esse momento e aproveitá-lo para a adoção de energias de fontes renováveis, a situação será muito melhor. No Brasil, por exemplo, já seria o momento de ter ônibus elétricos, o que traria uma melhora muito grande para o clima das grandes cidades. Passaríamos a ter cidades mais limpas, confortáveis e eficientes.

O Brasil passa uma imagem de descrédito para investidores estrangeiros. Como o país pode recuperar essa confiança? Nos últimos 15 anos, os estrangeiros compraram muita coisa no Brasil. Um sem-número de empresas, às vezes familiares, foram vendidas, boa parte para os chineses. Não é só renda fixa que atraía o investidor financeiro. O investidor estrangeiro, de modo geral, tinha uma confiança de que o Brasil tinha seus problemas, mas era um país confiável. Sabia-se para onde o país estava indo. Era um país de harmonia, de tranquilidade, um país que estava fazendo um esforço de inclusão da população. Havia esse sentimento de que todo mundo é importante, de que a classe C é tão importante quanto qualquer outra. Não vamos dourar a pílula, mas esse esforço de integração proporcionou uma geração que teve mais educação, maior expectativa de vida, apesar de ter aumento de criminalidade em muito lugar e do saneamento ainda não ser totalmente acessível. Isso era uma coisa muito importante para o investidor estrangeiro. Se você põe isso em dúvida e ele não sabe o que está se colocado no lugar disso, isso gera uma situação de incerteza. O Brasil conquistou coisas muito importantes nos últimos 25 anos e que temos de ser capazes de continuar aprimorando, como esse respeito com as pessoas, a inclusão. Essa política tem de ser permanente.

“O maior risco do desmatamento na Amazônia é prejudicar o próprio desenvolvimento do Brasil. Se a água não chegar ao Centro-Oeste, anos de investimento na agricultura e na bacia hidrelétrica serão perdidos”

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Recentemente, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles disse que iria aproveitar esse momento em que a cobertura da imprensa está muito ligada à questão do coronavírus para ir “passando a boiada” com soluções infralegais para a flexibilização da exploração em áreas da Amazônia. Como essa política afugenta os investidores globais? O maior risco do desmatamento é prejudicar o próprio desenvolvimento do Brasil. Há vários estudos que mostram que à medida em que se desmata em alguns lugares, tornando a floresta mais rala, afeta-se um dos mecanismos principais da Amazônia que é o que permite com que a umidade do mar passe por cima da floresta através da transpiração. As árvores chupam a água da chuva, transpiram e mandam-na de volta para o céu. Ao mesmo tempo, o vento vai levando essa umidade aos poucos para o Sul e para o Norte. No começo do ano, ele traz a água para o Centro-Oeste. E aqui é o ponto onde eu quero chegar. No dia em que a Amazônia começar a ratear, não terá mais água no Centro-Oeste. Tudo o que nós investimos nos últimos 50 anos em agricultura só não vai para o brejo porque vai estar tudo seco. Vai virar pó. A nossa plantação de soja, que uma geração de brasileiros com enorme sacrifício construiu, vai toda embora. Para quê? Para fazer terrenos que são, no fundo, pastagens completamente deterioradas, incapazes de manter mais do que uma cabeça de gado. Por causa disso você vai destruir 50 anos de investimentos em agricultura no país. O Brasil depende totalmente dos rios que nascem no Centro-Oeste. Toda a nossa bacia hidrelétrica depende do Centro-Oeste. Quando essa água acabar, mataremos 70% da nossa geração elétrica. E, com isso, acabam-se empresas e a geração de energia do país. Quem desmata para ocupar o terreno faz o quê? Não dá para dizer que transforma aquilo num negócio maravilhoso. Não transforma. Não produz. Vende a madeira de qualquer jeito. Para boa parte não há nem mercado porque ninguém quer comprar madeira “suja”. Então, quando você tem 10.000 km² desmatados, você está assinando a destruição da sua própria economia. Não é desmatando para botar meia dúzia de cabeça de boi que você vai fazer dinheiro. Esse gado sequer tem mercado. Hoje, até o comprador chinês está com iniciativas para melhorar sua cadeia de suprimentos, de commodities alimentícias. Ele paga um tostão a mais para ter certeza que não está comprando algo ilegal. O que eu quero para o Brasil? Será que eu quero destruir as riquezas do Centro-Oeste e, com isso, afetar toda a geração econômica do país? Essa deve ser a pergunta que vai guiar as ações. Depois não dá para reclamar que o cara do Ibama era injusto, malvado, isso ou aquilo. O desmatamento da Amazônia não é um problema para estrangeiros. É um problema nosso.

