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Walter Salles, sobre o cinema nacional: ‘Estamos juntando os cacos’

O cineasta fala de 'Ainda Estou Aqui' — filme sobre a família de Rubens Paiva, morto pela ditadura — e celebra a atuação de Fernanda Torres

Por Mariane Morisawa, de Veneza
21 set 2024, 08h00

Ainda Estou Aqui é baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, que narra o drama vivido pela família dele. Como foi esse processo de adaptação? Foram muitas conversas antes de transformar em roteiro esse livro que é extraordinário. O Marcelo propõe um retrato da própria família e também da história do país ao longo de décadas. No fim, ele chega à compreensão de que sua mãe, Eunice, foi uma heroína silenciosa, que reergueu a família de cinco filhos após uma perda tão dura.

A trama começa alegre e solar, impregnada de arte brasileira, da música, do cinema, mas isso vai se perdendo com o regime militar. Num momento em que a ditadura é exaltada por políticos como Jair Bolsonaro, como o filme lida com esses elementos? O início do filme é sobre um Brasil possível. Um Brasil definido por seus próprios critérios, originais, essencialmente brasileiros. Tínhamos uma nova arquitetura, uma nova música. A educação era redefinida pelo Paulo Freire. Havia possibilidades de mudanças estruturais na sociedade. Isso foi ceifado pelo governo militar. Hoje, de novo, estamos juntando os cacos.

Pode explicar melhor? Passamos por quatro anos muito difíceis, de remada contra a maré. Então, temos de celebrar a volta por cima do cinema brasileiro. Neste ano, vimos algo bastante sintomático. Poucos países tiveram filmes em tantos festivais importantes quanto o Brasil. É um momento especial para o cinema nacional. Somos uma cinematografia em recuperação. Agora precisamos de continuidade, pois é isso que vai fazer o espectador voltar às salas.

Há 25 anos, seu filme Central do Brasil e Fernanda Montenegro concorreram ao Oscar. Como é lançar um filme com a filha dela, Fernanda Torres, e vê-la cotada ao prêmio? O que posso dizer é que a Fernanda Torres é o coração do filme. A história é sobre a tragédia e a reinvenção de uma mulher. Nanda entendeu a essência de Eunice, mulher que perde o marido e, depois, faz questão de lutar pelas instituições, se torna advogada aos 46 e luta de modo apaixonado, mas sem estridência.

Como ela alcança isso? A construção da personagem tinha de ser baseada numa economia da atuação, e Nanda seguiu a ideia de Jean-Luc Godard de que cinema é, antes de mais nada, subtração. Ela é genial fazendo comédia, mas esse filme mostra outro lado. Mostra também a qualidade das atrizes que temos no Brasil. A começar por Nanda e dona Fernanda, quanto talento!

Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911

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