Vanessa da Mata: “Fechei o corpo no candomblé”
Aos 47 anos, a cantora fala sobre novo disco, as razões espirituais que a fizeram abraçar a religião de matriz africana — e critica o domínio do sertanejo
Seu sétimo álbum, Vem Doce, marca vinte anos de carreira. Como artista, sente a angústia de continuar emplacando hits como Ai, Ai, Ai…? Eu não tenho as angústias que tinha no começo da carreira. Estava saindo da adolescência e possuía muito mais hormônios. Tinha medo do sucesso e do que a fama pode trazer. Hoje, é mais fácil — apesar de eu não ter eliminado minhas tensões de artista ao entrar no estúdio e fazer um disco novo.
A faixa-título foi gravada em 432 Hz em vez da usual 440 Hz, e a razão seria a paz e a harmonia que essa frequência “áurea” induz. Considera-se uma artista mística? Sempre quis fazer um disco assim, mas é difícil porque a afinação de todos os instrumentos ficou em 440 Hz após a industrialização das gravações, no século XX — não à toa, o século de Hitler. A música atravessa nossos poros como um sinal de celular, e as pessoas não notam.
A música Foice fala da importância dos saberes ancestrais e celebra as religiões de matriz africana. Como é sua relação com a fé? Minha avó era católica e benzedeira. Hoje, sou do candomblé, mas eu era uma pessoa ateia, e enfrentei um momento da vida em que estava completamente aberta. Não sabia o que estava acontecendo. Via vultos, pessoas na minha frente, energias que não eram humanas. Coisas que não tinham explicação. Foi aí que procurei o candomblé para me fechar. Para fechar o corpo, como dizem.
No período eleitoral, sua revelação de que iria trocar Ciro Gomes pelo voto em Lula causou furor nas redes. Por que mudou? Porque o artista sempre é contra a insensibilidade. Cada real investido em cultura volta em dobro. Todo mercado tem incentivo. O agronegócio tem muitos benefícios que vêm de leis de incentivo, por exemplo. Há uma manipulação que demoniza o artista. E esse fel causou uma herança terrível: é um veneno que vira doença, insanidade, briga de família. Chamam de mimimi o que na verdade é uma necessidade de diálogo.
Embora critique o sertanejo, você veio de uma família humilde de Mato Grosso, onde o gênero é onipresente. Como avalia o fenômeno? Meu pai queria que eu fosse cantora sertaneja — que ele ouve incessantemente. Acho que o Brasil tem fases. Já teve o axé e o pagode. O sertanejo aprendeu a se impor e conta com o dinheiro do agronegócio. O dinheiro domina, e muitas vezes apaga outros estilos que estão por aí.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832