Como a pandemia atrapalha o cronograma da política econômica do Paulo Guedes e a implementação das reformas estruturais necessárias para o desenvolvimento do Brasil nos próximos anos? Hoje, nós temos um Congresso mais tranquilo, principalmente na Câmara. Quando eu estive em Brasília, a situação era muito mais complicada. Era um outro tipo de liderança que tinha lá naquele momento, em todos os sentidos. É uma bênção o que nós temos no Congresso atualmente. Então, vamos aproveitar. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, é muito claro em suas proposições, com o objetivo de trazer desenvolvimento para o país. É óbvio que o Congresso tomou a decisão de cuidar das emergências por conta da pandemia antes de olhar para outros assuntos importantes. Agora, é preciso voltar com a questão do saneamento. E eu, particularmente, acho que temos de fazer a reforma do PIS e Cofins. Essa reforma pode ser feita de maneira simples. Você cria o chamado crédito financeiro, permite a cobrança do imposto, reconhecendo o crédito no momento em que há a transação entre duas companhias e cobra no momento em que houver uma transferência de um para outro. Temos tecnologia para isso. É algo muito tranquilo de se fazer. Mas a gente ainda não sabe qual é a cabeça do governo em termos de reforma Tributária. Os principais desafios são desenvolver o marco do saneamento, resolver o problema do gás e fazer uma reforma do PIS/Cofins. O Congresso está aberto a ajudar o governo nessas questões. A reforma da Previdência, por exemplo, foi aprovada com facilidade, porque o tema começou a tramitar em 2015. O presidente não teve de gastar um enorme capital político, porque outros governos já haviam feito isso.

Como o senhor avalia a criação de uma nova CPMF? Acredito que se passar uma reforma do PIS/Cofins com crédito financeiro e cobrança automática, a CPMF não será necessária. Já defendi uma CPMF com alíquota baixa em momentos de emergência, mas hoje o que nós precisamos é de reforma do PIS/Cofins. Uma CPMF que não seja calibrada com muita parcimônia pode matar a indústria.

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O novo patamar do dólar pode ser benéfico para o desenvolvimento do país? O Brasil pode se posicionar como fornecedor mundial. As empresas multinacionais agora querem diversificar sua cadeia de valor, com fornecedores transparentes e não concentrados, para não dependerem apenas de uma companhia ou de um país. Se nos organizarmos, usarmos o que o Brasil tem de mercados estruturados, podemos criar valor e alavancar as nossas vantagens. Isso ajudaria a diminuir a dependência de commodities, inclusive agrícolas, onde vamos bem, mas estamos sujeitos a disrupcões globais, como no caso da carne bovina. A alta do câmbio facilita para aproveitarmos essa oportunidade.

O presidente Jair Bolsonaro falava que em abrir a ‘caixa-preta’ do BNDES. Essa questão da caixa-preta está esgotada. Tudo o que poderia ser dito, já foi.

Como o senhor avalia a mudança de papel do BNDES no atual governo? O BNDES teve uma mudança fundamental com a queda das taxas de juros e, ao mesmo, a TLP. Isso se iniciou em 2015 e mudou a natureza do BNDES, que tem um papel muito importante para irrigar a economia. Uma das principais funções do BNDES é apoiar, por exemplo, os estados que estão firmando parcerias com o setor privado para promover uma reforma no saneamento. Com isso, o banco ajuda a dar uma solução para uma coisa que o Estado não teria condição de subsidiar sozinho, assim como o governo não tinha condições de resolver os problemas da energia elétrica em décadas passadas. Demorou-se anos para que aquelas companhias estatais de distribuição estadual do setor elétrico fossem vendidas. Saiu na frente quem conseguiu firmar parcerias com a iniciativa privada antes. Eu costumava comparar os casos de Alagoas e Sergipe. Sergipe vendeu há muito mais tempo sua companhia de distribuição de energia e tinha uma condição de atendimento à população muito melhor do que a do Alagoas. Um outro papel do BNDES é o de irrigar os pequenos bancos com capital de longo prazo. E esse, eu acho que é o melhor uso para o dinheiro do PIS/PASEP. Por isso que quando houve aquela questão da reforma da Previdência de acabar com o recurso do PIS/PASEP, eu falei com muita clareza tanto para o congresso quanto para a equipe econômica, com o Paulo Guedes, de que isso seria muito ruim. O que acontece? O grande desafio para um banco pequeno é que ele não tem como captar dinheiro, porque ele não tem uma grande rede de agências. Se toma dinheiro no mercado para emprestar, ele fica muito vulnerável a questões como a taxa de juros, mas aos outros bancos que também retraem o dinheiro e, de repente, deixa esse pequeno banco desguardado. E é esse banco pequeno que está próximo da pequena empresa. Aqui no Brasil, a gente tem os famosos bancos corporativos, que tem em qualquer canto. São fundamentais para oferecer crédito à agricultura, para que se possa financiar o investimento em melhorias. São esses bancos de território, que estão ali na ponta, como o Sicredi e outros bancos cooperativos, que o Banco Central vem apoiando nos últimos 10 anos, antes de existir fintechs etc. E o Banco Central estava fazendo isso, porque essa é a maneira de se desconcentrar o sistema bancário de uma forma sólida. O principal papel do BNDES é fazer aquelas linhas de longo prazo para que o dinheiro desses pequenos bancos não desapareça. Quando eu estava no BNDES, nós fizemos uma iniciativa chamando todos esses bancos cooperativos porque eu acredito que o BNDES tem um papel socioeconômico extraordinariamente importante, assim como ele tem algumas iniciativas para apoiar laboratórios de inovação, espaços como o Cubo, do Itaú. Então, o BNDES tem muitos papéis, ele é um patrimônio. Eu, como carioca, tenho muito orgulho de o BNDES estar no Rio de Janeiro. Se estivesse em qualquer outro estado, acho que teriam vários leões defendendo ele.

