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Uma sereia negra contra o racismo

A escolha da jovem Halle Bailey para viver a heroína Ariel na versão '­live-action' de 'A Pequena Sereia' foi alvo de gritaria nas redes sociais

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h22 - Publicado em 19 jul 2019, 06h30

Se o novo O Rei Leão foi aplaudido pela presença de Beyoncé e Donald Glover no time que dá voz aos personagens, a mesma recepção calorosa não se estendeu à atriz e cantora Halle Bailey, de 19 anos. A escolha da jovem para viver a heroína Ariel na versão ­live-action de A Pequena Sereia foi alvo de gritaria nas redes sociais. Em posts francamente racistas (ou que se escudavam na hipócrita expres­­­são “Não sou racista, mas…”), alguns reclamaram do fato de uma negra viver a personagem que, no desenho de 1989, tinha pele clara e cabelo ruivo.

Halle, que faz parte do elenco da sitcom Grown-ish e do duo musical Chloe x Halle, formado por ela e pela irmã, não está sozinha na mira dos racistas das redes. Will Smith recebeu críticas quando foi escolhido para fazer Aladdin (que, vale lembrar, é azul), assim como a atriz Noma Dumezweni ao ser escalada para o papel da bruxa Hermione em uma peça de teatro derivada de Harry Potter. Idris Elba, favorito para ser o pri­meiro James Bond negro, declinou do sonho de interpretar o 007 alegando que não queria ser protagonista da inevitável celeuma racial. “Se eu fizer o filme e não ficar bom, ou se ficar, será por causa da cor da minha pele? Não preciso passar por isso”, disse Elba.

A escolha da Disney está em sintonia com a celebração da chamada diversidade na cultura pop atual — e reforça a estratégia da empresa do Mickey Mouse de se livrar da acusação de ter imposto às crianças por décadas o padrão de beleza das princesas loiras de cintura fina. Na verdade, porém, o fato é que o estúdio vem apostando forte nas estrelas negras porque elas rendem bilheterias extraordinárias. A Disney já experimentou sua força com Pantera Negra (2018), que embolsou 1,3 bilhão de dólares nos cinemas e ainda obteve três vitórias no Oscar. As dez maiores bilheterias nos Estados Unidos até esta altura de 2019 reforçam a tendência: tirando as animações, apenas dois filmes são estrelados por homens brancos. Mas Keanu Reeves, em John Wick 3, e Tom Holland, o atual Ho­mem-­Aranha, contracenam com mocinhas negras — vividas por Halle Berry e pela sensação Zendaya, respectivamente.

Entre as acusações mais comuns do pessoal descontente com a escolha de Halle Bailey está a de que a Disney teria deturpado a suposta “cor correta” de uma sereia. Escapa aos propagadores do ódio nas redes a noção de que as sereias existentes na ficção são das mais variadas formas e índoles. Na sua encarnação original, conforme comprovam pinturas em vasos da Grécia antiga, elas tinham asas e eram seres monstruosos. Foi o dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), autor de A Pequena Sereia, que fixou na cultura contemporânea a forma meio peixe, meio humana das beldades mitológicas e seu desejo de obter pernas (e um príncipe). O tom sombrio da história de Andersen foi diluído na animação de sucesso da Disney. Agora, não será surpresa se Ariel ressurgir como feminista empoderada.

Publicado em VEJA de 24 de julho de 2019, edição nº 2644

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