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O BNDES está fornecendo estímulos às companhias aéreas, ao setor de energia, levando crédito ao micro e pequeno empreendedor. Essa não é uma mudança muito grande de paradigma para o que se esperava da atuação do banco de fomento? Como dizia Keynes, quando a circunstância muda, a atuação também muda. Acho que serão mantidos certos padrões de integridade e de coerência. Você ajusta a atuação às circunstâncias, não tem problema nenhum. Quando eu estava no BNDES, uma das principais coisas que estava no meu radar para fazer era vender algumas ações. Existem ações fáceis de vender. Vender ações da Petrobras, por exemplo, é muito fácil. Você chama meia-dúzia de pessoas e em uma semana vende. A questão é que às vezes você vende melhor, às vezes você vende pior, às vezes você vende globalmente, ajuda a colocar a empresa dentro de um contexto global. A grande pergunta para mim era: “muito bem, vendi, onde eu reaplico esse dinheiro? Quais políticas eu quero fazer?” Se o acionista resolver que quer o dinheiro de volta, faz uma assembleia, escreve um White Paper e pede o dinheiro de volta. Desde que ele faça tudo dentro dos procedimentos culpais, ele está no seu direito. Se o presidente da República disser que é para pegar o dinheiro de volta, pega o dinheiro de volta. Sem problema algum. Quando mudou a relação da taxa de juros, não fazia mais sentido a gente ter aquele caminhão de dinheiro do Tesouro lá, porque não estava mais tendo como emprestar aquele dinheiro. Enquanto eu estava no governo da Dilma, em 2015, mesmo com todo o barulho eu fiz a primeira devolução do BNDES, submetendo-se ao TCU. A única coisa que eu dizia na minha época era de que teria de ser feito com muita atenção na forma com que se faz. No setor público, você tem que fazer as coisas dentro de padrões muito bem estabelecidos, muito transparentes, porque não basta intenção, tem que ter a execução.

E como seria a ajuda mais adequada a esses setores? Normalmente, a boa prática diz para você, em parte, entrar com ações. É o preço que o cara vai pagar para ter esse dinheiro mais barato. Isso significa também que você virou sócio. Se a empresa der certo, amanhã você vende as ações, para a própria empresa ou para o mercado, e recupera esse dinheiro, com lucro. Foi o que os EUA fizeram. Eles tinham uma extraordinária companhia de seguros, a AIG, que fez algumas besteiras no passado e estava quase quebrando, só por causa de um pedaço do business dela que estava ruim. Ia quebrar tudo. Então, o governo foi lá, diluiu, entrou, deu dinheiro, passou alguns anos na empresa e vendeu as ações. Com a General Motors, que é tão forte quanto, fez-se a mesma coisa. Mas imagina se o governo não tivesse feito aquilo? Não era só a fábrica. A GM tem revendedores em todos as cidades americanas. Você está falando de toda rede de distribuidores que seria destruída. O que eles fizeram? A mesma coisa. Eles chegaram, viraram sócios, compraram parte, tomaram risco direto da companhia, mas ficaram com parte dos ganhos. Impuseram algumas condições e colocaram gente lá dentro para vigiar se estavam cumprindo as condições. Bom, mais de uma década depois disso, a GM continua sobrevivendo, mais competitiva do que era em 2007. Então, assim, dá para fazer. Tem que olhar direito. Você quer essas empresas virem uma porção de novos “Lloyd Brasileiro”? Não. Você não quer criar Lloyds Brasileiros. Mas, se você desenhar bem, se tiver disciplina nesse governo e nos próximos, pode se usar o banco para este fim. Para isso é necessário chamar bons economistas e administradores para desenhar o projeto e depois acompanhar a implementação.

“No setor público, você tem que fazer as coisas dentro de padrões muito bem estabelecidos, muito transparentes, porque não basta intenção, tem que ter a execução”

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As companhias aéreas têm um futuro incerto. Na Itália, por exemplo, o governo estuda a estatização da Alitalia, que perdeu quase 90% de sua receita devido à pandemia de coronavírus. O setor aéreo, particularmente, vai ficar muito inseguro nos próximos dois anos. Vai ter um ajuste muito grande da demanda e da oferta. Mas é um setor com muitos empregos. É necessário que se olhe com cuidado para ele. Você vai precisar ter a cobertura para o país, porque é importante. Como você vai fazer essa ajuda, o que vai ser exigido, qual é o risco que você vai repartir? Esses são pontos que devem ser discutidos. Acho que estatizar não é o caminho. A Alitalia é uma companhia que tem problemas há 30 anos, já passou de mão em mão. No Brasil, as companhias aéreas são relativamente novas. Algumas têm boas associações com companhias estrangeiras. Então, você pode ter uma participação acionária. Acho que faz todo o sentido. Para o dono da companhia, não é ruim. Você ter um parceiro às vezes ajuda a criar bons incentivos.

No Brasil, estuda-se um pacote de incentivos às montadoras. Como o senhor vê isso? É uma outra história. Por que você não põe como cláusula de que o governo pode ajudar essas empresas, mas, em troca, elas terão de abrir o capital no Brasil? O Brasil já não deu tanto dinheiro para as montadoras, por que elas não abrem o capital aqui? É uma coisa anticapitalista pedir para que as montadoras sejam listadas no país? Isso passaria uma mensagem de confiança dessas empresas no Brasil, uma mensagem de desenvolvimento tecnológico extraordinário. Eu, provavelmente, se estivesse lá, pediria para que fosse feita uma boa análise e teria uma conversa com os diretores das companhias. Quem quisesse dinheiro do BNDES teria de listar as montadoras na bolsa de valores brasileira. Para as companhias seria ótimo também, porque aumentaria a lealdade do consumidor.

Como o senhor avaliaria as diferenças entre a política macroeconômica do governo de Dilma Rousseff, no qual foi ministro da Fazenda, e do governo Bolsonaro? Olha, o segundo governo Dilma foi marcado por uma mudança de rumo em condições complicadíssimas. Quando eu conheci o senhor Eduardo Cunha, ele já tinha seus objetivos pessoais, o que tornava qualquer discussão muito difícil. Era um momento de ajuste de rota, de construir um novo futuro. Eu dizia que nós tínhamos de limpar o convés para poder levantar as velas e começar a navegar. Começamos a fazer algumas coisas, mas a situação política se deteriorou. A necessidade da mudança de rumo se deu porque o governo havia feito uma leitura errada em seu primeiro mandato. E o PT engoliu a pílula. Eu vi muita gente do partido fazendo um enorme esforço para entender onde eles haviam errado e com o pensamento de acertar dali para frente. Depois, veio a Lava Jato e as coisas se tornaram mais difíceis. A presidente Dilma sempre foi muito imparcial em relação às investigações, jamais quis intervir na Lava Jato, e isso desapontou muita gente no governo, porque obviamente acabou tirando uma certa capacidade política dela. Agora, nós fizemos coisas. Mudamos algumas questões equivocadas que existiam no setor de energia, começamos a enfrentar a desoneração da folha de pagamento, começamos a limpar algumas coisas, inclusive no Carf. Sem barulho, mas fizemos as coisas. Chegamos até a cogitar uma reforma de PIS/Cofins, mas acho que não tínhamos ‘pegada’ para isso. Fizemos privatizações. Vendemos usinas hidrelétricas num momento dificílimo. No meio da tempestade, entregamos as coisas. Hoje, eu acho que existe uma situação de construção de novas circunstâncias. As avenidas estão abertas. Só é preciso mostrar qual é a imagem do Brasil para o mundo, qual o Brasil que nós queremos. É o Brasil do respeito mútuo, o da inclusão social? É isso que a gente quer? Se mandarmos sinais confusos para investidores estrangeiros, essa imagem que o país construiu nos últimos 25 anos vai embora.

Qual setor se tornará fundamental no mundo pós-Covid? O mundo que vem no pós-Covid, com a aceleração de todas essas tendências, será ainda mais voltado ao conhecimento. A nossa educação terá de ser ainda mais projetada. Mas não é só a educação em si. É preciso dar as ferramentas. É preciso permitir com que as pessoas tenham acesso à internet. São coisas essências para a nova geração ter condições de ganhar a vida e combater um bom combate. Sem educação, isso é impossível. Quando eu estava no BNDES, eu tirava lá alguns minutos com algumas pessoas das equipes para aprender mais sobre os projetos do banco para a educação dos estados e municípios. Tinha gente que achava até engraçado. Eu me interessava, queria aprender, dava palpites. Às vezes eu tinha ideias e aprendia a ajustá-las. Educação está no coração do desenvolvimento. Precisamos apoiar.

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